quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Desconstruindo Jotaê

Sabe aquela pessoa que pega uma pontinha do fio do novelo e vai puxando, puxando e puxando até que daqui a pouco o novelo não é mais? Jotaê tem essa capacidade. Tá todo mundo falando de uma coisa e ele se atém a um detalhezinho minúsculo e até então insignificante e vai fazendo ele crescer e crescer e crescer até que vira o assunto principal e ninguém mais lembra como foi que começou.

Pois algumas pessoas tem esse poder. De descontextualizar. De desmanchar a cena original, tomar e analisar um pedacinho só. Sem pensar no seu passado. Nem em como ele chegou ali. E analisar qualquer coisa fora do contexto original é desafiador. E normalmente surpreendente. E leva a questionamentos... Se eu fosse atribuir um verbo a Jotaê seria desconstruir.

Mas não é a visão sistêmica a mais desejada no mundo de hoje? Ou, ainda mais, a percepção holística do que nos cerca? Não é considerado um grave pecado observar, tratar, futricar na parte sem ligar para a consequência disso para o todo? Óficorsi que iés. Mas nada impede a admiração pelo detalhe. A experimentação hipotética focada no micro-cosmo.

Tenho uma prima que fotografa esplendidamente detalhes. Essas coisinhas que nos passam despercebidas e que vistas assim, isoladamente, são tão lindas que emocionam. Tirados do contexto protagonizam. Ela enxerga as pequenas coisas mais ou menos como um olheiro percebe a topimódel potencial em uma guria desengonçada qualquer.

Uma vez li um livro, O Perfume, de Patrick Süskind. Isso foi lá no período jurássico, eu estava ainda na faculdade, acho. Lembro que foi um sucesso, na época. E realmente é um livro muito interessante, apesar de meio nojentão. Conta a história de um cara com uma capacidade olfativa muitíssimo acima do normal, enquanto ele próprio não tinha cheiro algum. O incrível é que li tanto sobre cheiros, perfumes e fedores que naquele período fiquei mais suscetível a eles. Meu olfato ficou mais apurado enquanto eu lia o livro.

Da mesma forma, as fotos da minha prima abriram para mim um incrível mundo de coisinhas maravilhosas que eu nunca tinha reparado. Metade das fotos da minha última viagem são de pormenores que até ontem me eram invisíveis.

Pois essas desconstruções contínuas, que Jotaê consegue fazer nos mais improváveis momentos, estão deixando minha dupla de neurônios (o Paulão e o Bola, lembram?) mais antenada para os diversos textos de um determinado contexto. E isso não significa que de agora em diante vou usar a parcialidade ou a visão segmentada como regra de vida. Ou então acreditar eterna e piamente na teoria da conspiração. Nada disso. Pretendo continuar a ser esse ser magnânimo, com uma capacidade de compreensão do mundo e da vida elevadíssima. Claro. Só que agora acho que, mais do que navegar, desconstruir é preciso.





quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sra. H. e o verbo comparar

E estando de volta ao trabalho, impossível não me sensibilizar com os dramas que permeiam o ambiente.

Sra. H. iniciou uma série de atividades físicas com o propósito de eliminar algumas gorduras localizadas que, por volta dos trinta anos de idade, assombram qualquer mulher. Ela está profundamente determinada a retomar a forma física como fez a perfeitíssima Sra. Adriane Galisteu, que exibe na Playboy uma barriga saradíssima, bronzeadíssima e, provavelmente, fotoshopadíssima, pouco tempo após deixar de estar gravidíssima.

Na academia a professora, que é considerada pela ala masculina "uma máquina", fez a avaliação da Sra. H. com a finalidade de definir o treinamento mais adequado para atingir este nobre objetivo comum a 9 entre 10 mulheres que não acreditam em sumiço de colágeno, em fuga desenfreada de radicais livres e na força da gravidade. Mas abandonando os moinhos que giram para trás, sigamos à questão gramático-filosofal que se apresenta:

Pois essa "máquina" (devo lembrar que o trabalho dela consiste em ficar oito ou mais horas malhando) falou que a Sra. H. está sequinha. Sra. H. enfureceu. Não estaria se submetendo a estas torturas se estivesse sequinha.

E aí vem o verbo. Sequinha comparada com o quê? Com a maioria das alunas que frequentam a academia? Comparada com a própria professora? Com a Wilza Carla (que Deus a tenha)?

Comparar vem do latim comparare, com, junto, mais parare, fazer par. Comparar então significa colocar ao lado, fazer par, juntar dois iguais, dois parelhos, para observar, examinar simultaneamente, a fim de conhecer as semelhanças, as diferenças ou as relações. O ato de comparar implica, então, em primeiro lugar, a reunião de elementos suscetíveis de comparação.

Minha colega, a Sra. H., sem querer puxar a sardinha para o braseiro dela, parece estar, em um primeiro momento, corretíssima no seu entendimento. Está comparando seu corpicho atual com aquele que tinha há alguns anos. E essa é, aparentemente, a única comparação possível. E não só fisicamente. Não posso dizer que fulano é melhor que beltrano. Eles são diferentes. E isso, por si só, já impede a comparação. Se não é possível fazer par, não dá para comparar. E se Wilza e Sra. H. são diferentes, não há como comparar.

Pensando bem, não sou mais quem eu era há dez anos. Nem quem eu era no mês passado. Mudei. Nem comigo mesmo conseguiria me comparar. Ah! Mas minha barriga aos dezoito era saradona. E agora é safadona (essa foi medíocre!!). Mas minha capacidade de discernimento, meu grau de tolerância, minha ansiedade... pois é, tudo isso também mudou. Metade de mim dispara acelerada morro abaixo e metade evolui inexoravelmente. Dá para comparar eu de ontem com eu de hoje? Há iguais para emparelhar? Há não.

Lamento, Sra. H. mas é gramatical e filosoficamente impossível comparar quem a senhora foi ontem com quem a senhora transformou-se.

E antes que venha afirmar que é só o pneuzinho que é objeto de comparação, vou lembrando que a vida só existe no período A.J. (antes de Jack). A senhora (e todos ) só existe inteira. Na hora em que Jack disser: Vamos por partes! danou-se!!