domingo, 25 de abril de 2010

Anjos e Demônios

Acabo de conversar com um grande amigo que, assim como eu, tem um certo pendor para o politicamente incorreto. Não falo de atitudes. Falo de pensamentos.

Atire a primeira pedra quem nunca pensou em bater naquela criança mal educada que fica gritando e correndo pelo restaurante, se pendurando em todas as cadeiras? Ou que teve vontade de trucidar aquela velhinha que entra na casa lotérica e passa na frente de toda a imensa fila com um ar de superioridade? Quem nunca teve vontade de rir quando viu alguém cair aquele tombo? Ou ficou escandalizado com o modelito brega da colega de trabalho?

Você pode ter sorrido amarelo para a praga do restaurante e para a senhora idosa, pode até mesmo ter ajudado com todo o seu empenho o transeunte que se espatifou na sua frente. Assim também deve ter guardado para si a crítica de moda. Jamais pensaria outra coisa de você, meu adorável leitor. Provavelmente, como a grande maioria dos mortais que eu conheço, você, eu e meu amigo agiríamos da mesma forma. E as semelhanças não param por aí. A verdade é que você e todos nós outros, já quisemos estrangular alguém, já achamos uma pessoa muito ridícula, já consideramos alguém muito burro, já pensamos muitas coisas horríveis! Ok, agora acho que acabaram-se as semelhanças.

Poucos - e faço parte deste grupo - são os que admitem pensar assim. Meu amigo alega ter dentro de si Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Ele não precisa tomar poção alguma para que Mr. Hyde se manifeste. Ele está sempre lá. Falando baixinho no seu ouvido. Ninguém ouve, mas lá está a criatura malévola, sempre pronta para tascar um palpite horroroso sobre qualquer acontecimento, pessoa, coisa. Sempre. Mas Mr. Hyde só expressa suas deliciosas opiniões a um seleto público capaz de compreendê-lo.

A mim sucedem as aparições de Frau Herta, uma alemã inflexível que lamentavelmente nem sempre se comporta tão bem como o Mr. Hyde. Frau Herta com certa frequência expressa suas opiniões de forma taxativa, no lugar errado e na hora errada. A seu favor o fato de ser apenas grosseira, não sendo nunca maldosa. Ela jamais pretende magoar alguém. Se isso ocorre, e via de regra ocorre, é efeito colateral indesejável.

Mas voltemos ao pensar e ao agir.
Quando eu era criança (era?) minha mãe falava que todos tínhamos um anjinho e um diabinho que nos acompanhavam sempre. O coisinha ruim, por óbvio, nos dava ideias interessantes mas que, lamentavelmente, se colocadas em prática, trariam resultados desastrosos. Coisas como estragar o brinquedo do irmão mais novo só para que o nosso fosse o mais bonito, mentir para uma colega que não tinha trazido a caneta hidrocor só para não emprestar, estragar o tênis ainda bom para ganhar um novo. Todas ideias ótimas. Mas aí vinha a pergunta: Você gostaria que seu irmão quebrasse seu brinquedo? E que a sua colega mentisse? Você acha certo estragar seu tenis?

E lá estava o anjinho, sempre ele, para ajudar com essas respostas... Um chato, esse anjo. Um estraga prazeres. Ele me impediu - e impede até hoje - de agir de forma incorreta. E por isso não sou um tremendo risco para a humanidade, pois o tal do demoninho está ali, no outro ombro, com um amplo cardápio de opções tentadoras a minha espera.

Acho que é porque eu tiro de mim a responsabilidade por meus pensamentos nada corretos que fica mais fácil admitir o que penso. Mas para a maioria das pessoas, reconhecer publicamente que é capaz de pensar e sentir coisas que ferem a moral instituída é muito penoso. É preferível fingir que se é bonzinho o tempo todo do que admitir sentimentos e pensamentos absolutamente humanos e irracionais.

Ao meu ver são mais virtuosos aqueles que, expostos à tentação, resistem bravamente do que os que preferem não correr quaisquer riscos. Mais interessantes aqueles que sentem e pensam tudo (bom e mau, bem e mal) e selecionam deliberadamente aquilo que vai fazer parte do seu agir no mundo.

Aos bonzinhos de nascença, ou que simulam bondade inata, meu argh!!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Só para finalizar o assunto das rolinhas-antas...

Rapidinho, para dar um desfecho à história anterior: o casal bocó voltou.

Recomeçou o ninho sobre os arames que eu havia instalado. Um pouco mais para o lado, claro, num local mais instável.

Então surgiu um sibito. Para quem não sabe, o sibito é um pássaro mínimo, amarelinho, com a cabeça preta e umas listas brancas próximas dos olhos. Bonitinho mas ordinário.

Ele começou a roubar descaradamente as rolinhas. Desmanchava o ninho com elas dentro. Algumas palhinhas ele jogava no chão e outras, mais estilosas, levava embora para confeccionar seu próprio ninho. Uma violência que eu registrei em filme.

Se alguém se interessar pela epopéia, procure no You Tube por Sibito Ladrão, Sibito Ladrão II e Sibito Ladrão III. Sugiro estes filminhos para compartilharem da minha indignação.

Bem, nem preciso dizer que o ninho ficou uma porcaria, todo furado, uma meleca. Ontem de manhã encontrei um ovinho partido no chão, abaixo do ninho, que veio abaixo na tarde de hoje. Uma tragédia grega não seria tão cheia de percalços.

As rolinhas sumiram, e é bom que não apareçam mesmo, ou sou capaz de fazer uma polenta com molho de rolinhas. Eita bichinho mais sem futuro. Imagino que se o cérebro delas fosse um pouquinho mais desenvolvido o mundo estaria sob uma pandemia de rolinhas. Se taipas do jeito que são ainda não foram extintas...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Pomba Lesa X Ajudinha

Não, não estou utilizando nenhuma metáfora. As palavras do título são uma transcrição literal do que acabo de fazer. Explico: Desde ontem observo um casal de mini-pombas (na verdade são rolinhas, mas acho essa denominação um pouco pornográfica) tentando fazer um ninho sobre dois galhos paralelos, distantes uns cinco centímetros entre si. Um fica lá em cima (acho que é a fêmea)ajeitando o material de construção que o outro busca no chão. O macho pega um galho seco. Voa com ele no bico. Dá para a fêmea que o coloca no vão entre os galhos e... cai. Ele desce outra vez. Vasculha o gramado. Encontra um emaranhado de gramas secas(dessa vez vai dar certo). Leva para cima. Acomoda pessoalmente (ou pombalmente) no vão. Cai.

Ficaram nesse sobe e desce de grama, de palha, de folhas secas a tarde inteira!!! Já ia anoitecendo quando pareceu que finalmente eles tinham adquirido alguns rudimentos de noção de construção civil. O marido começou a transportar gramas secas e compridas e colocar atravessadas sobre o vão. Ufa!

Mas as fundações não resistiram ao vento forte que soprou à noite. A Nautreza é inclemente. Foram-se embora os alicerces do ninho e as pombinhas. Senti uma ponta de tristeza. Provavelmente a inaptidão para construir um lar minimamente seguro tivesse determinado o divórcio.

Mas não. Ao meio-dia a dupla retornou aos mesmos galhos parelelos e reiniciou a rotina de recolher material de construção e arremessar pelo vão entre os galhos! Não me contive. Peguei um arame bem fininho, subi numa escada e fiz um zigue-zague fechando grosseiramente o vão. Uma base extremamente sólida para um frágil ninho, mas suficientemente delicada para não interferir no projeto arquitetônico da dupla. Sim, uma ajudinha para a natureza. Certo ou errado?

Imediatamente após minha intervenção bateu um arependimento: e se eles não voltassem mais? E se esse vai e vem infrutífero fizesse parte do aprendizado indispensável para a sobrevivência deles? E se eles jamais forem capazes de fazer outro ninho? Já estava a ponto de desfazer tudo quando um deles voltou. Acho que a esposa. Olhou, olhou, caminhou sobre os arames. Inflou todas as penas e ficou em formato de galinha chocando... pareceu ter gostado. Bicou os arames e começou a fazer aquilo com o papo: uh-uh, uh-uh, uh-uh! Linguagem de pomba. Acho que chamando o marido para ver a maraviha de estrutura em aço, extremante atual e alinhada com as novas tendências! Entretanto ele não voltou. Ela chamou ainda mais um tempo mas... nada. Ela também partiu. Melhor um marido sem casa do que uma casa sem marido!

Lamentável. Mas, como esse não é o único lugar do quintal próprio para um ninho, decidi deixar ali minha opção de base para ninhos diversos. Vai que outro pássaro ache interessante? De qualquer forma, fiquei pensando sobre o que deve ter passado na cabeça do pombinho leso que rejeitou minha colaboração:

- Ninho tem que ser só de palha, senão não é ninho! Na minha família sempre foi assim e é assim que deve ser.
- Eu falei: só material reciclável! Mas ela nâo me escuta!
- Imagina o que os outros vão dizer? Que eu não sou capaz de construir minha própria casa?
- Ajuda sem pedir nada em troca? Tô fora!
- Um ninho durável assim? Ela pensa que vai me prender prá sempre?
- Na certa ela financiou isso aí e eu vou ter que arcar com as despesas depois!

E da pombinha lesa:
- Ele ficou com o orgulho ferido!
- Tive que desistir de botar ovos, mas eu o amo assim mesmo!
- Optamos por não ter ninho, assim podemos viajar mais!
- Uma pena! A proposta do arquiteto foi ótima, mas ele detestou!
- Era um ninho para a vida toda!
- Tentei até demais, mas ele não era pombo prá mim!

A Natureza é sábia! É?