terça-feira, 22 de março de 2011

Três perninhas

Vê, dobrevê, xis, ípsilon, zê. Era assim que eu terminava de "declamar" o alfabeto, quando fui alfabetizado. Mas meus pais já iam falando que o vê com três perninhas só era usado em casos muito especiais, como também acontecia com o ká e com o ípsilon. E quando se usa o vê com duas perninhas, mãe? Para escrever o nome do teu tio-avô, por exemplo: Tio Westernay. E ela pronunciava assim: Ves-ter-nai. Ah! Então tá.

O ká não me fascinava tanto, tinha uma coleguinha que se chamava Katya. E graças a ela o ípsilon também não era nenhuma grande coisa. Mas o dáblio... sempre me fascinou. Ainda mais quando eu descobri, devia ter uns seis ou sete anos, que ele tinha som de u. Chegou na minha sala de aula um garoto novo, Wesley. E falou que seu nome era Uéslei. Porque não Véslei? Como vocês são burros! Neste colégio de freiras não ensinam inglês? Oh! Fiquei me sentindo o supra sumo da ignorância. Depois, quando uma prima namorou um Washington, eu fui logo acertando na pronúncia: Uóchinton. Agora sim! Mas... e a Walquíria? Cotinuava sendo Valquíria! Gurizinho besta. Vou chamá-la de Ualquíria, por acaso? Não dei mais cabimento e esqueci por um tempo essa questão ortográfica.

Recentemente tive que soletrar o e-mail (ou, mais correto dizer, endereço eletrônico) de um conhecido - cujo nome começa com w - para o colega da mesa ao lado. Percebi, então, que enfiaram o w (e mais o k e o y, sei) no alfabeto da língua portuguesa, mas que não há palavras da língua portuguesa que iniciem com essa letra. As que existem são apropriadas de outras línguas!

Só o que é genuinamente brasileiro, e escrito com dáblio, é esse amontoado de nomes, de gostos e pretensões duvidosas. Wellyngton, Wallace, William (que são da turma do u), Walter, Wagner, Waldemar, Wando (que são da turma do vê) entre muitos outros.

No fundo, no fundo, esse vê de três perninhas só serve prá quem quer se fresquear. De duas perninhas está prá lá de bom para qualquer vivente.
Aceita um uísque? Ou você só bebe wisky?

quarta-feira, 16 de março de 2011

Aperte-me!

Quá, quá, quá, quá!

O Paulão e o Bola (meus dois neurônios) estavam aqui cogitando sobre o assunto a abordar hoje e surgiu, assim, do nada, uma campanha publicitária do tempo do epa. Desodorante "Van Ess"! O tubinho de desodorante falava: - Aperte-me! Muito hilário. Mas a questão não é pacífica. Há quem diga que o desodorante que falava era o "Avanço". Não concordo, acho que esse slogan era dito por uma cara bonitão: - Com Avanço, as mulheres avançam!

Quanta bobagem se produziu naquela época. E o que dizer do comercial do cara que ficava sentando e levantando com uma voz em off: "Senta, levanta, senta, levanta, senta, levanta. Tergal não amassa!" Um gênio da criatividade.

Aliás, adoro as placas inventadas pelo povo, na beira das estradas. Tem uma, por onde eu sempre passo, indo para as praias do sul, que tem o desenho de um frango assado, de costas, aberto, sem cabeça, com letras irregulares logo acima: "Venha, estou assadinho". Que tristeza, um frango decapitado se oferecendo para ser comido! Tadinho!

Outra jóia da comunicação visual foi uma placa assim, perto de um redutor de velocidade:
Vendo cac
horro pudo
Só entendi no dia seguinte, quando passei outra vez lá e, sob a placa, estava uma menina com uma caixa cheia de poodles branquinhos!

Aliás, uma peculiaridade aqui da praia é a preferência por poodle. E poodle branco. Esta é, de longe, a raça predileta. Que quase todo mundo chama, carinhosamente, de "pudo". Encontrei com uma senhora toda bem vestida, noutro dia, na sala de espera do veterinário. Bem entendido que ela e eu estávamos acompanhados de nossos filhos de pelo. Ela me contou que agora tem só esse "pudo", mas que adora cachorros e que, inclusive, já criou um "box" e um "pitimbu" mas que não quer mais nenhum bicho muito grande ou peludo, então está pensando em comprar um "pinchi", igual aos meus. Gente, eu tenho dois cachorros da raça tekel, ou daschund, ou linguicinha, ou salsicha!!!!! As orelhas dos meus são enormes, dobradas e eles são compriiiidos, baixiiiinhos. Que pinscher? Véia louca! Ôxe! Pois um dos meus cães é igualzito aquele do comercial da Cofap, lembram?

E voltamos à publicidade sem esclarcer de quem era a fala de voz fininha: - Aperte-me!

Continuo apostando que o desodorante oferecido era o Van Ess!

Uniformes

Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem

Sua cartilha tem o "a" de que cor?
O que esta acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou

A primeira é uma estrofe de "Uniformes", do Leoni e do Léo Jaime. Uma das muitas músicas do Kid Abelha que eu simplesmente a-do-ro.


A outra é um pedacinho de "Relicário", do ma-ra-vi-lho-so Nando Reis.

Os dois recortes ilustram muito bem a vida e as relacões que estabelecemos. Cada um nasceu em um canto diferente. Com referências próprias, com valores particulares, com singulares formas de ver e compreender o mundo.


De modo geral, fomos todos instruídos a conviver harmoniosamente com as pessoas todas, por mais esquisitas que elas pudessem parecer a nossos limitados olhos. E assim fazemos. Porque é politicamente correto, porque é cristão (?), porque somos obrigados por lei a não discriminar. Ok.

Mas conseguir conviver socialmente não implica na mágica de compreender determinado gosto, de aceitar uma estética muito peculiar, de compartilhar sonhos e anseios. Assim, sei que meu cabelo espanta muita gente. E eu me espanto com os heróis das blusas que elas vestem. Nós não nos entendemos bem. Aprendemos a vida por cartilhas diferentes. Estudamos em escolas que usavam uniformes diferentes. E agora é natural que nossas máscaras sociais também não se assemelhem.

O que nos falta, mais do que qualquer outra coisa, é disposição para abandonar essas referências antigas, que agora não nos servem mais. Mas isso é muito difícil. Andamos pelo mundo em busca dos nossos iguais. Ficar para sempre de uniforme é uma fórmula fácil para sermos reconhecidos por nossos pares. Mas...que falta de criatividade! E que tentação grande de
achar estranhos aqueles que se recusam a viver uniformizados...

Mais fácil do que aceitar que nossa visão de mundo não é a única, é acreditar que é a melhor. E vivermos felizes, limitados pelas eternas fronteiras do pátio da escola.

Apesar de já ter abusado da trilha sonora, ouso finalizar com uma música que a Marisa Monte canta, que me parece que a letra e de dois titãs, tudo a ver com o texto acima:

Eu não sou da sua rua,
Não sou o seu vizinho.
Eu moro muito longe, sozinho.
Estou aqui de passagem.

Eu não sou da sua rua,
Eu não falo a sua língua,
Minha vida é diferente da sua.
Estou aqui de passagem.
Esse mundo não é
Meu, esse mundo não é seu

segunda-feira, 14 de março de 2011

Você me dá...

Isso me dá,
Tique, tique, nervoso
Tique, tique, nervoso,
Tique, tique, nervoso...

Não me perguntem de que canto obscuro da minha mente decrépita saiu a lembrança dessa música! Não sei quem é o autor nem tampouco quem cantava essa maravilha. A culpa é da tempestade de idéias que eu fiz comigo mesmo em busca de uma inspiração para a letra T.

Tique. Tem três definições no dicionário. A primeira é hábito ridículo, cacoete, trejeito. A segunda é aquele vezinho que colocamos ao lado de uma lista. De ticar. A terceira eu nunca ouvi: Nem tique nem taque, que significa dizer: nem uma palavra. Nunca tinha escutado essa expressão. Mas simpatizei com ela. Passa a fazer parte do vocabulário nestoriano.

Nem tique nem taque me lembrou de uma ex-colega de escola e também de faculdade. A Sandra. Ela, quando estava falando qualquer coisa, usava um recurso inusitado. Queria dizer blá, blá, blá. Estão me entendendo? Assim como: ele me disse que estava cansado, e blá, blá, blá. Capicci? Não sei se é uma figura ou um vício de linguagem, mas a gente usa, muitas vezes, uma determinada palavra, diversas vezes em uma conversa, quando quer dizer que há muito mais coisas a relatar, mas que vamos direto ao que é mais importante. Pois Sandra falava, lá pelas tantas, não sei o que, não sei o cá. Suas frases ficavam mais ou menos assim: e fomos para a universidade, não sei o que, não sei o cá, e encontramos as gurias, não sei o que, não sei o cá... Muito a cara dela, isso. Talvez a forma correta de grafar fosse: não se o "q", não sei o "k".

A Hêlo, minha super, hiper, encaixa no meio das frases a palavra coisarada. Sim, um neologismo só dela. E eu fui ao supermercado, e coisarada, e comprei vinho, e massas, e coisarada. Assim. As coisas que não merecem ser listadas, viram coisarada na língua da Hêlo.

E não tem quem fale a todo o momento um né? Sai, né, e então, né, fui pegar o carro, né? Ééééé.

E o que isso tem a ver com tique? Nada. Vamos a eles. A pergunta que não quer calar é: devemos ou não avisar ao portador do tique que ele tem um tique? Será que o ticoso sabe que tem um tique?

Tinha um cara, esposo de uma colega, muito divertido, que adorava contar piadas. Quando ele contava algo realmente engraçado, abaixava a cabeça, como se fosse enterrá-la no pescoço, levantava os ombros, colocava rapidamente a língua para fora e arregalava os olhos. Isso durava um segundo, talvez menos, mas fazia qualquer coisa que ele estivesse falando parecer muito mais engraçada. Quanto mais as pessoas riam, mais ele repetia involuntariamente a sequência: cabeça, ombros, língua, olhos. Imagino que ele nunca tenha ficado sabendo desse tique. A reação das pessoas só reforçava a idéia de que ele era um comediante nato.

Outra amiga, quando escutava uma história realmente quente, que exigisse atenção, franzia a testa, unindo as duas sobrancelhas repetidas vezes, como se estivesse ficando braba e desficando, ficando e desficando, dá para imaginar? Até pensei, um dia, que deveria falar isso a ela, mas o hábito estranho não se manifestava sempre. Só na presença de um babado de peso. Entretanto nunca surgiu ocasião propícia. Não a vejo há algum tempo, mas ela mesma me relatou que tem uma ruga de expressão entre as sobrancelhas, que não entende de onde saiu. Acho que ela anda fofocando horrores!

E meu vizinho? Tem um cacoete muito estranho. Não tenho intimidade para falar sobre isso. Percebo que o tique só dá quando ele resolve falar mais. Ele coça a barriga, depois coça o coteovelo e o entebraço, depois coça o lado do rosto. Volta a coçar a barriga, o cotovelo e o antebraço e o rosto, e vai de novo... quanto mais ele se entusiasma na conversa, mais a frequência da coçação aumenta. Ôxe!

Até um dos meus dogs tem um tique. Basta eu dar um pouco mais de atenção ao outro e ele começa a caçar bichos voadores imaginários. Captura uma coisa que só ele vê e finge que está mastigando. Pode? Nesse caso acho que não adianta falar com ele que isso é uma ação involuntária, que aparece periodicamente, sendo dependente de fatores psíquicos, né? (Putz, falei né!)

Tenho um tique. Não tinha percebido. Acabo de receber um feed back. Saco!

E daí? Grande coisa! Aposto que você também tem um!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pssssssiu!

Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
E fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois...

Música do Peninha, cantada pelo Caetano. Linda, linda. Para falar de uma das coisas que eu mais gosto: silêncio. Pode parecer uma contradição, pois falo pelos cotovelos. Mas quando estou na minha toca, sozinho, fico em silêncio.

A maior parte das pessoas que eu conheço são avessas a ele. Entram no carro e, antes mesmo de dar partida, ligam o rádio ou colocam alguma música. Chegam em casa e ligam o televisor ou o aparelho de som. Às vezes ambos. Noutros casos diversos aparelhos de TV, um na cozinha, outro na sala, outro no quarto. Necessitam barulho, ruído, movimento. Mesmo que seja para sintonizar em um programa que não gostam. Tudo menos o silêncio.

Comigo acontece o inverso. Sempre detestei barulho. Cheguei até a pensar que eu tinha uma má-formação nos ouvidos, pois aparentemente sempre escutei melhor do que os seres humanos normais. Desde criança sempre achei que o volume da TV estava alto demais. E sempre fui tachado de chatonildo. Se me sentia como um extra-terrestre por mil outros motivos, esse era apenas mais um a me fazer sentir excluído do mundo real.

Felizmente encontrei, dia desses, na Saraiva, o livro de um autor argentino (não me recordo o nome dele, agora) cujo título é "O Silencieiro". O protagonista pensa e sofre com ruídos exatamente como eu. Ufa! Sou minimamente normal. Pelo menos tanto quanto pode ser o personagem criado por um argentino. Não sei se isso deveria me servir de consolo...

Por estranho que possa parecer, se eu ficar em casa alguns dias sozinho, pode ter certeza de que vou me desconectar do mundo. O silêncio faz com que eu até respire melhor. Permite que eu estabeleça conexão comigo mesmo. E à noite, quando o silêncio é maior, meus pensamentos voam soltos. Como na música, eu fico imaginando coisas, sonhando acordado, relembrando ou inventando o que eu gostaria de lembrar.

Sento no meio-fio
dos meus pensamentos
na beira do que eu invento
E aproveito
O lado bom
Da solidão

Esta é da Zélia Duncan. Amo. E aproveito para emendar que silêncio e solidão combinam muito bem. Para completar, uma taça de vinho. Perfeito.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Coração compassado

Meu coração bate ao ritmo dos tambores. Apenas isso há em mim que segue algum ritmo. Então começo com a música da Elba, que acabo de lembrar:

Tum, tum, bate coração,
Oi, tum, coração pode bater,
Oi, tum, tum, bate coração,
Que eu morro de amor com muito prazer!

Se me aproximo de uma batucada qualquer, meu coração entra logo em sintonia. Se o batuque acelera, aumentam meus batimentos na mesma proporção. Em uma ocasião havia uma roda de umbanda, na beira do mar, durante os festejos para Iemanjá. Fui me aproximando aos poucos e entrei em tal transe que pensei que fosse baixar um santo ali mesmo. Saí disparado de perto. E se acontece, como faço para o santo sair?

Já o resto de mim é incapaz de seguir qualquer ritmo. Já não sigo os da natureza. Se a preservação da espécie depender de mim, não passaremos desta geração! Mas a verdade é que a minha incapacidade de dançar conforme a música ultrapassa questõs biológicas e sociais.

Vejo essas criancinhas, ainda mais agora, em época de carnaval, saracoteando na avenida. Mal caminham e já sabem sambar. É só escutar qualquer música e saem dando pulinhos, rebolando, dançando. Não lembro de nunca ter me animado com música. Sempre fui uma criança ativa, jogava futebol até que razoavelmente bem, andava de bicicleta, patins, subia em árvores, enfim, tudo o que competia a um garoto na minha época. Mas dançar, nunca dancei.

Daí que meus primeiros programas noturnos envolvendo dança, ainda mais com o sexo oposto, sempre me provocavam certa angústia. Não conseguia relaxar. Tinha a impressão de que todo o mundo iria me observar e perceber que eu não sabia dançar. Meus amigos e amigas entravam na boate (sim, sou dessa época) e já começavam a se balançar ao ritmo da música que estava tocando. E eu lá. Feito um poste. Duro. Ereto. Nem sorrir eu conseguia muito bem. Felizmente eu estava enganado. O mundo não prestou atenção à minha adolescência sem molejo. Sobrevivi incólume a essa fase.

Mas intimamente desejava adquirir a habilidade de dançar ou, pelo menos, relaxar um pouco e me deixar levar por um ritmo qualquer. Nesta época estava na moda a ginástica aeróbica. Mistura de ginástica e música. Parecia perfeito. Era o que eu precisava para começar. Depois o céu seria o limite. Fiz minha matrícula no Stica Vida sem nem fazer a aula experimental. Já sabia que esse era o meu esporte.

Primeira aula. As garotas eram maioria no grupo. Só eu e mais três guris, em uma turma de uns quinze. A roupa delas era hilária. Vestiam maiô sobre calças legging. Usavam polainas e faixas na cabeça, para arrematar o visual. Tudo muito colorido. Hoje isso me parece meio surreal. O traje masculino era composto de camisetas "de física" e calções de futebol. Que absurdo! E vamos nós. Eu lá atrás na última fila. As quatro paredes da academia cobertas de espelho. Lá do fundão eu mal conseguia me enxergar. O que era ótimo. A professora liga o toca-fitas (sem comentários!!). Talking Heads bem alto e ela começa a se mover para cá e para lá. Sem falar nada, só demonstrando o que devíamos fazer.

Três passos para a direita, cruzando as pernas por trás, e clap, bate palmas, gira e vai para a esquerda e clap, clap, palmas duas vezes, agora passos para trás, um pulinho, vai para a frente fazendo braços de remador, e volta e clap. Todos acompanhavam facilmente a coreografia. Quero dizer... nem todos. Em alguns minutos eu estranhamente tinha me tornado o primeiro da fila. Algo estava muito errado. Olhei os demais pelo espelho. Estavam lá atrás, muito à direita. A "profe" veio em minha direção e, sempre sem falar, fazia movimentos para que eu acompanhasse. E indicava para o espelho, para que eu observasse... o que, criatura? O que é mesmo que eu tenho que fazer? Que mico!!! A tortura durou quarenta minutos. Durante a aula toda, se havia dois braços para cima e vinte e oito para baixo, adivinha de quem eram os bracinhos rebeldes? E decifre quem era o paspalhão que se chocava com o espelho da direita quando o grupo todo tinha rebolado coesamente para a esquerda??? Prêmio para o acertador!!

Não preciso dizer que excluí definitivamente a aeróbica da minha lista de atividades para esta e para as próximas trinta e duas encarnações. Aliás, eliminei a dança como forma de expressão. A menos que incluam, no rol de danças de salão, marchar ao som de uma banda marcial qualquer, assumo que sou incapaz de dançar!

Ritmo, definitivamente, não é o meu forte. E sei bem por que. Ritmo sempre está associado a uma certa regularidade, a repetição de um determinado padrão. Não consigo me repetir. E sem repetição, não há ritmo. Só é constante em mim aquilo que é involuntário. Meu coração bate sem que eu possa interferir.






terça-feira, 8 de março de 2011

Quase

Nem sei porque existe essa palavra. Se é quase, não é.

O sujeito se esforçou, estudou o ano todo, frequentou cursinho, deixou de sair nos finais de semana, o namorado se cansou de esperar que ele aparecesse (e o trocou por alguém mais disponível), fez dezenas de provas simuladas e foi confiante para o concurso. Quase passou! Ficou ali, ali, com o último classificado. Passou? Não. Não adianta quase ter chegado lá. Não passou, não passou. Ponto final.

Quase quebrou o recorde! Não quebrou. O bolo está quase pronto! Não está, não abra a porta do forno porque vai murchar! Ficou quase perfeito! Ficou perfeito não! Tem que caprichar mais, para chegar lá!

Quase morreu! Essa é ótima. Não morreu. Só isso. Está todo quebrado, caiu um braço, perfurou o pulmão. Mas não morreu. Tá aí. Todo capenga, mas vivo. E por acaso já se ouviu dizer que alguém quase sobreviveu? Não!! Se o cara morreu, morreu, fim.

Também usa-se muito o quase bom. Adoeci, minha filha, mas já estou quase bom. Quase como, cara pálida? Já dá para levantar da cama e ir pro trabalho? Dá não? Então não está bom.

Quase significa sempre um pouco menos, aproximadamente alguma coisa, mas não tanto quanto. Menos. Sempre menos.

Toda essa falação para lembrar de uma conversa com uma amiga que quase esqueceu o canalha com quem viveu por cinco ou seis anos.

O cara, durante este tempo todo, estava quase separado da mulher. Ele quase saiu definifitivamente de casa umas dez vezes, consideradas apenas aquelas que eu contei. E minha amiga bocó quase foi feliz com ele. Eles tinham quase um casamento. Havia uma quase rotina. Ele passava na casa dela quase todas as noites. Faziam sexo quase sempre satisfatório. Ele contava o quanto era infeliz no casamento e ela acreditava. Sempre. Até que em uma tarde chuvosa de domingo minha amiga encontrou acidentalmente com ele e sua esposa em um shopping center. Os dois estavam abraçados e aos beijos na saída do cinema. No maior clima de romance. Ela quase teve uma parada respiratória, mas tomou coragem (e ar ) para segui-los até o estacionamento. Lá presenciou, surpresa, seu quase marido abrir delicadamente a porta do carro para sua esposa como nunca havia feito para ela. Nunca. No dia seguinte, como espantosamente havia sobrevivido, decidiu acabar tudo.

Ela quase conseguiu. Ele inventou uma história sem pé nem cabeça e ela quase acreditou. Expulsou-o da sua casa e da sua vida para sempre. Ele chorou copiosamente, quase como se realmente a amasse. E jurou que desta vez deixaria a esposa para sempre. Bastou para que ela o aceitasse de volta. O divórcio não aconteceu imediatamente. Nem meses depois. Nem nos dois anos seguintes. Foi o quanto demorou para que ela percebesse que jamais haveria separação.

Bem, eles não se vêem já há algum tempo e ela me fala que quase conseguiu esquecê-lo. Quase? Não esqueceu. Dorme e acorda com o infame no pensamento! Mas dói demais reconhecer isso.

Então o quase é um sedativo para a dor. Filtra a rudeza da realidade. Torna o fracasso mais aceitável. É uma forma branda de lidar com o que não deu certo.


É melhor a incompletude de um quase do que a totalidade de... uma verdade?

segunda-feira, 7 de março de 2011

O teste do amor

Homo e heterossexuais, brancos, negros, inter-raciais, novos e velhos, modernos e tradicionais, enfim todos. Todos os casais mais ou menos duradouros passarão um dia pelo teste. Podem negar, negar e negar. Mas é fato. Haverá o dia em que, sem esperar, assim, do nada, acontecerá. Bastará o relacionamento estar minimamente estável, existir aquela sensação de segurança, de estar realmente à vontade ao lado de alguém e acontecerá. Poderá ser no sofá, durante uma sessão caseira de cinema, talvez descuidadadamente, um lavando e o outro secando a louça de um jantarzinho romântico, ou na cama quando, relaxados após uma noite magnífica de sexo selvagem, aguardam o sono chegar. Não importa quando nem onde. O fato é que ele virá. O primeiro pum!

Que horror! Que grosseria! Que desagradável falar sobre isso! Ok. Concordo. Mas é inevitável que isso aconteça. Podemos não falar sobre a morte. Mas morreremos. É fato. Podemos não falar sobre puns, mas... pois é. Vou me furtar de conjugar o verbo. Também tenho meus limites. Mas, acontecerá . E aí o príncipe vira um ogro? A princesinha delicada e fina se transforma em uma sapa (esposa do sapo, que seja esclarecido)? Nada disso. Neste momento ocorre a mágica do amor. Como o amor é lindo! Surpreso com o ruído (ou com o aroma) o jovem apaixonado olha para sua recém descoberta porquinha e fala: O que foi isso, amor? E ela: Foi um ratinho! E riem juntos, achando a maior graça naquele acidente orgânico eventual. Um ratinho! Que fofo! Um ratinho escapou!

Ora, ora, o que se passou foi a fuga de uma fétida ratazana do banhado, metamorfoseada em um mimoso roedor sob o filtro do amor. Achou o pum do outro engraçado? É amor. Se não for amor o que sentimos, soltar pum é falta de respeito. E nunca mais vamos querer sair com aquele porcalhão. Há amor? A gente ri quando ele pergunta, com ar maroto: O que foi isso, um urso? Quá, quá, quá!!! Ele soltou um estrondo daqueles e ainda faz uma cara de assustado e pergunta onde está o urso? Que lindo! Acreditem, leitores, isso é o mais puro e piegas sentimento que chamamos de amor...

Por isso considero o pum um certeiro teste. Serve para aferir a quantidade de amor no início, no meio e no final da relação. E não venha me dizer, qualquer um que tenha tido uma história com alguém, durante um certo período, que isso nunca aconteceu. Sim, estou invadindo uma esfera privadíssima. Isso é desconfortável, mas é real. Ou vai dizer que depois de dois anos morando com o cara vocês continuam correndo para um lugar reservado cada vez que um ventinho se insinua? Nem vocês nem os membros da famíia real britânica! Uma hora ou outra um pum escapa.

Isso pode acabar com o clima de romance. Claro! Então ninguém fica se soltando a torto e a direito. Mas quando acontece, se isso não é motivo para acabar com um casamento de 17 anos, então ainda existe amor.

Saliento aqui que este texto não pretende ser uma apologia do pum. Muito pelo contrário. Sou, aliás, avesso a essa prátca. Até porque o gás metano é um dos responsáveis pelo efeito estufa e não pretendo aumentar minha cota de responsabilidade pela degradação ambiental. De qualquer forma, o pum é uma realidade e serve para testar até onde determinada pessoa é importante para nós.

Pum sem amor é porquice! Com amor, é ursinho!

sábado, 5 de março de 2011

O ó do borogodó!

Fiz uma pequena pesquisa na Internet, só para me certificar de que meu entendimento estava certo. É mais um menos assim: borogodó é uma gíria bem velhinha, mais do que eu, que foi criada lá pelos anos 50 por um baian0 muito achado (e tem baiano que não é achado?). Ele era muito feio e atarracado, mas tinha a fama de pegar as vedetes mais bonitas. A explicação? Ele tinha borogodó. E borogodó está no dicionário com essa definição: atrativo físico muito peculiar, especialíssimo. Borogodó não é beleza. É algo mais. É um brilho, é um jeito, é uma coisa que torna a pessoa encantadora. Feinha ou feiona, se a pessoa é interessante para alguém, tem borogodó.

O fato é que temos que nos curvar a alguns borogodós alheios. E reconhecer que existem, mesmo que não saibamos qual é. Na esfera política nacional, temos dois bons exemplos. O prefeito aqui da praia, por exemplo, é borogodozudo que só. Olho, olho e não consigo ver nele o que aquela mulher lindíssima viu. Quem sabe de quem estou falando, há de concordar. E nosso vice-presidente também deve ter borogodó. Não percebo, mas deve ter.
Sargentelli (lembram daquele babão?) dizia que suas mulatas tinham borogodó. Mas aí todo mundo reconhecia. Mas borogodó não é algo unânime. Eu, por exemplo, acho que Marília Gabriela tem. Suzana Vieira, acho que tem de sobra. Chico Buarque tem. Lobão também tem. Concordam?
Mas, é o que dizer do ó? O ó do borogodó deveria ser o exato diferencial, não é? O crème de la crème do borogodó. Certo? Errado. Erradíssimo! Quando alguém fala que achou determinada coisa o ó do borogodó quer dizer que achou a tal coisa horrível, péssima, pavorosa.


Cumé? Também não compreendi. Mas é fato: o ó do borogodó é detestável. É o lado negro do borogodó. E ele pode ser chamado assim, simplesmente: o ó (com letra minúscula, para enfatizar a sua insignificância).

E eu diria mais. O ó do borogodó não é apenas a falta de algum tipo de atrativo. O ó é mais a falta de bom senso. É a falta de educação. É a grosseria. Aquelas pessoas que resolvem atender a uma chamada do celular durante uma reunião de trabalho são o ó. Aquelas que atendem na mesa do restaurante, ao lado da sua, e falam alto, para todo mundo escutar, são o óóóó. Aquelas que ouvem música alta na beira da praia, o óóóóóóó. Aquelas que furam a fila da padaria, óóóóóóóóóó.

Concluí, neste minuto: Quem é o ó não tem nenhum borogodó.