A menos que alguma força externa nos tire desse rumo, dessa sucessão de repetições, como uma promoção, uma demissão, uma desilusão amorosa, continua Luciano, ficaremos eternamente repetindo, repetindo, repetindo... A menos que consigamos produzir nossa própria motivação, abraçando uma causa, focando um objetivo, mudando deliberadamente nossa forma de estar no mundo.
Bem, já que a ideia é fazer coisas diferentes para obter resultados diferentes (sim, isso não é nada original) decidi mudar meu jeito de trabalhar. Como? Trabalhar menos? Mais? Não. Mudar o jeito, mesmo. Já falei em outras ocasiões que falo pelos cotovelos. Falo sobre o que eu estou fazendo, sobre o que eu estou pensando quando estou fazendo alguma coisa. Falo, falo, falo... sim, estou ciente de que muitas vezes meus colegas querem me defenestrar. Por isso resolvi, deliberadamente, de agora em diante, trabalhar calado. Só para ver no que dá. No estilo: uma ação isolada, aqui, gera um efeito surpreendente, acolá.
Dia 1: Entrei. Cumprimentei os presentes. Sentei. E, um a um, todos vieram falar comigo. Banalidades, coisas do trabalho, pedir ajuda com alguma planilha, fazer uma fofoquinha, sugerir uma pauta de reivindicações, solicitar a minha presença em uma reunião, mostrar um sapato novo, contar uma história engraçada, pedir que eu revisasse um texto... notei que não só eu falo prá caramba. Todos falam muito comigo também. E com alguém puxando conversa... a vaquinha amarela foi para o brejo!
Dia 2: Entrei. Não dei oi para ninguém. Me esgueirei até a minha mesa. Quando ia abrindo o micro para bater o ponto, um pequeno bando de colegas me cercou para aproveitar e usar a rede interna para fazer o mesmo. Se instaurou uma micro-média reunião informal em torno da minha mesa e alguém apareceu com um bolo de rolo (um bolo típico de Pernambuco) e lá se foi a determinação de ficar de bico fechado, goela abaixo, junto com o petisco e um café recém saído da copa.
Noite do segundo dia: Costumo dar uma repassada involuntária nos sucessos e insucessos que se sucederam sucessivamente durante o dia e avaliei que precisava ocupar a boca de outra forma. Muito bem. Em boca fechada não entra (e não sai) mosca. Facinho.
Dia 3: Levei um pote de sementes e frutas secas. Passas, damascos, amêndoas, castanhas de caju e do pará, pistache, essas coisitas. Frustração dupla. As pessoas foram atraídas pelas delícias e eu acabei falando, e o que é pior, de boca cheia.
Noite do terceiro dia: Lembrei de Paulo Freire e da práxis. Fazer, avaliar, corrigir, fazer, avaliar, corrigir. Se isso não é dele, é de alguém. Mas a ideia é boa. E lembrei de outra ideia genial, que eu não sei de quem é, mas que meu terapeuta falava sempre. Modelar. Ver o que dá certo com outra pessoa, o que funciona, e aplicar. Copiar, imitar. Usar a expertise, o know-how. E a imagem se materializou. A colega que usa fones de ouvido quando quer se desconectar!(Ou tirar férias da minha linda voz, pois senta na mesa em frente a minha). É isso. Preciso fones de ouvido. Mas fones de ouvido tem que estar conectados a alguma coisa que toque música. Devo esclarecer que meu aparelho de MP3 é tão xexelento que eu tenho vergonha dele. É verde-água. E tem cavalinhos multicores no display. Como alguém pode ser levado a sério com um MP3 verde-água com cavalinhos??? Bora comprar uma coisa mais decente.
Dia 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11: Passei papagaiando no trabalho, como sempre, e aguardando o entregador da Saraiva.com com ansiedade moderada. Meu MP4 estava a caminho.
Dia 12: Chegou meu brinquedo! Yupiiiiii!! Agora sim. Prevejo minha tão esperada mudança na forma de estar no mundo. Seriedade total no trabalho. Vou me desconectar com elegância. Mudo. Sério. Compenetrado. Abro a embalagem e já vou percebendo que não deveria ter economizado. Devia ter investido em alguma coisa da Apple. Mas esse também era bonitinho. E custou quatro vezes menos... Ué? Que teclas duras. E que menu mais sem lógica. E só está gravando a metade de cada CD, depois tranca e eu tenho que desligar o micro?? Não! Assim não pode. Assim não dá!
E essa borboleta pink no display? Quequeéisso???? Vou desconsiderar esse detalhe no meu novo equipamento de trabalho. Afinal, não será um inseto purpurinado que me fará desistir da minha tentativa de mudar. Aguarde, mundo do silêncio, aqui vamos nós. Sandrinha e eu! (Como quem é ela? A borboletinha!!! Mas é cada pergunta, vou te contar!!).