sexta-feira, 22 de abril de 2011

Yupiiiiii!!!

Acabo de ler um texto do Luciano Pires, sobre a inércia, que me estimulou a voltar a escrever. Concordo plenamente com ele quando afirma que a maior parte dos nossos dias é ocupada com repetições intermináveis dos dias anteriores. Acordamos do mesmo jeito, tomamos café com os mesmos ingredientes, vamos ao trabalho pelo mesmo caminho.... enfim, como na música Cotidiano, do Chico, " todo dia ela faz tudo sempre igual"...

A menos que alguma força externa nos tire desse rumo, dessa sucessão de repetições, como uma promoção, uma demissão, uma desilusão amorosa, continua Luciano, ficaremos eternamente repetindo, repetindo, repetindo... A menos que consigamos produzir nossa própria motivação, abraçando uma causa, focando um objetivo, mudando deliberadamente nossa forma de estar no mundo.



Bem, já que a ideia é fazer coisas diferentes para obter resultados diferentes (sim, isso não é nada original) decidi mudar meu jeito de trabalhar. Como? Trabalhar menos? Mais? Não. Mudar o jeito, mesmo. Já falei em outras ocasiões que falo pelos cotovelos. Falo sobre o que eu estou fazendo, sobre o que eu estou pensando quando estou fazendo alguma coisa. Falo, falo, falo... sim, estou ciente de que muitas vezes meus colegas querem me defenestrar. Por isso resolvi, deliberadamente, de agora em diante, trabalhar calado. Só para ver no que dá. No estilo: uma ação isolada, aqui, gera um efeito surpreendente, acolá.




Dia 1: Entrei. Cumprimentei os presentes. Sentei. E, um a um, todos vieram falar comigo. Banalidades, coisas do trabalho, pedir ajuda com alguma planilha, fazer uma fofoquinha, sugerir uma pauta de reivindicações, solicitar a minha presença em uma reunião, mostrar um sapato novo, contar uma história engraçada, pedir que eu revisasse um texto... notei que não só eu falo prá caramba. Todos falam muito comigo também. E com alguém puxando conversa... a vaquinha amarela foi para o brejo!



Dia 2: Entrei. Não dei oi para ninguém. Me esgueirei até a minha mesa. Quando ia abrindo o micro para bater o ponto, um pequeno bando de colegas me cercou para aproveitar e usar a rede interna para fazer o mesmo. Se instaurou uma micro-média reunião informal em torno da minha mesa e alguém apareceu com um bolo de rolo (um bolo típico de Pernambuco) e lá se foi a determinação de ficar de bico fechado, goela abaixo, junto com o petisco e um café recém saído da copa.



Noite do segundo dia: Costumo dar uma repassada involuntária nos sucessos e insucessos que se sucederam sucessivamente durante o dia e avaliei que precisava ocupar a boca de outra forma. Muito bem. Em boca fechada não entra (e não sai) mosca. Facinho.



Dia 3: Levei um pote de sementes e frutas secas. Passas, damascos, amêndoas, castanhas de caju e do pará, pistache, essas coisitas. Frustração dupla. As pessoas foram atraídas pelas delícias e eu acabei falando, e o que é pior, de boca cheia.



Noite do terceiro dia: Lembrei de Paulo Freire e da práxis. Fazer, avaliar, corrigir, fazer, avaliar, corrigir. Se isso não é dele, é de alguém. Mas a ideia é boa. E lembrei de outra ideia genial, que eu não sei de quem é, mas que meu terapeuta falava sempre. Modelar. Ver o que dá certo com outra pessoa, o que funciona, e aplicar. Copiar, imitar. Usar a expertise, o know-how. E a imagem se materializou. A colega que usa fones de ouvido quando quer se desconectar!(Ou tirar férias da minha linda voz, pois senta na mesa em frente a minha). É isso. Preciso fones de ouvido. Mas fones de ouvido tem que estar conectados a alguma coisa que toque música. Devo esclarecer que meu aparelho de MP3 é tão xexelento que eu tenho vergonha dele. É verde-água. E tem cavalinhos multicores no display. Como alguém pode ser levado a sério com um MP3 verde-água com cavalinhos??? Bora comprar uma coisa mais decente.



Dia 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11: Passei papagaiando no trabalho, como sempre, e aguardando o entregador da Saraiva.com com ansiedade moderada. Meu MP4 estava a caminho.



Dia 12: Chegou meu brinquedo! Yupiiiiii!! Agora sim. Prevejo minha tão esperada mudança na forma de estar no mundo. Seriedade total no trabalho. Vou me desconectar com elegância. Mudo. Sério. Compenetrado. Abro a embalagem e já vou percebendo que não deveria ter economizado. Devia ter investido em alguma coisa da Apple. Mas esse também era bonitinho. E custou quatro vezes menos... ? Que teclas duras. E que menu mais sem lógica. E só está gravando a metade de cada CD, depois tranca e eu tenho que desligar o micro?? Não! Assim não pode. Assim não dá!



E essa borboleta pink no display? Quequeéisso???? Vou desconsiderar esse detalhe no meu novo equipamento de trabalho. Afinal, não será um inseto purpurinado que me fará desistir da minha tentativa de mudar. Aguarde, mundo do silêncio, aqui vamos nós. Sandrinha e eu! (Como quem é ela? A borboletinha!!! Mas é cada pergunta, vou te contar!!).

sábado, 9 de abril de 2011

O X da questão

Eis que empaquei na letra xis. Muitos textos se insinuaram. Entretanto foram todos abortados. E, há pouco, me dei conta de que o xis é essencialmente uma encruzilhada. Um caminho cortado. No tarô se diria, do segundo tracinho: "Este o atravessa...". Pois é este caminho, que se impôs agora, que tomo sem culpa. Abandono aquele que me levaria ao cumprimento do meu propósito inicial. Salto do trem três estações antes do destino final. Adeus xis, ípsilon e zê. Sigo, rebelde, rumo ao... comunismo???



Pois sim. Ontem à noite despertei com um baita susto. Um trovão caiu no meu pátio! Talvez não tão perto, mas, a julgar pelo estrondo, imaginei que sim. Seguiram-se muitos outros, em uma tempestade que durou horas. Choveu ruidosamente e meu sono ficou comprometido. Como de hábito, costumo aproveitar estes momentos para ler. Assim a insônia é recebida com uma certa alegria. Como se eu fosse presenteado com algumas horas além das vinte e quatro regulamentares.



E foi assim que cheguei à página cento e vinte do livro "A Brincadeira", de Milan Kundera. Entre críticas ao totalitarismo do regime comunista (que conheceu de dentro, pois foi membro do partido) neste romance ele analisa, terrivelmente bem, alguns aspectos essenciais da alma e da natureza humanas. Especificamente nesta passagem que eu cito, ele fala da juventude. Compara os jovens a atores que representam papéis. Diz que a vida exige dos jovens comportamentos e posturas que eles, seres inacabados, são ainda incapazes de ter. Assim, se apropriam de formas e modelos que consideram adequados e interpretam personagens. Agarrando-se freneticamente a fórmulas e idéias decoradas, que compreenderam apenas pela metade, saem pela vida, como atores em um palco qualquer.



Não duvido que, no auge do comunismo, na Tcheco-Eslováquia, representar os papéis certos fosse extremamente importante para os jovens. Necessário, até. Disso dependia o destino de cada um dentro do partido. Ou fora dele. Mas... e o que dizer dos jovens capitalistas? Não representam igualmente? Ainda que diferentes papéis, são, a cada dia mais cedo, instados a agir como adultos. São atores mirins que escolhem os personagens que vão representar sem outro critério que não a imitação. Pequenos macaquinhos que se agitam diante da possibilidade de chamar a atenção para si. Se no comunismo a necessidade de demonstrar devoção e obediência cega ao partido era vista com naturalidade, o que dizer da forma mansa e pacífica com que os jovens hoje aceitam as noções de vencedor e perdedor impostas pelo nosso sistema? Tanto quanto no comunismo, eles se esforçam para serem iguais. Para serem parte do bando.



Mas no fundo, convenhamos, isso não sucede apenas com os jovens. Tomar emprestadas idéias alheias e mal compreendidas não é privilégio de quem viveu pouco tempo. Assumir posturas e comportamentos imitados é comum também a quem viveu pouco. Ainda que por muito tempo. Sem muito amar, sofrer, sorrir, se dar, se perder e se achar, perder, ganhar e tudo aquilo que é viver, não passamos de miquinhos. Amestrados para seguir sempre no caminho reto. No caminho certo. E sem coragem para descobrir as incógnitas que nos reservam todos os outros caminhos possíveis.



E voltamos à encruzilhada. Que é o xis da questão. Eu, sem querer, e com certa surpresa, percebo que desci na estação que tinha pensado saltar. Prova de que o destino, esse imenso dragão que nos espreita, existe, sim. E nos aguarda incansável, seja qual o for o caminho que optemos trilhar.