sábado, 9 de abril de 2011

O X da questão

Eis que empaquei na letra xis. Muitos textos se insinuaram. Entretanto foram todos abortados. E, há pouco, me dei conta de que o xis é essencialmente uma encruzilhada. Um caminho cortado. No tarô se diria, do segundo tracinho: "Este o atravessa...". Pois é este caminho, que se impôs agora, que tomo sem culpa. Abandono aquele que me levaria ao cumprimento do meu propósito inicial. Salto do trem três estações antes do destino final. Adeus xis, ípsilon e zê. Sigo, rebelde, rumo ao... comunismo???



Pois sim. Ontem à noite despertei com um baita susto. Um trovão caiu no meu pátio! Talvez não tão perto, mas, a julgar pelo estrondo, imaginei que sim. Seguiram-se muitos outros, em uma tempestade que durou horas. Choveu ruidosamente e meu sono ficou comprometido. Como de hábito, costumo aproveitar estes momentos para ler. Assim a insônia é recebida com uma certa alegria. Como se eu fosse presenteado com algumas horas além das vinte e quatro regulamentares.



E foi assim que cheguei à página cento e vinte do livro "A Brincadeira", de Milan Kundera. Entre críticas ao totalitarismo do regime comunista (que conheceu de dentro, pois foi membro do partido) neste romance ele analisa, terrivelmente bem, alguns aspectos essenciais da alma e da natureza humanas. Especificamente nesta passagem que eu cito, ele fala da juventude. Compara os jovens a atores que representam papéis. Diz que a vida exige dos jovens comportamentos e posturas que eles, seres inacabados, são ainda incapazes de ter. Assim, se apropriam de formas e modelos que consideram adequados e interpretam personagens. Agarrando-se freneticamente a fórmulas e idéias decoradas, que compreenderam apenas pela metade, saem pela vida, como atores em um palco qualquer.



Não duvido que, no auge do comunismo, na Tcheco-Eslováquia, representar os papéis certos fosse extremamente importante para os jovens. Necessário, até. Disso dependia o destino de cada um dentro do partido. Ou fora dele. Mas... e o que dizer dos jovens capitalistas? Não representam igualmente? Ainda que diferentes papéis, são, a cada dia mais cedo, instados a agir como adultos. São atores mirins que escolhem os personagens que vão representar sem outro critério que não a imitação. Pequenos macaquinhos que se agitam diante da possibilidade de chamar a atenção para si. Se no comunismo a necessidade de demonstrar devoção e obediência cega ao partido era vista com naturalidade, o que dizer da forma mansa e pacífica com que os jovens hoje aceitam as noções de vencedor e perdedor impostas pelo nosso sistema? Tanto quanto no comunismo, eles se esforçam para serem iguais. Para serem parte do bando.



Mas no fundo, convenhamos, isso não sucede apenas com os jovens. Tomar emprestadas idéias alheias e mal compreendidas não é privilégio de quem viveu pouco tempo. Assumir posturas e comportamentos imitados é comum também a quem viveu pouco. Ainda que por muito tempo. Sem muito amar, sofrer, sorrir, se dar, se perder e se achar, perder, ganhar e tudo aquilo que é viver, não passamos de miquinhos. Amestrados para seguir sempre no caminho reto. No caminho certo. E sem coragem para descobrir as incógnitas que nos reservam todos os outros caminhos possíveis.



E voltamos à encruzilhada. Que é o xis da questão. Eu, sem querer, e com certa surpresa, percebo que desci na estação que tinha pensado saltar. Prova de que o destino, esse imenso dragão que nos espreita, existe, sim. E nos aguarda incansável, seja qual o for o caminho que optemos trilhar.

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