terça-feira, 23 de novembro de 2010

Hoje eu quero chorar...

E quem foi que disse que homem não chora? Ou que precisa de um bom motivo para chorar? Pois hoje, do nada, bateu um não sei quê de nostalgia, melancolia, saudade... assim, sem ter por que.

E quando dá essas coisas estranhas visito A Casa de Rubem Alves, onde encontro de tudo. O que quer que eu queira sentir encontra eco em algum texto, alguma crônica nova ou antiga dele.

No comum das vezes, para chorar, gosto de ler a história O Menino e a Borboleta Encantada. Mas hoje encontrei uma nova, O Jardineiro e a Fräulein. Muito comovente. Diz ele (Rubem) que é uma história real. Ainda maior a razão para chorar. Como em Razão e Sensibilidade, a situação vivida pela Emma Thompson e pelo Hugh Grant em que ela entende tudo errado, acha que ele está comprometido e decide esquecê-lo. Ambos sofrem em silêncio. Desnecessariamente. Impossível não chorar.

A verdade é que a idéia de separação sempre me atordoa um pouco. Quando a separação é definitiva, então... mas o que mais acaba comigo é aquele momento imediatamente anterior, em que se compreende e aceita a separação (ou a morte) como algo inevitável. Foi por isso que eu comecei a sentir aquela coisa esquisita embolando na garganta há pouco, ao tentar tocar no violão a música Veterano, do Leopoldo Rassier. A percepção de que o fim (ou a passagem) se aproxima e que não há nada a fazer a não ser enfrentar o momento de cabeça erguida, é muito comovente.

Sim, estou ciente de que este texto está um tanto desconexo. Mas talvez faça algum sentido para quem conhece os textos, o filme e a música.

De qualquer forma, hoje não estou para escrever. Estou para chorar rios. E, quer saber, vou reler a história do menino e da borboleta!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Pilates para o cérebro

Recebi, ontem, um e-mail com esse título e me interessei. Ocorre que comecei a fazer pilates há duas semanas, para sair do meu estado polenta, e acho que está surtindo alguns espantosos resultados. Pois se pilates para um corpo decadente parece funcionar, por que não aplicar a técnica a um cérebro já não tão ágil?

Abri a tal mensagem eletrônica e já fui percebendo que me enquadrava no grupo que carece deste tipo de exercício. Eram citadas algumas situações que já se tornaram corriqueiras para mim.

Situação 1: Vou comentar com alguém um filme ótimo que é com aquele ator, sabe, aquele, que fez aquele outro filme, que é filho daquele bem famosão, que casou com aquela, linda, morena, que fez acho que foi... Zorro! E o interlocutor fazendo sinal de que sim, sabe, mas não lembra porcaria nenhuma.

Situação 2: Acordo e saio com a maior pressa do mundo para o trabalho e quando fecha o portão eletrônico não lembro mais se eu tranquei ou não a porta de casa com chave. Volto só para perceber que estava tudo ok.

Situação 3: Procuro meus óculos de leitura por todos os cantos, reviro a casa, prometo a Santo Antoninho dar três pulinhos se encontrar e, quando desisto, percebo que estavam o tempo todo pendurados na gola da camisa...

Sim, me enquadro em todas as situações e decido que pilates para o cérebro é tudo o que eu mais preciso neste momento sombrio de transição da velhice iniciante para a velhice nível intermediário.

Vamos às sugestões de exercícios:

Exercício 1: Fazer o maior número possível de atividades diárias com a mão não dominante. E lá vou eu escovar os dentes com a esquerda, abrir portas com a esquerda, até escrever algumas poucas palavras. Facinho. Comparando com um exercício normal, considerei um polichinelo cerebral.

Exercício 2: Fazer coisas comuns com os olhos fechados, estimulando os outros sentidos. Muito bem. Banho com os olhos fechados. Complicou um pouco. Passei o condicionador antes do shampoo. Percebi quando senti a textura cremosinha. Mas localizei com certa facilidade torneiras, saboneteira, e foi mais divertido. Equivelente a alguns abdominais mais elaborados.

Exercício 3: Trocar algumas coisas de lugar, como a lixeira da cozinha, por exemplo. O objetivo desse é evitar automatismos. Muito interessante. Fui pelo menos oito vezes colocar o lixo no lugar errado até que o cérebro se recondicionou com o novo lugar. Dá para comparar com aquele movimento que a gente faz girando uma mão em torno do umbigo e batendo a outra na cabeça, lembram? Complicadinho. Mas depois que se pega o jeito, não tem mais graça.

Então hoje de manhã decidi implementar algumas melhorias no tal pilates sugerido. Decidi guardar coisas usadas não tão diariamente assim, em lugares diferentes.

Resultado: Guardei algumas coisas que não lembro mais o que são em algum lugar que não lembro mais onde fica!

Quem foi o bocó que inventou esse tal pilates para o cérebro?

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dois e noventa e nove...

Estava hoje passando no caixa do supermercado aqui perto de casa quando a operadora perguntou com cara de poucos amigos se eu ainda não tinha adquirido uma sacola de náilon.

Uma sacola de náilon? Perguntei eu. E minha voz interior: Cumé? Ao que ela respondeu: Uma dessas, de dois e noventa e nove, para não precisar mais usar tantas sacolinhas plásticas, que acabam com o meio ambiente. E deu uma ênfase no taaaantas, olhando para as compras que eu me preparava para embalar.

A sensação que tive foi de que todas as ecatombes ambientais estivessem acontecendoo por minha única, completa e máxima culpa. Pensei nas tartarugas marinhas morrendo sufocadas com o plástico, nas bocas de lobo entupidas, nas enchentes, nos lixões com material que ficará anos e anos sem uma decomposição adequada, nas baleias (baleias?). Olhei ao redor conjecturando se os outros clientes estavam de alguma forma revoltados com meu comportamento, mas percebi que todos embalavam suas compras com as terríveis sacolinhas. Ufa!

Reconfortado pela responsabilidade compartilhada respondi à moça que se o estabelecimento me desse a opção de embalar minhas compras com uma sacola de papel eu não faria qualquer oposição. Pelo contrário. Afinal não era assim há algum tempo? Pelo olhar que ela me deu, obviamente não no tempo dela. Esqueci que só nós, homens das cavernas, sabemos o que é saco do supermercado! Esclareci que se tratava de um saco, sem alças, não uma sacola, de papel pardo, no mais das vezes duplo, que se enchia com os produtos adquiridos e que era transportado no braço - e fiz assim, com o braço redondo.

Se eu tivesse feito um gesto de bater as asas a moça teria reagido mais naturalmente! Arregalou os olhos com uma sem cerimônia que me constrangeu. Mímica nunca foi minha especialidade e, fora descascar uma banana imaginária, poucas outras vezes a compreensão foi imediata, reconheço, mas o formato de "segurando um saco de supermercado com o braço" pareceu-me fácil de entender. Não foi. Soltei a carteira e fiz o gesto com os dois braços. Acho que piorou, pois ela baixou os olhos e falou que a sacola de náilon era muito resistente e custava só dois e noventa e nove.

Não me dei por vencido. O argumento pré-histórico de voltar aos sacos de papel não colou? Pois há outro motivo para que eu não compre a sacola de náilon resistente de dois e noventa e nove com motivos de maracujá, de melão, de arroz ou de alcachofra: Se não levar estas sacolinhas, onde vou colocar o lixo? Vou ter que comprar sacos plásticos! E aí incido novamente no crime ambiental. E ainda com a pecha de consumista! Esta desculpa ela pareceu aceitar com uma certa circunspecção. Pois é. E o lixo?

Enteguei a ela o cartão e enquanto a máquina processava o pagamento enchi até quase estourar cada uma das sacolinhas que ela delicadamente já tinha deixado abertas (durante toda a nossa conversa eu estava tentanto, sem sucesso, descolar os lados de uma única sacola). Sobraram quatro, que eu empurrei na sua direção com um certo orgulho por estar fazendo a minha parte pela preservação do planeta. Ela nem ligou. Tudo bem.

Em casa, ao retirar as compras do porta malas do carro, uma das sacolinhas que não era de náilon super resistente, e que custa a módica quantia de dois e noventa e nove, não suportou o excesso de peso e explodiu. A garrafa da água sanítária quicou no chão, se partiu, enxarcou a rúcula e manchou a barra da minha calça jeans predileta. A caixa de massa ficou desfigurada, mas sobreviveu. Os mamões que não viraram papa sofreram sérios esmagamentos. Os fósforos morreram por afogamento. Os pepinos foram lançados contra a parede quando o vidro se espatifou. A lata de leite condensado amassou no canto, coisa pouca. Só a esponja saiu ilesa.

Sim, eu sei! Isso tudo não deveria estar em uma só sacola! Siiiiiiiiiim. Não quero ouvir mais nem um pio!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

All we need is love

Tudo o que precisamos é amor. Pois foi o que vi nas três peças de teatro que deu tempo de assistir no Rio. Se no atual cenário político nacional tudo acaba em pizza, nessas três historinhas tão diferentes tudo acaba no desejo de ter alguém.

Em Pterodáctilos o Marco Nanini encarna a personagem de Ema, uma adolescente rica que se apaixona por um rapaz pobre e o leva para casa, onde é trasformado em empregada pela mãe dela, que é alcoólatra. É um drama de uma família que está se extinguindo (por isso a referência ao dinossauro) tratado com um humor ácido, que provoca desconforto, tanto quanto o chão do cenário que se movimenta e se desfaz. Completa a tragédia o retorno do irmão de Ema que está com AIDS e com quem o namorado dela acaba se envolvendo. Tudo o que Ema quer é o amor que nunca teve do pai, ocupadíssimo em enriquecer, da mãe, às voltas com a bebida e futilidades, das pessoas que a desprezam por ser gorda e desajeitada e que tampouco terá do namorado, que se apaixonou por seu irmão.

Em Maria do Caritó Lilia Cabral interpreta, adivinha? Maria do Caritó, uma muher à beira dos cinquenta anos que passou a vida fazendo todo o tipo de promessas e simpatias infrutíferas a Santo Antônio. Seu pai a faz crer que a mãe morreu ao dar-lhe à luz e que para que ela, Maria, não fosse pelo mesmo caminho, a deu em noivado a São Djalminha, razão pela qual ela teria alguns poderes sobrenaturais que encantam os crédulos no sertão. Mas noiva de santo não pode casar e Maria sofre por se ver envelhecendo sem ter alguém. A comédia é engraçadíssima, mas o drama de não amar e não ser amado não tem graça nenhuma.

A última, talvez a mais estranha e que provoca mais reflexão, é a montagem nacional de um musical off-broadway que se prepara para ser encenado na Broadway. Trata-se de Hedwig e o Centímetro Enfurecido, com Paulo Vilhena e Pierre Baitelli. Olha que história maluca: Um gayzinho chamado Hansel (estamos na Alemanha Oriental) que adora rock conhece um militar americano. Esse militar promete levá-lo aos EUA desde que ele se submeta a uma operação de troca de sexo. Ele topa e muda o nome para Hedwig (para poder usar o passaporte da sua mãe). Mas a operação dá errado, o corte fecha e Hedwig fica com um centímetro apenas de pênis. Pensa que horror! Mas a tragédia continua. Nos EUA ele(a) é abandonado(a) pelo militar. Previsível, não? Então ele(a) começa a trabalhar com música e conhece um carinha chamado Tommy, por quem se apaixona e com quem passa a dividir o palco. Tommy vira um cantor de sucesso, mas não consegue conviver com a aberração que é Hedwig e o(a) abandona, roubando suas músicas. Hedwig então passa a segui-lo onde quer que ele se apresente, na esperança de que Tommy um dia lhe agradeça. Tudo o que Hedwig quer é o amor de Tommy.

Sim, resumi desgraçadamente as três peças, mas o que eu queria dizer, e disse, é que a maioria dos dramas humanos se resume a isso. Tudo o que precisamos é amor. Não importa sermos convencionais ou alternativos, endinheirados ou duros, inteligentes ou babacas, no fundo é isso o que todos queremos: amor.

E sempre há um chinelo velho para um pé torto? Não acredito em metade da laranja. Prefiro pensar que sou uma laranja completa. Acredito em côncavo e convexo(não estou com isso declarando preferir Roberto Carlos a Fábio Júnior, por favor!!!). E compreendo a necessidade de viver um grande amor (aí vem Vinicius...). Mas não vai encontrar o pires que a completa a xícara que se considera um jarro!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Maravilhosa

Bem, mais cedo ou mais tarde sempre acabaremos conhecendo o Rio de Janeiro. Taí um destino que nunca me seduziu. Mas quis a vida, e a promoção de milhas Smiles, que eu visse com meus próprios olhos esse magnífico feito da natureza.

Uau! A cidade é realmente maravilhosa! É tudo aquilo que falam e talvez um pouco mais. As cinco noites que passei lá tiveram o condão de desfazer toda a equivocada idéia que eu tinha a respeito desse lugar privilegiadíssimo do planeta.

Fiquei hospedado em Ipanema e dividi com meu companheiro de viagem o prazer de andar de bunda mole pelo Leblon e pelo centro, de tomar um metrô e depois um ônibus até o Pão de Açúcar, andar no famoso bondinho (que é na verdade um teleférico), subir de trenzinho ao Corcovado (que na verdade é um bonde elétrico), pegar o bondinho até o Bairro de Santa Tereza (esse é mesmo um bonde), enfim, usar quase todos os meios de transportes terrestres conhecidos...

No mix de turismo padrão, botecagem nos barzinhos de Ipanema, caminhada na lagoa (linda e agora despoluída), passagens pelas confeitarias, caindo sem culpa em diversas tentações, houve tempo para ver três peças de teatro, todas no Shopping da Gávea: Pterodáctilos, Maria do Caritó e Hedwig. Nas próximas postagens comentarei um pouco de cada uma delas que são extremamente diferentes e, apesar disso, muito parecidas.

Nesse shopping vimos vários atores globais e, como manda a etiqueta, fizemos de conta que não era nada fora do comum. Mas com o rabo do olho deu para constatar que Tayla Ayala e Camila Pitanga são lindas! Uma pele perfeita. Duas peles, no caso. Reynaldo Gianecchini é menor do que parece, mas é lindo de qualquer tamanho! Ofuscou o amigo que vinha atrás dele. Arnaldo Jabor é bem altão.

Gostei também das pessoas, do atendimento, da Visconde de Pirajá sem fios elétricos aparentes, da vaca colorida, das lojinhas de iogurte gelado, das calçadas de pedra portuguesa formando diversos desenhos, da Urca, do museu de azulejos (que tem os azulejos do meu banheiro almodóvar para reposição), das lojas de rua que ficam abertas até as oito da noite, até da pizza deliciosa que entregaram em dez minutos no hotel no dia em que meu companheiro ficou doente e não pudemos sair para jantar.

Enfim, uma viagem banal que eu resisti tanto a fazer e que se revelou excelente. Curioso como quando não temos quaisquer expectativas normalmente somos supreendidos, não é? Pois o Rio me supreendeu. Positivamente. Conheci, nesses seis dias, uma pontinha do iceberg carioca. Há bons motivos para voltar à cidade maravilhosa.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Preenchimento de Alma

E minha colega que passou dos trinta fala para a que passou dos quarenta: Tenho que te levar para minha dermato. Estás precisando fazer um preenchimento nestes sulquinhos que tens ao redor da boca. E a quarentona, que tem um bigode chinês de fazer inveja a muito mandarim, responde que não se atreve: Vai que fica pior do que já está?

A essa altura do campeonato meus leitores, queridos, já devem ter concluído qual é a minha orientação, não é? Não quero nem vou negar o que gosto. Mas o universo feminino tem lá suas peculiaridades que também são capazes de me atrair. E essas discussões que nunca levam a um consenso eu adoro. Fazer ou não fazer plástica? Tomar sol ou não? Pintar o cabelo? Cortar? Usar maquiagem?

Futilidades? Claro que sim. Mas atire a primeira escova aquela que acorda, se olha no espelho com um cabelo de Vanessa da Mata e pensa na paz mundial! Me poupe!

E conviver com estas coleguitas me proporciona momentos inenarráveis de deleite. Inenarráveis não, pois já vou relatar uma dessas conversinhas, que foi contada pela colega de vinte e poucos às demais, uma verdadeira tragédia em nome da beleza: conta ela que a esposa do cunhado do namorado foi fazer uma lipoescultura e morreu. A defunta já tinha, em outras ocasiões, colocado silicone nos seios, dado uma ajeitada no rosto e finalmente resolveu tirar gorduras de algum canto para implementar a retaguarda. Pretendia sair da clínica calipígia e saiu ... morta.

Que horror! Não era para ser uma crônica fúnebre, mas acabou tomando um rumo inesperado, sorry! Mas para a tal esposa do cunhado do namorado tampouco a idéia era que a cirurgia aumentadora de bunda acabasse assim.

Menos trágico o caso da tia da sogra de uma amiga minha, que foi fazer um preenchimento nos lábios e eles ficaram tão revirados que ela não conseguia mais tomar sopa nem chupar um canudinho. Não bateu as botas, mas morre de vergonha. Olha a morte passando por aqui outra vez. E uma senhorinha que eu não conheço mas o Sr. P. me contou que fez três intervenções nos olhos e que, na úlitma, um olho não fecha mais direito (nem para dormir) e ela tem que ficar usando eternamente um colírio para preservar a umidade do olho! Deve ter ficado meio japa, a véia!

Mas voltando à vaca fria, o tal preenchimento numa senhora de quarenta e lá vai pedrada, é mesmo um risco. Espichar as bochechas prá que? Para parecer mais jovem? Parecer mais jovem prá que? Para que as pessoas gostem mais dela? Para atrair parceiros do sexo oposto com fins reprodutivos? Para se sentir mais bonita?

Pensemos: o relógio biológico já badalou demais para essa gurizada! O corpitcho já deu o que tinha que dar, maternidade está fora de questão, portanto só interessam parceiros do sexo oposto sem fins reprodutivos, helloô! E as pessoas não vão parar de gostar delas por perceberem que estão envelhecendo.

Pele enrugada é horrível, concordo. Mas é uma questão de mudar o ponto de vista. De fora para dentro para de dentro para fora. Então bora fazer preenchimento de alma, que essa sim atrai de verdade.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Shake e Cilício?

Sim, shake (ou xeique, na língua pátria) e cilício. Ambos são usados para mortificar o corpo, para expirar alguma culpa. Ambos são ineficientes. Ineficazes. Bobos.
Mais ou menos como dar uma moedinha para o guri no semáforo. Não vai resolver o problema dele, mas faz o doador sentir-se uma pessoa boníssima.

Aí vai o gorducho trocar uma refeição, de preferência o almoço, por um shake. Horrível. Mas que ele jura que é uma delícia. Por quê? Para ficar em dia com sua consciência, para fingir para si mesmo que está se cuidando. Para não ter que fazer a conta básica de mais e menos que é essencial: comeu mais, tem que gastar mais. Tem que se exercitar, tem que caminhar, tem que fazer alguma atividade física que vai além de levantar o copo de shake. Se não vai gastar, tem que comer menos. Menos açúcar, menos carboidratos, menos cerveja... Não consegue fazer nem uma coisa nem outra? Então aceite o corpinho fora do padrão que alguém inventou. Apenas procure se manter saudável. E coma coisas deliciosas!

Ainda assim não está dando certo? Ok, então tente o cilício. Para quem não leu o livro do Dan Brown, O Código Da Vinci, cilício é uma espécie de cinto feito de um material que machuca a pele, que o sujeito usa como uma forma de sacrificio pessoal. No livro um monge albino, que provocava arrepios, usava o cilício em volta da coxa e de vez em quando dava uma apertada, para sentir uma dorzinha mais forte, garantindo assim punição suficiente para quasiquer faltas que eventualmente tivesse cometido ou viesse a cometer. Deu vontade de comer um bolo enorme de chocolate? Aperte o cinto de cilício! Pensou em morangos com chantily? Cilício no corpitcho! Não pensou em nada, mas sabe que vai dar preguiça de caminhar amanhã de manhã? Tome cilício outra vez. Ao final de um mês e com algumas cicatrizes a mais (por isso recomendo o uso do instrumento de auto-flagelação em um lugar discreto do seu corpo) é muito mais provável que você estabeleça uma relação proveitosa com a balança do que tomando shake. Com a vantagem de que você pode oferecer esse sacrifício a algum santo, em troca de um benfício qualquer, matando assim dois coelhos com uma única cajadada.

Se os argmentos acima não foram suficientes, acrescento outro: reza uma lenda que as pessoas que vendem o tal shake milagroso não tem interesse na autonomia alimentar dos seus clientes. A última coisa que eles querem, é que o fofinho emagreça para sempre e siga sua vida desfrutando dos prazeres da boa mesa e longe da saborosa gororoba (argh!). Por isso é que tratam de criar uma atmosfera mística em torno dos adeptos do produto. E eu garanto: reconhecer que é uma porcaria almoçar uma coisa que não precisa ser mastigada não é um desvio de conduta. E revelo: Ninguém gosta, viu? Só não tem coragem de ser o primero a admitir.

Será de bom tom confessar que nunca tomei shake, tampouco usei cilício?

domingo, 29 de agosto de 2010

A ética do xixi

Terminei meu último post falando em dilemas éticos. Pois bem, para abordar esta questão, temos que antes nivelar um conceito que era polêmico até entre os filósofos gregos, lá no tempo de Platão, Aristóteles, Epicuro...

Acho mais fácil dizer o que não é ética: não é lei e não é moral. É outra coisa, que anda bem pertinho de ambas o que, em alguns casos, pode levar a uma compreensível confusão.

Leis são feitas por homens, com o explícito propósito de organizar a vida em sociedade. Leis significam que escreveu não leu... E elas mudam. Porque a sociedade evolui, porque mudam as necessidades humanas, porque mudam os interesses de quem as faz. Até ontem casamento era para sempre. Hoje é um contrato facílimo de desfazer (estou falando no aspecto legal, claro).

A moral é mais ampla do que a lei. Também é um conjunto de regras de convivência, só que ditadas pelos costumes e que em tese, repito, em tese, não vem de fora. É imposta por um dever de consciência e não pode ser cobrada por ninguém. Estas regras também mudam, porque a sociedade evolui, porque mudam as necessidades humanas, porque mudam os interesses daqueles que detém de alguma forma o poder de inculcar nas mentes dos seus semelhentes, os conceitos de certo e errado a exemplo das igrejas. O sexo por prazer não é proibido por lei mas para alguns indivíduos não é moralmente permitido (pobres deles). Dá para ver que a moral, assim como a lei, é para quem não pensa. Não reflete. Só executa.

A ética está um degrau acima. É para quem pensa. Ser ético ou agir com ética exige reflexão. Também tem a ver com a vida em sociedade. Mas quem não agir de forma ética não vai, necessáriamente preso ou para o inferno. Aliás, viver sem ética pode até ser bem vantajoso.

Não preciso dizer que estes conceitos estão resumidíssimos, mas não vou me estender pois vou acabar falando besteira. Os especialistas de plantão (e sei que há pelo menos um entre meus leitores) que me corrijam se o caso a seguir relatado não é uma fiel demonstração de ética:

Na empresa onde trabalho, há um banheiro mais reservado, lá no cantinho, onde há um único vaso sanitário. Noutro dia estava quase tocando a maçaneta da porta quando ela se abriu. Saiu de lá minha colega, S.. Trocamos amabilidades e entrei. Como todos sabemos, as mulheres, quando vão ao banheiro, seja qual das duas atividades decidam realizar, ao final usam sempre papel higiênico. Fato. Conclui e olhei para o nicho do papel e lá estava um rolo. Novinho. Intacto. Com aquela colinha que demonstra tratar-se de um rolo virgem. Que lindo! A prova de que S. usara o rolo anterior até o final e, ao invés de deixar aquele cilindro de papelão como armadilha para o próximo usuário, repusera o papel. A ética do xixi. Quiçá do cocô. Provavelmente nunca saberemos. Mas ética. Nenhuma lei a obrigava a fazer isso. Tampouco uma moral judaico-cristã a faria temer arder eternamente ao lado do também S.. Aquele foi um comportamento ético.

E a ética pode mudar de um momento para o outro? De um grupo social para outro? Claro que sim! Porque a sociedade muda, porque as necessidades humanas mudam, mas não porque uns políticos escasquetaram de penalizar ou descriminalizar determinado comportamento, nem porque os padres,pastores, bispos e o escambau tem novas necessidades financeiras ou de poder.

Para estar sempre eticamente em dia, acho que a melhor forma é agir com os outros como gostaríamos que os outros agissem conosco. Isso funciona independente do credo, cor, extrato social: Eu gostaria de descobrir, ao fim de tudo, que não tem papel higiênico? Não! Isso nunca!! Então vou colocar um rolo novinho para quem chegar!

E agir sempre de forma ética é bom? Vejamos... bom para quem? Aí já é outra história.
Mas e o dilema ético? Esqueci! Fica para a próxima.

sábado, 21 de agosto de 2010

Verdadeiro, bom e útil

Há muitos anos li, não lembro onde, uma historinha de um Mestre Zen (seja lá o que isso signifique) que falava para seu pupilo guardar o silêncio. Só deveria falar se aquilo que tivesse a dizer passasse antes por três filtros: O da verdade, o da bondade e o da utilidade. Tem certeza de que é verdadeiro? Não? Então não fale, pois espalhará a mentira. Se tem certeza de que é verdade o que vai ser dito, pergunte-se: É algo bom? Se não for bom, mesmo que verdadeiro, não fale. Mas se for verdadeiro e bom, antes de quebrar o silêncio, ainda se pergunte: Será, essa informação, de alguma forma útil?

Pois em função do filme do qual falei no texto anterior, lembrei desses filtros. As pessoas, ainda que falem somente a verdade, não precisam dizer certas coisas. Quer por não serem coisas boas quer por não serem úteis.

Imaginemos que, num passe de mágica, esses filtros fossem instalados em todas as pessoas. Como num programa de computador, automaticamente, tudo o que fôssemos dizer seria verificado e só sairiam as palavras que tivessem recebido sim para os três quesitos. Que silêncio tomaria conta do mundo! Haveria uma pandemia de mudez seletiva.

Pensa só: Oi, tudo bem? Tudo bom. Após a filtragem ia ficar asim: Oi. Oi.

Oi, tudo bem?
Mentira: Você está pouco se lixando para essa sua vizinha mal-humorada, que errou feio no make up. Por que vai perguntar se está tudo bem?

Tudo bom.
Mentira! A verdade é que ela está com uma cólica daquelas, não dormiu a noite toda, está se sentindo horrível porque não conseguiu disfarçar as olheiras profundas nem com dois quilos de maquiagem e tem uma reunião chata daqui a pouco. Não está nada bem.

E quando ela chegasse no trabalho não ia falar para a colega ao lado: Menina, passei uma noite péssima, mal dormi de tantas cólicas. Não ia dizer nada, pois é verdadeiro, mas não é bom. Tampouco útil. Nem a colega ia contar que adotou um gato de rua ontem. É verdadeiro e bom. Mas cadê a utilidade de contar isso? Iam se olhar e sorrir. Silêncio.

Mas isso pode ser bom? Já que não há um microchip com esse programa (pelo menos não que eu saiba) tento, vez por outra, aplicar de forma deliberada estes filtros politicamente corretos ao meu falar. No mais das vezes, depois que já saiu, percebo que infringi uma, duas ou três regras. Complicado pensar antes. Mas, quando consigo, acabo em dúvida: se é verdadeiro e divertido, pode ser considerado bom e útil?

É um dilema ético. Mas dilemas éticos ficam para o próximo texto.

A invenção da mentira

Assisti ontem a um filme com o seguinte título em português: O primeiro mentiroso. O argumento é muito interessante. Em um mundo onde não existe ainda a mentira, onde todos confiam em tudo o que é dito por qualquer um, uma pessoa fala uma coisa (como ele inicialmente define, já que não exise a palavra mentira) que não é.

Mentira é mesmo isso: falar uma coisa que não é.

E é hilária a forma trágica como as pessoas dizem as coisas mais verdadeiramente horríveis umas para as outras, e ninguém se magoa, pois sabe que não é maldade, é apenas verdade.

Na nossa sociedade seria impensável a bonitona que abre a porta para o gordinho, com quem marcou um jantar, dizer: Fiquei muito desapontada com a sua aparência! Ou a colega de trabalho, ao ver a foto do filhinho da outra dizer: Mas como ele é feinho! E essas orelhas de abano! Que triste. A verdade é que provavelmente elas pensariam isso. Mas jamais ousariam cometer tais grosserias. A verdade traz consigo uma dureza que pode machucar.

O filme apresenta situações muito comuns no dia-a-dia e é impossível não se identificar com algumas.

Mas o mais interessante é quando ele aborda o cinema. Não tinha ainda pensado, mas o cinema é mentira por excelência. E a literatura também. De modo geral, todos os romances, livros, filmes, falam de algo que, como diria o protagonista, não é. São histórias inventadas. Ficção. Coisas que não existem. Claro, temos os documentários, que falam de coisas que são. E que normalmente provocam algum tipo de desconforto, justamente por esfregarem de forma desagradável a realidade no nosso nariz.

Tive um colega na faculdade de Direito, o Homero, que se recusava a ir ao cinema porque era levado, dizia ele, a se emocionar com uma coisa que não era real. Sofria ou se alegrava por um motivo inventado. E se recusava a tristeza ou felicidade que não fossem autênticas. Eu achava aquilo o ò. Cara mais esquisito! Justamente o bom do cinema é isso, experimentar emoções alheias.

Na terra do filme em questão, cinema se resumia a contar da melhor forma possível, a história da civilização. O que realmente aconteceu um dia. E nada de algo baseado em fatos reais. Não. Sem mentir, só dá para falar dos realíssimos fatos. Coisa mais sem graça.

Entre outros aspectos, também fala de Deus, das crenças. Como acreditar em uma vida após a morte se não dá para inventar nada? Se ninguém cogita, se ninguém duvida, se ninguém questiona?

Enfim, vale a pena conferir. E depois fazer uma pequena discussão que, na falta de um parceiro cinéfilo, pode ser até mesmo entre o Tico e o Teco: em um mundo sem mentira, seríamos mais felizes?

domingo, 25 de julho de 2010

Preconceito Padrão

Estava, sexta-feira, em um mini-engarrafamento que sempre se forma diante do primeiro semáforo no caminho entre trabalho e casa, portanto com aquele ótimo humor de quem já iniciou o final de semana e escuto, muito claramente, pois a dupla estava a pouco mais de um metro de mim:
- E então, abandonou a chapinha?
- Sim, decidi assumir os cachos, como a Taís Araújo!
- Ficou ótimo!

Normalmente não seria o caso de eu dar atenção, mas como eram duas vozes masculinas... olhei. Sim, eram duas bibas. Uma ruivinha, branca que só, de cabelo bem curtinho, até me lembou o Elton John, e a outra, a Taís Araújo cover, um homem que, se eu fosse mulher, diria: - Que desperdício!!! Um mulato alto, elegante, com um sorriso de comercial de pasta de dente. Não de Even, aí seria exagero, mas um chocolate ao leite de respeito. Com uns cachos realmente lindos.

Foi quando eu pensei na cor dele, mulato claro, moreno escuro, sei lá, mais moreno que o Marcos Palmeira... ué, de onde eu tirei essa comparação? De minutos atrás, quando eu, assim como todos os meus milhares de colegas no Brasil inteiro, recebi a informação de que a nossa empresa vai fazer uma pesquisa para saber de que cor somos. Corrijo. De que cor nos auto-declaramos. Pode?

Não satisfeitos, os gênios que bolaram este maravilhoso questionário, ainda dão exemplos, para quem não é capaz de se encaixar sozinho no arco-íris, de personalidades que se enquadram em cada padrão: Airton Senna e Zilda Arns são considerados brancos. Pelé e Zezé Motta, adivinhem? Amarela, a Fernanda Takai. Aí vem os pardos. Ah, os pardos... Machado de Assis e Marcos Palmeira.

Marcos Palmeira é mulato? Particularmente nunca achei ele muito mais moreno que o Senna. Mais bem passadinho, mas nada assim, tão gritante. Como uma estagiária que outro dia, no arquivo, falava para outra que era negra. Quase caí da cadeira. Fulaninha, negra? Ela até tem o cabelo bem escuro, a pele mais bronzeada, mas é menos mulata que a Camila Pitanga. E aí? É filha de negros? Tá. Pode se dizer negro até quem não parece. Mas e daí? Que diferença faz se é ou não negro? Se é ou não amarelo? E para a empresa? Menos diferença ainda.

Costumo dizer que se eu fosse um cachorro, seria um daqueles bem guaipecas, que não tem como definir a raça, tamanha a mistura das minhas origens. O Brasil todo é assim, uma grande matilha de SRD (sem raça definida). Todo mundo é um pouco de tudo. E todos convivem sem estresse, tom sobre tom. Então porque criar preconceito onde ele não existe?

Talvez minha negritude não se manifeste na pele, mas na alma. Também quero liberar meus cachos, como a Taís Araújo! Mas isso, só em sonho! Como essa vida é injusta.

domingo, 18 de julho de 2010

Quem planta sacanagem colhe solidão

Meu vizinho tem um excelente equipamento de som.
Meu vizinho vai ser uma pessoa muito, muito solitária.

Passa da uma hora da manhã de domingo. Após enfrentar um sábado chuvoso e sem graça, decido ir para cama cedo, desfrutar da companhia do José - o Saramago - outro que também morreu e haverá o leitor de pensar que tenho alguma predileção por cadáveres, mas não, havia efetuado a compra deste livro antigo pela internet, antes que a morte, com suas intermitências, o resolvesse visitar - e eis que inicia uma sessão musical na casa de trás.

Por alguma confluência de engenharia, que traz o som dele diretamente para cá, ou porque o sujeito realmente ouve música muito alto, tudo o que ele toca lá escuta-se nitidamente no meu quarto. Sem distorção alguma, o que me leva a crer que ele fez um alto investimento em amplificadores, alto-falantes, caixas acústicas e coisa e tal.

Normalmente ele escuta sempre as mesmas músicas, alguns temas batidíssimos de filmes antigos, New York, New York, algumas coisas óbvias de Michael Jackson... e, por alguma razão que a própria razão deconhece, finaliza sua seleção escutando "eu sou Elimar, de todos os santos"... Bem, eu nunca disse que ele tinha bom gosto, mas nada que agredisse tanto. E quando estava começando a atingir aquele ponto de querer rogar alguma praga, vinha a musiquinha do Elimar, alertando para a inutilidade dessa tentativa e - viva! - para o final do momento musical.

Pois nunca antes eu quis tanto escutar Elimar Santos!

Obviamente esse senhor teve filhos e é a festinha de aniversário de um deles que está acontecendo. Eles escutaram todos os CDs do Aviões do Forró! Desde os mais idiotas até os mais ridículos. Dos repugnantes aos escrotos. E eu e o Zé aqui, praticando a serenidade. Pensando que, afinal, são jovens descerebrados de uma região onde o forró impera. E que, afinal, não há nestes tempos oferta de música de qualidade como havia nos anos 80... Mas, convenhamos, sempre tem alguma coisa. Particularmente não gosto de Pato Fu, mas estaria nas nuvens se fosse a Fernanda Takai assoprando nos meus ouvidos até agora. Mas Aviões do Forró, argh! E como eu sei que era Aviões do Forró? Porque os cantores gritam a cada cinco minutos o nome da banda!! Ainda mais isso!

Aí deu uma pausa, cantaram parabéns (provavelmente com as palmas das mãos desencontradas) e retomaram com uma música cuja letra magnífica é o título desta postagem: quem planta sacanagem colhe solidão. Não resisti, abandonei o Saramago e fui buscar o micro. Pesquisei e descobri que é do Latino. Latino!! Então escutaram muita coisa linda dele! Letras profundas e tocantes como "selinho na boca". O volume, nem preciso dizer.

Agora estão escutando alguma espécie de sei lá o quê, alguma música feita por presidiários. Só o que se consegue compreender é quando o cara fala "sai do chão, sai do chão", o que eu espero que não aconteça! Já pensou essa gurizada debilóide voando por aí! Elimar de Todos os Santos que não permita que isso aconteça!

Por aqui é comum que os filhos de famílias abastadas façam cursos de inglês fora do país, preferencialmente em lugares onde existem guetos de brasileiros, para facilitar as coisas. Rezo para que o filho do meu vizinho decida fazer o prezinho na Austrália. E leve consigo seus irmãos todos, para que festas embaladas por essas surpreendentes melodias sejam apenas uma lembrança distante, como aqueles sonhos ruins.

E a solidão do meu vizinho? Como diria um filósofo latino, plantou sacanagem...

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Não há mais tempo

Stall se foi. Não deu tempo de visitá-lo. E agora não há mais nada a fazer.

Recebo inúmeros e-mails falando que passado e futuro não existem, que só temos o presente. Que devemos viver intensamente este momento, que só o agora está ao nosso alcance... variações sobre o mesmo tema. Algumas mais chatas que outras. E então me deparo com a morte. Catapuf, morreu. E agora? Se foi o boi com a corda. No caso, o cavalo, e sem corda... explico com uma pequena historinha.

Era uma vez um cavalo tobiano, branco com manchas marrons. Era bonito, forte e altivo, a tal ponto que Denise, ao vê-lo pela primeira vez, ficou achando que destoava daquela carroça. Eventualmente ela o via, no caminho do trabalho. O tempo foi passando, ela viu o animal emagrecendo muito, sendo maltratado pelo dono e decidiu queixar-se às autoridades. Não obteve eco em nenhum lugar. Aparentemente não havia proteção legal para o bicho. Ela procurou a Associação de Proteção aos Animais que entrou em contato com o dono, um tal de Amendoim, homem bruto que fez ouvidos moucos aos acordos com a APA para que Denise medicasse Tornado - seu nome, na época. E seguiu com os maus tratos, a ponto de um dia colocar os arreios sobre aquele corpo que era só couro e osso com uma imensa ferida no lombo que sangrava e estava visivelmente infeccionada.

Mulherzinha que é, Denise chegou ao trabalho aos prantos, incapaz estava de resolver a situação, já que o tal brutamontes se recusava até mesmo a vender o cavalo agonizante. Nesse dia seu colega Rodrigo assumiu as rédeas da situação e conseguiu salvar o bicho, encontrando inclusive uma baia onde ele poderia ficar para receber cuidados veterinários, comida de qualidade, repouso e carinho.

Durante quatro meses ambos cuidaram de Stallone, que foi rebatizado por Helton, antes de saber que ele era castrado e que, portanto, não lhe cabia tão bem a menção a um garanhão italiano. Stall se recuperou da ferida, o risco de infecção generalizada foi afastado com muitos antibióticos, ele tomou soro, arrumou os cascos, foi depilado, todos os seus carrapatos foram removidos, sua crina foi cortada, fez tratamento dentário. Durante este período de recuperação tomava banhos diários, era escovado, tinha direito a cinco refeições por dia e água fresca.
Todos os sábados, e pelo menos um ou dois dias na semana, Denise e Rodrigo levavam cenouras e o faziam exercitar-se.

Stall ficou bom. Mas jamais poderia voltar a ser montado ou puxar carroça. Sua coluna estava condenada. Então era hora de encontrar um lugar onde ele pudesse passar o resto da vida descansando. A fazenda do sogro de Sânia, em Areia, foi um lugar mais do que ideal para ele. Muito pasto, um açude lindo, um clima maravilhoso e nada mais para fazer do que viver livre e solto.

Pois foi assim que ele terminou seus dias. Ontem não acordou. O vaqueiro do "Seu" Juraci encontrou Stallone deitado lá no seu lugar favorito. De onde não levantaria mais. Não se sabe bem, ainda, o que aconteceu. Mas acabou. Ele se foi. Antes que Denise e Rodrigo o tivessem visitado uma última vez, como estava planejado.

Nâo é a coisa mais triste do mundo. Morreu um cavalo velho. Denise chora não por ele, que enfim teve uma morte digna. Passou os últimos oito meses em liberdade, sem maus tratos, sem sofrimento. Chora por ela mesma. Pelo que não deu tempo de fazer. Chora porque não há mais tempo.

Acabou a historinha.

Estranhamente os e-mails chatos falando em não deixar nada para amanhã passam a fazer sentido. Nada é mais definitivo do que a morte. E também nada é tão claro quanto ela para demonstrar que muito pouco está sob nosso controle. Não se anda para trás. Lamentavalmente não dá para voltar o tempo.

Para Stall a vida acabou. Para nós todos, a cada dia, acaba um pouco o tempo de viver.

sábado, 26 de junho de 2010

De molho

Cama. E só. Durante os últimos dez longos dias este tem sido meu destino. Dez enlouquecedores dias. Que parecem se arrastar. Uma virose (o que mais?) me tirou de circulação. Mais do que isso. Acabou comigo. Tudo começou com uma febre alta na quinta de noite (a outra quinta). Na sexta estava mole, a febre continuava, tomei Tylenol, Novalgina... nada de a febre ceder. Fiquei de molho durante o final de semana todo. Na segunda trabalhei só por teimosia e decidi ir a um médico. Mas de que especialidade, se a não ser pela febre não havia outros sintomas? Sim, doía cada fio de cabelo, mas só quando eu passava a mão e a sensação de atropelamento era em virtude da febre... bem, me doía um pouco atrás da orelha. Assim escolhi um otorrino, que podia me atender ainda naquele dia, o que era essencial.

Fui atendida rapidamente, ou melhor, colocada para dentro do consultório rapidamente, pois o médico estava ao celular com um amigo com quem colocou as fofocas em dia enquanto eu esperava. Pela conversa depreendi que o tal amigo tinha se engasgado - sim, isso mesmo - recentemente em um restaurante e só não morreu porque um colega fez uma manobra e espremeu o cara até que ele cuspisse o alimento entalado. Uns cinco minutos depois o médico desligou e não pediu desculpas. Apenas confirmou que era um amigo que tinha se engasgado... Ah! Tá.

Contei rapidamente meus sintomas, ele deu uma olhada na minha garganta, apertou atrás das minhas orelhas e olhou meus olhos, que estavam vermelhíssimos. Eu falei: Viu meus olhos? E ele: Sim, lindíssimos! (Onde é que eu fui amarrar meu burro?) Então ele fala que provavelmente seja uma virose mas quer um hemograma, um raio X de face e um de tórax, para se assegurar de que não é nada mais grave. Mas ele não me entrega rapidamente as requisições e a receita de um medicamento para aliviar os sintomas. Não. Antes eu tenho que escutar um resumo da vida do cara, onde ele se pós-graduou, seu hobby culinário, onde ele compra carne, o tamanho do seu freezer, quantas filhas e quantos empregados ele tem, tudo é claro, tão relevante para meu tratamento quanto o episódio de salvamento do seu amigo glutão.

Normalmente gosto de jogar conversa fora. E reconheço que o cara além de bonitinho até é bom de papo. Então a teoria da relatividade faz sentido. Quando a gente não está bem, a úlitma coisa que interessa é fazer novas amizades. Ficamos absolutamente autocentrados e quaisquer coisas que não digam respeito a nós mesmos e nossa cura são totalmente supérfluas e desprovidas de interesse. Desta forma tudo o que quero é comprar algo que faça eu me sentir melhor. Compro o tal pozinho que ele me receitou e estou tão desagradavelmente mal que nem percebo que o troço tem sabor de menta-aniz. Havia outras opções, conforme li na bula depois. Mas o Spidufen 600 não trouxe o alívio imediato com o qual eu sonhava.

Na manhã do dia seguinte, ainda febril, vou a uma clínica pneumológica para fazer os exames. Não tenho pnueumonia, nem sinusite, nem infecção. É uma virose mesmo e esse outro médico barbudo me receita mais Tylenol e um antibiótico novo que eu compro e, ao ler a bula gigantesca, descubro que serve para tratar pneumonia bacteriana - que eu não tenho - e que não serve para tratar virose - que eu tenho. Decido tomar, mesmo asim, tão mal estou me sentindo, e resolvo não questionar as razões do segundo médico.

Dois dias depois a febre não havia baixado e eu não conseguia mais comer nada, tamanho o enjôo que eu sentia. Para agravar o quadro, tive um dos mil e trocentos efeitos colatereis previstos na bula: urticária nas palmas das mãos e pés, que ficaram vermelhíssimos e coçando muuuuuuuuuuuito.

Resumo da opereta: parei com todos os medicamentos e decidi morrer lentamente, de forma natural, de febre, fome e sede, já que até o gosto da água me provocava náuseas. Ao final do oitavo dia constatei que ainda não deveria ser minha hora, pois a febre cedeu, as mãos desincharam, consegui comer dois palitinhos com sal.

E aqui estou eu. Sobrevivi. Minha cabeça ainda está meio flutuante, mas já consigo ler e escrever. As articulações dóem mas acho que a virose está superada. Amo minha casa e amo o ócio, mas voltar ao trabalho nunca me pareceu tão convidativo.

Aos leitores que não desistiram de mim, aguardem. Nestor está de volta!

domingo, 13 de junho de 2010

Por você eu largo tudo...

Pois é, a história do violão rendeu, e já estou tocando com alguma desenvoltura. Até gravei um clipe que passei para um crítico, sem muita expectativa, mas que rendeu elogios. Entretanto não foi por causa da minha carreira musical que abandonei temporariamente o blog. Pelo contrário, foi tocando a música "Exagerado", do Cazuza, que eu me dei conta de que ultimamente tenho deixado tudo o mais de lado em nome de uma arrebatadora paixão.

Fazia tempo que não me apaixonava assim, a ponto de não conseguir dormir sem antes me dedicar a ele. E até a reduzir minhas preciosas horas de sono para dar a ele mais uns minutinhos que, de tão deliciosos, se prolongam em horas... Ai, ai, ai. Quem dera todos um dia pudessem sentir uma atração asssim.

E ele, a rigor, nem é assim tão especial, mas tem um jeito que me prende, confesso. Percebi que me apaixonaria quando Isabela Boscov comentou que ele era um editor de revista sueco, que tinha escrito nada menos que dez resenhas de livros (dez!) e que só depois de ter concluído o segundo é que foi providenciar a publicação. Poxa! O cara estava preparado para mandar ver dez livros! Percebi que precisava conhecê-lo. E logo.

Mas, prosseguia Isabela, mal ele tinha terminado de escrever o terceiro livro da série, teve um piti ao subir a escadaria da sua revista (parece que ele era extremamente sedentário) e... catapuft! Morreu! Bateu as botas! Foi ter com o sete peles! O que não diminuiu meu interesse.

Mal acabei de escutar a crítica do primeiro filme - pois os livros foram adaptados para o cinema - corri para a Saraiva.com e encomendei a Trilogia Millenium, de Stieg Larsson. Quatro dias depois estava com a caixa sobre a cama, retirando três grossos volumes de umas 500, 600 páginas cada. Abri e inspirei o aroma de papel novo... delícia!!

Trata-se de uma trama de mistério, uma espécie de suspense policial. São apenas três livros, já que o cara teve o desprazer de sair de cena antes da hora. O título do primeiro, que eu acabei de ler na semana passada, é "Os homens que não gostavam das mulheres". O do segundo, que eu estou na metade e vou pegar daqui a pouco, é "A menina que brincava com fogo". O do último é "A rainha do castelo de ar".

Não é nenhum livro "cabeça" ou coisa que o valha. É simplesmente entretenimento. Do jeito que eu gosto. Sobrou um tempinho? Corro para ler nem que seja uma página. E, quando retomo a leitura, o que está ao redor desaparece, como deve ser.

Noutro dia estava discutindo com um amigo sobre o que é um bom filme e ele tentava me convencer de que às veze um filme não tão bom pode trazer referências a outros diretores ou tentar provocar alguma reflexão ou... bem, até pode ser. Mas eu considero um bom filme aquele que me faz esquecer que estou no cinema. Me retira do mundo real por cerca de duas horas. Posso até refletir ou perceber eventuais referências ou técnicas ou coisa e tal mas... depois. Depois que eu saí do cinema feliz, triste, abalada, chocada, o que for. Durante, ou seduz ou não. Sem meio termo.

Um bom livro é do mesmo jeito: vou folhando as páginas e saindo de mim para viver ou observar a realidade criada pelo autor. Se ele for capaz de prender minha atenção durante a leitura, ótimo. Mas se eu começo a me aborrecer porque o médico atendeu na hora certa e eu não tive tempo de acabar o capítulo... é porque se trata de paixão.

Pode?

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Resistência

Há cerca de duas semanas comprei um violão. Não sou absolutamente neutro quanto a aspectos musicais. Fiz algumas aulas de violão lá pelos meus oito anos. Até participei de um programa de TV onde a Tia Suzi escolhia três calouros que se apresentavam e eram classificados por alguns jurados infantis. Nas minhas três participações fiquei em terceiro lugar (!) o que talvez tenha desestimulado minha carreira artística.

Mas fugi do ponto. O fato é que nessa época aprendi alguns acordes elementares, aqueles que minhas pequenas mãos conseguiam alcançar no braço do violão: Lá maior, Lá menor, Lá 7, Ré maior, Ré menor, Mi, Sol, Dó maior.
Fá e Si, nem pensar. Exigiam pestana.

Antes que eu crescesse, e não se cresce em alguns meses, pelo menos não muito, e conseguisse realizar as pestanas com alguma desenvoltura, me desinteressei pelo violão e abandonei as aulas da professora Odete, uma senhora muito baixinha, com uns traços de nanismo, que me desagradava por completo.

Bem, isso aconteceu no período jurássico. Agora, morando eternamente numa casa de praia, me pareceu que um violão cairia bem. E com a Internet ofertando todo o tipo de ajuda... por que não? Escolhi um modelo com o braço fino, para afastar de vez o fantasma das pestanas e com um afinador eletrônico acoplado. Perfeito. E vamos à Internet procurar um professor que agrade.

Aí vem a novidade. Cadê o Lá, o Ré e o Mi? Foram substituídos por letras. A partir do Lá começaram a renomear A, B, C... e as músicas com letras cifradas estão todas com essas malfadadas maiúsculas que confundem meu cérebro enferrujado.
Decido tentar esquecer as antigas referências, mas... resistência. Resistência a algo que mudou. Dificuldade mesmo. Vontade de estrangular quem inventou essa porcaria de simbologia. Por quê? Estava tão bom antes? Mudar prá que?

Percebo a inutilidade dessa ranhetice quando um amigo, uns mil anos mais jovem, fala que sempre foi assim. Como assim, cara pálida? Sempre uma pinóia! E adianta reclamar? Nada! Sei bem disso. Mas cada vez que eu vejo aqueles bracinhos de violão com as marcações dos locais onde se devem colocar os dedos apresentando um A7, um B# ou um D, dá uma raiva!! E aumenta minha resistência.

Bem, noutro dia falei do despencamento inevitável da pele. Agora falo do endurecimento inevitável do cérebro. Endurecimento sim. O termo vem de cabeça dura. Creio que com o passar dos anos o corpo amolece e a mente endurece. Que slogan... Mas não tem tudo a ver? Ou muito a ver, já que tudo é um pouco absoluto demais?

Corpo duro, cabeça mole. Corpo mole, cabeça dura.
É elementar, meus caros.

E resistência é uma faca de dois gumes.

Ando resistindo a sair de casa para fazer coisas chatas. Por que jantar com um grupo que só fala coisas que não me interessam ou não me agradam? Há algum tempo saía todas as noites, achava que estar com muitas pessoas me tornava alguém melhor. Agora resisto a isso.

Resisto a ir ao cinema aqui na praia. Como me concentrar no telão se alguém ao lado tirou o chinelo (sim, aqui se vai de chinelo ao cinema - e a praticamente qualquer lugar) e colocou os pés cheios de dedos sobre a poltrona ao me lado? Como me emocionar com uma cena se o vizinho está ao celular explicando para a mãe, que acabou de ligar, que ele está no cinema e não pode falar agora?

Resisto ao sim. O não está muito presente em meu vocabulário. Não, não quero jantar. Não, não quero dividir o dinheiro do presente. Não, não quero fazer essa viagem com um monte de pessoas chatas.

Resisto a pessoas que mentem descaradamente. Cansei. Perdi a vontade de entender porque elas fazem isso. Não que eu não minta. Minto, como todos. Mas escutar mentiras desnecessárias, me poupe. Me deixe só. Prefiro meus cães.

Não tenho pressa e muita coisa me interessa, mas estou selecionando. Não vai dar tempo prá tudo. Assim, só vou parar de resistir a algumas coisas, àquelas que acho que valem a pena.

Vou parar de resistir às maiúsculas das aulas de violão.

sábado, 22 de maio de 2010

Mentiras sinceras me interessam...

Mulher! Nem consegui dormir direito pensando naquilo que você contou! Como é que você sai correndo e deixa o cara lá, sem dizer palavra? Te contá, hein, Claudinha! Ainda mais um aleijado. Deus o livre! Isso não se faz, visse? E logo um desses, todo bonzinho, que você já conhecia tão bem. Pensa que homem dá em árvore, é? Mas se não chamar de aleijado chamo de quê? Olha que você tá ficando mais é besta, visse? Deficiente. Tá bom. Deficiente. Mas me conta o que deu na tua cabeça. Pois eu sei que ele mentiu. Escondeu que era ale... deficiente. Mas vai saber o que ele pensou. Como não podia? E você não mentiu nunquinha prá ele? Mulher!! Eu te conheço, corto um dedinho se você contou tudo prá ele, tintim por tintim. Duvideodó! Ah! Bonito. Você podia ter medo que ele desse o fora se soubesse de tudo, mas ele não podia. Sim, concordo. Se ele mentiu isso, também pode ter mentido sobre o dinheiro, a profissão, o vidão... mas não é fugindo que você vai saber se é ou não é verdade. Tinha que ter dado uma chance pro pobre se explicar. E para com isso. Cara feia prá mim é fome. Só porque sou sua amiga não significa que eu vou achar todas as besteiras que você faz bonitinhas. Cuida! Para de se mexer que vai borrar o esmalte outra vez e eu não vou mais ajeitar! Tá chorando por quê? Ainda bem que arrependimento não mata. É só ir lá na lan house e mandar uma mensagem dizendo que fez bobagem. Pedir perdão. Claro que ele vai aceitar. Homem é tudo mole. E ainda mais ele, que não deve ser muito cheio de mulheres... Chega de lamúria, Claudinha. Queria o quê? Um príncipe encantado montado num cavalo branco? Vai ficar dando uma de orgulhosa e passar o resto da vida enfiada naquela enfermaria, trabalhando que nem burro de carga, prá chegar no final do mês e o dinheiro dar só para pagar as contas? E daí se ele não puder transar! Não é você que vive dizendo que não gosta? Que se não fosse precisar de um extra de vez em quando mandava aquele médico velho pastar e não dava prá mais ninguém? Pense. Vai ser até bom. Não adianta, nada que você me diga vai me fazer mudar de idéia. E se você não estivesse arrependida não estaria aqui jogando conversa fora. Pena de você? Nada! Pena eu tenho é dele! Olha Claudinha, se isso que você está me dizendo é mesmo verdade, que você estava gostando dele, que já pensava até em casar, em ficar com ele prá sempre, então vai à luta, colega. Não é todo dia que aparece uma oportunidade dessas. Claro que não é o que você sonhou! E por acaso já se viu alguém rezando para aparecer um aleijado? Tá, desculpa! Saiu sem querer! Mas e se ele é mesmo tudo o que disse? E se todo o resto for verdade? Ele não vai esperar prá sempre, visse? Agora apóia a cabeça aqui para eu dar jeito nessa sobrancelha.
...
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Para: Luiz Claudio Cerqueira Albuquerque
Assunto: Desculpa?

Mentiras Sinceras

Pois é, Lopes aconteceu outra vez. Como não devia? Até parece que você não me conhece? Desde o acidente, quantas fugiram logo no primeiro contato? Só tentei mudar o modus operandi. Com a melhor das intenções. Não, não contei quando eu percebi que estava ficando sério, como você me aconselhou. Você até podia estar certo. Mas e se não estivesse? Faz vinte anos, dois meses e seis dias que estou assim. Com você me assistindo. E dá para contar nos dedos, corrijo, dá para contar nos indicadores as mulheres que se interessaram um pouquinho por mim. Sim, não adianta repetir. Não consigo parar de contar os dias desde que... Tá. Já parei. Só quero registrar, ou pontuar, como você gosta de falar, que não é autocomiseração. É apenas constatação. Estou aqui, preso, com uma cara linda e um corpo podre. Um cérebro ágil e um pinto mole. Sim, claro, funciona! Vamos combinar, Lopes! Quando ele quer! Não, já passamos dessa fase de alguém ficar me dizendo que podia ser pior. Cessou! Mais uma palavra e saio desse consultório correndo. Rodando, no caso. Desculpa, meu humor negro não pede permissão para se manifestar. Nem mesmo quando a vítima sou eu. Mas vamos pular essa parte do aleijadinho rico e sortudo. Decidi fazer mais umas sessões só para falar da Cláudia. Porque você é obrigado a me ouvir. Meus amigos não me aturam mais. Não, tudo menos seus conselhos, só quero que você escute. Sim, houve um encontro. Um. Que na verdade nem foi bem um encontro. Ela me olhou. Percebi que os olhos dela brilharam ao me ver. Tenho certeza que ela gostou do que viu. Eu? Bem, pelo que ela falava, era bem mais alta, mais magra, tinha um cabelão liso. Não. Não que fosse feia. Mas achei-a um tanto vulgar. Um decotão escandaloso demais. Cabelo esticado, sei lá, aquilo que todas as mulheres fazem agora. Bonita, mas meio cheinha. Nada que um bom banho de loja não resolvesse. O essencial era que em todo esse tempo em que trocamos e-mails ela me passou uma impressão tão de... de alma gêmea. Sim, soa piegas, mas era como eu me sentia com ela. À vontade. Em casa. Sem frescuras. Pois não te falei? Foram seis meses. Não, detesto MSN e todas as suas abreviaturas. Só e-mail. Muitas vezes dois ou três por dia. Sabia tudo o que acontecia com ela, era como se eu vivesse a sua vida. E, confesso, como se eu pudesse resgatá-la daquela batalha cotidiana. A vida dela não é fácil, sabe? Ela trabalha muito e recebe um salário pífio. Não, nunca me perguntou. Mas acho que pelo que eu contava de mim ela tinha como perceber que eu vivo bem. Sim, continuando com o fatídico dia do encontro, a cara que ela fez, Lopes, quando viu a cadeira... foi de lascar. Não me lembro de me sentir assim nem quando era guri. Lembrou-me a cara de decepção da minha mãe quando encontrou a tampa da bomboniere quebrada debaixo da minha cama. Foi horrível. Quis voltar no tempo e contar logo no primeiro dia em que nos encontramos no chat do curso de inglês. Preparei-me para a bronca, mas... a maluca saiu correndo. Não, não é força de expressão! Ela virou e saiu correndo do restaurante. Senti-me um bosta. E não deveria ter me sentido assim. Ela também mentiu prá mim. E muito. Sei que isso não é confessionário, mas vou falar. No final do primeiro mês usei minha influência – sim, do meu pai também – para investigá-la, descobrir quem era, o que fazia, só não quis fotos ou vídeos para não tirar todo o mistério. Adivinha Lopes. Todas as lembranças de infância com a família, o pai severo, a mãe amorosa... Tudo mentira! Ela nunca soube quem foram seus pais. Viveu até os 16 anos em um orfanato. Nunca foi adotada porque era uma criança gorda. Quando saiu de lá fez o que pode para sobreviver. Considere aí o que achar mais provável. Foi presa aos 18 anos. E aos 19 outra vez. Mora com duas amigas da época do internato, que ela chama de irmãs. Não, não vou contar o motivo das prisões. Importa que agora ela tomou rumo. Parei com as investigações e me concentrei em perceber nela o que era verdadeiro. O que havia além. Acreditei que juntos poderíamos dar certo. Caríssimo Lopes, naquele encontro tínhamos ambos muito a revelar. A diferença entre nós é que meu passado é impossível esconder.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Cláudio e Cláudia

Cláudio saiu mais cedo do trabalho. Tomou um banho demorado, fez a barba com capricho, abriu uma embalagem nova de cuecas que tinha comprado no free shop na volta da última viagem. Calvin Klein. Vestiu e sentiu uma leve ereção. Sorriu e se olhou no espelho. Gostou do que viu. Não fazia feio diante do modelo da embalagem das cuecas. Entre as dezenas de camisas que abarrotavam o closet do seu novo apartamento, escolheu uma azul clara, para realçar a cor dos seus olhos. Desnecessário, pois esse era um dos seus maiores trunfos com as mulheres, mas, pensou ele, melhor garantir. Não era dia para cometer deslizes. Sempre sorridente, e acompanhando o CD do Nando Reis que tocava, continuou a se vestir sem pressa. Havia tempo. Ele sempre fazia tudo de forma meticulosamene planejada.

Cláudia saiu às pressas do salão improvisado na casa da amiga. Tinha feito escova no cabelo originalmente cacheado e escolhido um tom fechado de vermelho para as unhas. Entrou em casa e foi direto para o quarto que dividia com as duas irmãs. Retirou do pequeno armário o vestido recém comprado, com pagamento parcelado em dez vezes, e achou melhor passá-lo a ferro. Queria estar perfeita hoje. Depositou-o com cuidado sobre a cama coberta com uma colcha de chenile, ao lado da calcinha nova. No chão as sandálias prediletas, reservadas apenas para ocasiões especiais. Entrou no chuveiro afastando com cuidado a cortina e fazendo um malabarismo para que a cabeça ficasse do lado de fora, evitando que o vapor desmanchasse a escova. Enrolada na toalha, espiou o relógio da cozinha e viu que estava em cima da hora. Como sempre.

- Seu Cláudio, o rapaz do lava jato tá aqui embaixo entregando a camionete. O senhor quer que guarde ou vai sair ainda hoje?
- Deixa aí na frente, Seu Severino. Já estou descendo. Obrigado.

- Chica! Teu irmão pode me dar uma carona pro centro?
- Bora Claudinha, que ele já tá saindo.

Cláudio conseguiu uma vaga na frente do restaurante. Se encaminhou para a mesa previamente reservada e pediu um cálice de vinho. De onde estava podia ver a porta. Mal podia conter a ansiedade de conhecê-la. Seis meses de trocas de e-mail. Conhecia aquela mulher mais do que qualquer outra na sua vida. Ela era perfeita. Ficavam horas teclando, falando sobre os mais diversos assuntos. Ela tinha o dom de desnudá-lo por inteiro. Com ela não havia limites. Tudo era possível. Seu trabalho na Procuradoria da República, que antes lhe representara o maior desafio já enfrentado, era nada perto do mundo de possibilidades que Cláudia tinha-lhe descortinado. Cláudia. Ambos riram muito com a coincidência de nomes. Ele sorriu e sorveu mais um gole.

Cláudia só calçou as sandálias quando estavam quase chegando ao restaurante que ela conhecia só de nome. Arrumou mais uma vez o decote do vestido que permitia notar seus belos seios. Meu maior patrimônio, pensou. Se bem que com Cláudio (muito engraçado termos o mesmo nome) o que menos importava era a aparência. Ele já sabia mais dela do que qualquer outro jamais soube. E tudo por meio da Internet. Ela, que adorava uma balada, tinha passado meio ano sem sair, apenas conversando diariamente com esse homem de quem tudo sabia. Até os segredos mais íntimos. Desceu do fusca e jogou o cabelo para trás. É aqui. E agora. Entrou.

É ela! Cabelo escuro, liso. Não é tão alta como eu pensava mas... que seios!
É ele! É mesmo lindo! E esses olhos!

- Cláudio? Ela se aproximou da mesa. O sorriso dele a deixou sem fôlego.
- Cláudia? Ele sorriu. E não levantou. Como não levantava há mais de vinte anos.

O sorriso no rosto dela se desvaneceu ao olhar para a cadeira de rodas.
O sorriso no rosto dele se desvaneceu ao perceber a gravidade do olhar dela.

Cláudia se afastou. A princípio lentamente. Depois se precipitou porta afora e correu pela calçada arruinando o salto das sandálias.

Cláudio baixou a cabeça e conteve as lágrimas. Pediu a conta e empurrou a cadeira até a porta do carro. Acomodou-se no banco e puxou-a para dentro de forma automática.

- Como ele foi capaz de mentir para mim desta forma? Eu confiei tanto nele! Por quê? Eu poderia aceitar tudo, até mesmo esse defeito físico, mas não uma mentira! Ele devia ter me contado!

- Como ela pode sair assim, sem me deixar explicar a razão desta omissão? Ela não podia ter feito isso comigo! Eu poderia aceitar tudo, menos incompreensão.

- Viu no que deu, Lurdinha, perdi seis meses com esse mentiroso! Homem é tudo igual.

- Olha, Pedro Henrique, valeu cada segundo. E não me arrependo. Tivesse contado logo, como das outras vezes, não teria vivido os seis meses mais maravilhosos da minha vida.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Abismo de Colágeno

Curioso como a diferença de idade é algo que incomoda mais às mulheres. Um homem de 45, 50 anos é capaz de se relacionar sexualmente com uma gostosona de 18 e não estar nem aí para a própria barrigona caindo prá fora das calças, para os cabelos grisalhos, para os pelos que aumentam a cada dia sobre a superfície do seu corpo, para as falhas nas unhas dos pés, para todas as evidências de que o tempo atuou sobre ele sem dó. Leva a garota prá cama e cráu, nem aí se ela está dando mais atenção para sua conta bancária do que para seu corpo em decrepitude e para seus dentes já não mais tão brancos. Se teve alguma insegurança na hora da conquista - será que ela vai me dar mole? - passada essa fase é só alegria.

Já uma coroa de 45, 50, não fica assim tão segura. Se para uma mulher madura é fácil levar no bico um guri vinte anos mais novo, a coisa muda de figura na hora do vamos ver. Ainda que a grande maioria dos seres do sexo feminino na faixa de 20 a 30 anos esteja hoje acima do peso, com uns corpos meio disformes, elas tem algo que a balzaca master, mesmo magra e interessante, já perdeu há algum tempo: colágeno. É fato. Sem ele a pele despenca. A pele, veja bem. A pele. O maior órgão do corpo humano! A pele desgruda do corpo todo de forma inexorável. E não há musculação ou plástica que dê jeito. Pode até ser que um corpitcho que já enfrentou quatro décadas mas está musculoso e sarado seja mais agradável à visão mas... bota a mão! Tá mole. Moooole. E o que dizer do carinha? Duríssimo. Uma rocha. Bom de se ver e de se tocar. O corpo todo uma delícia. Há, entre ambos, um abismo. De idade? Não, isso é o de menos. O abismo é de colágeno. De profundidade abissal.

É fato que os homens também perdem colágeno. Mas ganham pelos. E pelos firmam a pele. Claro que firmam, tome-se o caso das florestas que não sofreram desmatamento e que são menos afetados pela erosão. É uma lógica que a ecologia confirma. Mas, ainda que não firmassem, pelo menos disfarçam. Mulheres não. Estão sempre depiladíssimas. Lisíssimas. Devastadíssimas pelos efeitos inclementes do tempo. Uma mulher madura sente-se como uma gelatina. Parece durinha e apetitosa ao olhar, mas balança toda ao ser tocada.

Gianecchini e Ashton Kutcher, que são experientes nestes assuntos, garantem que não tem o menor problema com a consistência das suas parceiras, mas será que as parceiras tratam isso assim, de forma tão desencanada?

E aí estão as evidências, para quem quiser ver. Está assim de homens caquéticos transando enlouquecidamente com ninfas jovens e delicadas, totalmente alheios à gritante diferença entre a adesão (e a falta de adesão) de suas peles aos seus próprios corpos. Elas coladíssimas. Enquanto isso, está assim de quarentonas que adorariam desfrutar dessa liberdade que, como diria Lula, nunca antes neste país foi tão grande. Mas... temem balançar - literalmente.

A moral da história? É a falta de colágeno e não a vergonha na cara que impede que o mundo seja inteiramente povoado por Anas Marias Bragas e por Suzanas Vieiras.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Abandono?

Sem sono, com o pensamento saltitando de uma recordação antiga a outra recente, depois a um sonho mal sonhado, como sucede naqueles momentos em que tentamos não pensar em nada, estabeleço uma conexão entre dois relatos que, em tese, não tem qualquer ligação.

Uma amiga, em virtude de uma aula prática do curso de fisioterapia, ficou profundamente consternada com uma visita a uma instituição que trata de pessoas idosas com algum tipo de problema de locomoção. Viu por lá senhoras e vovôs necessitando de cuidados médicos mas, sobretudo, de atenção e carinho. Ficou particularmente emocionada com a declaração da sua paciente naquela tarde, que afirmou que ela (minha amiga) tinha sido a alegria do dia dela. Que sua mãe era uma pessoa abençoada por ter uma filha assim. Que ela (a senhora) tinha sido abandonada pelas filhos que até a casa dela tinham tomado e, heresia, a tinham deixado sem nenhum perfume. É de cortar o coração, não é? Uma vovozinha desprotegida e meiga, toda tortinha, abandonada pelos filhos desnaturados.

Conta-me um amigo, com lágrimas nos olhos que ele tenta disfarçar, das dificuldades que vem enfrentando com sua mãe, que lhe causa transtornos em função da sua dependência da bebida. Ele e os irmãos são constantemente surpreendido com alguma travessura da mãe que desaparece sem dizer onde foi e com quem está, que é encontrada embriagada na sala em meio a uma bagunça generalizada, que se comporta de forma inadequada, estando alcoolizada, nas situações mais diversas. Ele já tentou conversar, já brigou, já demonstrou tristeza extrema, já se mostrou compreensivo. Tudo inútil. Ela reincide no vício e isso já chegou a um ponto em que ele e os irmãos pensam em interná-la.

Não é difícil imaginar onde as duas histórias podem se cruzar. Não estou afirmando que a doce vovozinha que minha amiga tratou fosse uma pinguça inveterada que ninguém mais suportava, ou que ela fosse uma megera que perseguia os netinhos dando bengaladas, ou que... sei lá o que mais. O fato é que para pelo menos uns 85% da população mãe é mãe. E, ainda que não se pretenda passar o resto da vida grudado na barra da sua saia, tampouco se tem a intenção de dar fim a ela ou trancafiá-la em uma instituição do tipo depósito de idosos. Meu amigo começa a imaginar uma alternativa para a situação que está chegando ao limite. Insustentável é uma palavra difícil, mas tem sido a cada dia mais pronunciada por ele.

Por trás de todas as histórias de abandono, de alguém que desistiu de algo ou de alguém, sempre há uma forte razão que justifica esta decisão extrema. Sinto pena da velhinha da instituição, sinto pena do meu amigo e sinto pena da sua mãe. E também lamento pelos filhos da velhinha, sem nem sequer conhecê-los. Serão uns cafajestes que abandonaram a própria mãe sem qualquer remorso ou eles simplesmente chegaram a um momento em que entregaram os pontos e desistiram de tentar?

Assisti a um vídeo de uma escritora nigeriana onde ela fala da importância de sempre escutarmos as duas versões das histórias. Sob pena de ficarmos com a visão toldada e nos tormarmos incapazes de compreender o outro. Acato a sugestão e vou além. Acredito mesmo que para cada história haja mais de duas versões. Muitas vezes bem mais. É claro que não podemos investigar a fundo cada um dos episódios que nos emocionam de alguma forma, seja por amor, raiva, tristeza, indignação. Mas podemos deixar de lado idéias pré-concebidas de certo e errado, de bem e de mal, de inocentes e culpados. Sob pena de nos colocarmos, a nós mesmos, do lado errado da trincheira.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cadeirante

Olá, cadeirante! Sim, tenho certeza de que todos os que estão lendo este texto já foram, ou ainda são, cadeirantes. Ou você nunca teve o desprazer de passar horas e horas colocando seu derrière em contato imediato de primeiríssimo grau com uma cadeira xexelenta de um consultório médico?

Pois é. Recentemente instalei um braço biônico e tive esta experiência mística de compartilhar um espaço pessimamente decorado com uma dúzia, ou mais, de seres aparentemente adaptados com este despropósito absurdo, que é ficar horas aguardando o supremo, fantástico, iluminado ortopedista. Falo ortopedista mas os médicos de todas as outras especialidades também gozam desta faculdade de fazer os demais simples mortais perderem seu tempo sem valor. Aliás, a palavra gozam está a parecer apropriadíssima para a situação. Só pode ser gozação com os pacientes. E agora entendo a palavra paciente. Vem de paciência. Santíssima paciência.

Prosseguindo: enquanto paciente, pacientíssimo, por sinal, observei os diversos centros de tortura pelos quais passei recentemente, o consultório do ortopedista e o do cardiologista. Colhi e comparei informações com cadeirantes recentes e a conclusão é que a maioria dos consultórios tem cadeiras dispostas como um cinema, ou um teatro, voltadas para um aparelho de TV ligado em algum canal de segunda categoria, com imagens meio desfocadas e volume altíssimo. Um aparador ou mesa com aquelas bombonas de água (que vem sabe-se lá de onde) e uma térmica de café. Copos descartáveis, uma lixeira daquelas que os copos cabem em um buraco grande ou pequeno, conforme água ou cafezinho, e vão ficando empilhados. Uma mesa com revistas de dois anos atrás folhadíssimas, aparentemente vetores dos mais diversos tipos de doenças, micoses, perebas em geral. O jornal do dia, que talvez de manhã tivesse forma e aparência de jornal. Ar condicionado gélido (ou frio de renguear cusco), provavelmente porque pessoas congeladas tendem a não se mover, não falar, e assim não reclamam. Umas secretárias meio pamonhas, que não se importam de trabalhar com aquela ruma de gente criando mofo ali na frente e que vem sem a tecla "penso" (as secretárias) pois são incapazes de organizar minimamente uma agenda. Ora, se o ocupadíssimo, importantíssimo e aguardadíssimo senhor dos ossos chega às 10 horas da manhã, porque é que a anta fala "é ordem de chegada, abrimos às sete"?

Cumé? O otário que não tem mais nada que fazer na vida precisa fincar a b... na cadeira três horas antes da criatura suprema chegar??? O panaca vai às sete para não ficar na fila? É isso? Será que aquele troço chamado agenda não fez parte da vida pregressa do curandeiro? Bem, inteligência rara, se eu consigo atender quatro bocós por hora, e vou trabalhar oito horas, vejamos... quatro vezes oito... trinta e dois pacientes. É um montão de gente. Ôba, então vou deixar todos eles furiosos ao mesmo tempo. Porque eu falaria para cada um vir em um horário diferente? Coisa complicada.

Creio que gastaram todos os seus neurônios na faculdade, estudando anatomia, farmacologia, 'medicologia'... faltou espaço para 'agendologia'. 'Respeitologia'. 'Horariologia'. Não consigo conceber que qualquer pessoa ache o tempo de outra tão desimportante assim. Que despreze o trabalho que ela exerce e que tem que deixar de lado para se dedicar a 'cadeiropatia' involuntária.

Perder tempo no consultório médico não é divertido. É horrível. É um saco. E é, sobretudo, desnecessário. Minha dentista é considerada uma general por ser rigorosíssima com os horários. Atrasou dez minutos? Ela não atende mais. Vai prejudicar o atendimento do paciente do horário seguinte. Certa ela. Por via das dúvidas, chego sempre um pouco mais cedo. Cadeirante voluntária. Aí eu gosto.

domingo, 25 de abril de 2010

Anjos e Demônios

Acabo de conversar com um grande amigo que, assim como eu, tem um certo pendor para o politicamente incorreto. Não falo de atitudes. Falo de pensamentos.

Atire a primeira pedra quem nunca pensou em bater naquela criança mal educada que fica gritando e correndo pelo restaurante, se pendurando em todas as cadeiras? Ou que teve vontade de trucidar aquela velhinha que entra na casa lotérica e passa na frente de toda a imensa fila com um ar de superioridade? Quem nunca teve vontade de rir quando viu alguém cair aquele tombo? Ou ficou escandalizado com o modelito brega da colega de trabalho?

Você pode ter sorrido amarelo para a praga do restaurante e para a senhora idosa, pode até mesmo ter ajudado com todo o seu empenho o transeunte que se espatifou na sua frente. Assim também deve ter guardado para si a crítica de moda. Jamais pensaria outra coisa de você, meu adorável leitor. Provavelmente, como a grande maioria dos mortais que eu conheço, você, eu e meu amigo agiríamos da mesma forma. E as semelhanças não param por aí. A verdade é que você e todos nós outros, já quisemos estrangular alguém, já achamos uma pessoa muito ridícula, já consideramos alguém muito burro, já pensamos muitas coisas horríveis! Ok, agora acho que acabaram-se as semelhanças.

Poucos - e faço parte deste grupo - são os que admitem pensar assim. Meu amigo alega ter dentro de si Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Ele não precisa tomar poção alguma para que Mr. Hyde se manifeste. Ele está sempre lá. Falando baixinho no seu ouvido. Ninguém ouve, mas lá está a criatura malévola, sempre pronta para tascar um palpite horroroso sobre qualquer acontecimento, pessoa, coisa. Sempre. Mas Mr. Hyde só expressa suas deliciosas opiniões a um seleto público capaz de compreendê-lo.

A mim sucedem as aparições de Frau Herta, uma alemã inflexível que lamentavelmente nem sempre se comporta tão bem como o Mr. Hyde. Frau Herta com certa frequência expressa suas opiniões de forma taxativa, no lugar errado e na hora errada. A seu favor o fato de ser apenas grosseira, não sendo nunca maldosa. Ela jamais pretende magoar alguém. Se isso ocorre, e via de regra ocorre, é efeito colateral indesejável.

Mas voltemos ao pensar e ao agir.
Quando eu era criança (era?) minha mãe falava que todos tínhamos um anjinho e um diabinho que nos acompanhavam sempre. O coisinha ruim, por óbvio, nos dava ideias interessantes mas que, lamentavelmente, se colocadas em prática, trariam resultados desastrosos. Coisas como estragar o brinquedo do irmão mais novo só para que o nosso fosse o mais bonito, mentir para uma colega que não tinha trazido a caneta hidrocor só para não emprestar, estragar o tênis ainda bom para ganhar um novo. Todas ideias ótimas. Mas aí vinha a pergunta: Você gostaria que seu irmão quebrasse seu brinquedo? E que a sua colega mentisse? Você acha certo estragar seu tenis?

E lá estava o anjinho, sempre ele, para ajudar com essas respostas... Um chato, esse anjo. Um estraga prazeres. Ele me impediu - e impede até hoje - de agir de forma incorreta. E por isso não sou um tremendo risco para a humanidade, pois o tal do demoninho está ali, no outro ombro, com um amplo cardápio de opções tentadoras a minha espera.

Acho que é porque eu tiro de mim a responsabilidade por meus pensamentos nada corretos que fica mais fácil admitir o que penso. Mas para a maioria das pessoas, reconhecer publicamente que é capaz de pensar e sentir coisas que ferem a moral instituída é muito penoso. É preferível fingir que se é bonzinho o tempo todo do que admitir sentimentos e pensamentos absolutamente humanos e irracionais.

Ao meu ver são mais virtuosos aqueles que, expostos à tentação, resistem bravamente do que os que preferem não correr quaisquer riscos. Mais interessantes aqueles que sentem e pensam tudo (bom e mau, bem e mal) e selecionam deliberadamente aquilo que vai fazer parte do seu agir no mundo.

Aos bonzinhos de nascença, ou que simulam bondade inata, meu argh!!

terça-feira, 20 de abril de 2010

Só para finalizar o assunto das rolinhas-antas...

Rapidinho, para dar um desfecho à história anterior: o casal bocó voltou.

Recomeçou o ninho sobre os arames que eu havia instalado. Um pouco mais para o lado, claro, num local mais instável.

Então surgiu um sibito. Para quem não sabe, o sibito é um pássaro mínimo, amarelinho, com a cabeça preta e umas listas brancas próximas dos olhos. Bonitinho mas ordinário.

Ele começou a roubar descaradamente as rolinhas. Desmanchava o ninho com elas dentro. Algumas palhinhas ele jogava no chão e outras, mais estilosas, levava embora para confeccionar seu próprio ninho. Uma violência que eu registrei em filme.

Se alguém se interessar pela epopéia, procure no You Tube por Sibito Ladrão, Sibito Ladrão II e Sibito Ladrão III. Sugiro estes filminhos para compartilharem da minha indignação.

Bem, nem preciso dizer que o ninho ficou uma porcaria, todo furado, uma meleca. Ontem de manhã encontrei um ovinho partido no chão, abaixo do ninho, que veio abaixo na tarde de hoje. Uma tragédia grega não seria tão cheia de percalços.

As rolinhas sumiram, e é bom que não apareçam mesmo, ou sou capaz de fazer uma polenta com molho de rolinhas. Eita bichinho mais sem futuro. Imagino que se o cérebro delas fosse um pouquinho mais desenvolvido o mundo estaria sob uma pandemia de rolinhas. Se taipas do jeito que são ainda não foram extintas...

terça-feira, 13 de abril de 2010

Pomba Lesa X Ajudinha

Não, não estou utilizando nenhuma metáfora. As palavras do título são uma transcrição literal do que acabo de fazer. Explico: Desde ontem observo um casal de mini-pombas (na verdade são rolinhas, mas acho essa denominação um pouco pornográfica) tentando fazer um ninho sobre dois galhos paralelos, distantes uns cinco centímetros entre si. Um fica lá em cima (acho que é a fêmea)ajeitando o material de construção que o outro busca no chão. O macho pega um galho seco. Voa com ele no bico. Dá para a fêmea que o coloca no vão entre os galhos e... cai. Ele desce outra vez. Vasculha o gramado. Encontra um emaranhado de gramas secas(dessa vez vai dar certo). Leva para cima. Acomoda pessoalmente (ou pombalmente) no vão. Cai.

Ficaram nesse sobe e desce de grama, de palha, de folhas secas a tarde inteira!!! Já ia anoitecendo quando pareceu que finalmente eles tinham adquirido alguns rudimentos de noção de construção civil. O marido começou a transportar gramas secas e compridas e colocar atravessadas sobre o vão. Ufa!

Mas as fundações não resistiram ao vento forte que soprou à noite. A Nautreza é inclemente. Foram-se embora os alicerces do ninho e as pombinhas. Senti uma ponta de tristeza. Provavelmente a inaptidão para construir um lar minimamente seguro tivesse determinado o divórcio.

Mas não. Ao meio-dia a dupla retornou aos mesmos galhos parelelos e reiniciou a rotina de recolher material de construção e arremessar pelo vão entre os galhos! Não me contive. Peguei um arame bem fininho, subi numa escada e fiz um zigue-zague fechando grosseiramente o vão. Uma base extremamente sólida para um frágil ninho, mas suficientemente delicada para não interferir no projeto arquitetônico da dupla. Sim, uma ajudinha para a natureza. Certo ou errado?

Imediatamente após minha intervenção bateu um arependimento: e se eles não voltassem mais? E se esse vai e vem infrutífero fizesse parte do aprendizado indispensável para a sobrevivência deles? E se eles jamais forem capazes de fazer outro ninho? Já estava a ponto de desfazer tudo quando um deles voltou. Acho que a esposa. Olhou, olhou, caminhou sobre os arames. Inflou todas as penas e ficou em formato de galinha chocando... pareceu ter gostado. Bicou os arames e começou a fazer aquilo com o papo: uh-uh, uh-uh, uh-uh! Linguagem de pomba. Acho que chamando o marido para ver a maraviha de estrutura em aço, extremante atual e alinhada com as novas tendências! Entretanto ele não voltou. Ela chamou ainda mais um tempo mas... nada. Ela também partiu. Melhor um marido sem casa do que uma casa sem marido!

Lamentável. Mas, como esse não é o único lugar do quintal próprio para um ninho, decidi deixar ali minha opção de base para ninhos diversos. Vai que outro pássaro ache interessante? De qualquer forma, fiquei pensando sobre o que deve ter passado na cabeça do pombinho leso que rejeitou minha colaboração:

- Ninho tem que ser só de palha, senão não é ninho! Na minha família sempre foi assim e é assim que deve ser.
- Eu falei: só material reciclável! Mas ela nâo me escuta!
- Imagina o que os outros vão dizer? Que eu não sou capaz de construir minha própria casa?
- Ajuda sem pedir nada em troca? Tô fora!
- Um ninho durável assim? Ela pensa que vai me prender prá sempre?
- Na certa ela financiou isso aí e eu vou ter que arcar com as despesas depois!

E da pombinha lesa:
- Ele ficou com o orgulho ferido!
- Tive que desistir de botar ovos, mas eu o amo assim mesmo!
- Optamos por não ter ninho, assim podemos viajar mais!
- Uma pena! A proposta do arquiteto foi ótima, mas ele detestou!
- Era um ninho para a vida toda!
- Tentei até demais, mas ele não era pombo prá mim!

A Natureza é sábia! É?

domingo, 21 de março de 2010

Mulher é bicho triste!

Assisti ontem ao filme "Coração Louco" que deu o Oscar de melhor ator ao Jeff Bridges. Ele poderia ter levado o de melhor cantor, também, se existisse. Gostei da voz dele. Mas claro que não vou falar sobre o filme e sim sobre aquele aspecto que não é assim tão incomum fora da ficção: A mulher que se envolve com o bebum.

Coisa inacreditável. Sempre tem uma bocó que acha o pinguço decadente interessante. Ô bicho triste! A Maggie Gyllenhaal (irmã do igualmente comível - não, ele é mais comível - Jake Gyllenhaal) é uma repórter que tem uma vida estável, com um filhinho de 4 anos a algumas más experiências com homens. Aí entrevista um cantor decadente, porcalhão, velho e bêbado e se apaixona pelo cara. Por quê? Ora, porque as mulheres são assim. Umas panacas que querem, em tese, ser respeitadas por suas qualidades que transcendem o lado físico, algo como inteligência, bom senso, criatividade, independência, iniciativa... Mas no fundo, o que elas querem mesmo é um homem com pegada. Com um quê de canalha, de preferência, para apimentar a relação.

Mulher gosta de homem que faz bobagem, que não dá prá confiar, que cause, de preferência, muita incomodação. Ou ela não teria deixado o filho sozinho com um beberão de 57 anos em um parque. Aí a coisa fica boa. Ela tem um rosário de reclamações para fazer. E pode se comparar com ele e se sentir superior.

Taí. Acabei de desenvolver esta tese. Mulher gosta de homem idiota porque aí ela parece melhor. Tudo uma questão de auto-estima. te contar... Então passa um tempão, o cara toma jeito, pára de beber, começa a ganhar uma grana, reconhece a própria insignificância e... não serve mais prá ela. Ela já arrumou um outro. No filme a gente não fica sabendo quem é o cara, se ele presta ou não, mas já posso adivinhar. Se ainda não deu, daqui a pouco vai dar uns sopapos nela!!

sábado, 13 de março de 2010

Certinho do Lalau

SIM para todas as perguntas sobre o filme! Canalhas merecem SURRA!
Incosequência nunca deve tomar o lugar da consequência, mesmo que você
escolha o outro caminho... Isso é uma regra! Antes que diga que regras são
feitas para serem quebradas... digo que são feitas para serem cumpridas...
OK!

O texto acima foi enviado por um leitor - ou pelo leitor - do meu blog, diretamente ao meu e-mail. Ele se refere a minha segunda postagem, a respeito de um dos personagens do filme Educação. Obviamente não comungamos da mesma opinião, mas fiz questão de registrar aqui sua indignação.

E já que tocamos neste assunto, indignação, lembrei de um texto que li há algum tempo de um médico - psiquiatra - que era abandonado com indignação por seus pacientes quando lhes sugeria que, para combater a depressão, arrumassem um amante. Amante? Que horror!!! Que absurdo! E saíam porta afora sem dar tempo ao estudioso da mente humana de explicar que com a palavra amante - credo - ele queria descrever todo o tipo de atividade prazerosa para alguém. Atividade esta que pode até mesmo ter o caráter mais literal da palavra, envolvendo sexo ou romance, mas que vai muito além. Pode ser praticar um esporte, escrever, pintar, dar aulas, criar um animal de estimação... Fazer algo que realmente seja bom de fazer. Mesmo que algum Certinho do Lalau venha dizer que é errado, ou que é bobo, ou que não tem utilidade prática...

Mas já estou fugindo do ponto em que eu queria chegar. Voltemos à indignação: será que todas essas pessoas que se indignaram com a menção a um amante estavam realmente indignadas? Penso que não. E só por alto posso relacionar diversas possibilidades: Algumas efetivamente tem amantes e simulam indignação. Outras não tem mas adorariam ter. Haverá aquelas que não tem, não pretendem ter, mas sem nunca terem pensado muito nisso seguem o senso comum e expressam uma indignação copiada, ou que acham que é apropriada para o momento (essas são as piores). Outras associam a palavra a pecado e - Deus o livre - não querem nem pensar nisso... Indignação e amante. Palavras que, como todas, a depender da compreensão do sujeito, podem ter diferentes significados.

Bem assim as atitudes.

Para encerrar, ainda às voltas com palavras, é prudente evitar algumas, já que vivemos sob telhados de vidro. Sempre e nunca são perigosíssimas...


quarta-feira, 10 de março de 2010

Educação

Acabo de assistir ao filme Educação. Um visual retrô interessante. E, fugindo das análises óbvias (críticas profissionais e amadoras) paro e penso na atitude do cara. Agiu errado? Era um canalha? Um imoral? Senti alguma empatia, confesso. Ele era um inconsequente. E isso é ruim? Será que agir sempre com um propósito é assim tão necessário? Acho mesmo que ele estava apaixonado de verdade. E só pediu a garota em casamento num momento limite, em que ele estava enciumado e percebendo que podia perdê-la. Não só para o amigo, mas para o mundo, para a vida. Ele a achava realmente especial. Ok, ela sofreu, atrasou em um ano seu ingresso na universidade. E daí? Ela amou cada minuto! Então acabou. Cada um para seu lado. Ótimo! Umas lágrimas para reorganizar os pensamentos e a vida segue. Ou seria melhor ter passado sem isso? Talvez minha herança genética me faça compreender o lado canalha dos homens mas, convenhamos, bem que ela gostou!!!

Coisa e Tal

"Pelo prazer de publicar e sonhar que alguém leu!"

É preciso outra razão para ter um blog?