Há cerca de duas semanas comprei um violão. Não sou absolutamente neutro quanto a aspectos musicais. Fiz algumas aulas de violão lá pelos meus oito anos. Até participei de um programa de TV onde a Tia Suzi escolhia três calouros que se apresentavam e eram classificados por alguns jurados infantis. Nas minhas três participações fiquei em terceiro lugar (!) o que talvez tenha desestimulado minha carreira artística.
Mas fugi do ponto. O fato é que nessa época aprendi alguns acordes elementares, aqueles que minhas pequenas mãos conseguiam alcançar no braço do violão: Lá maior, Lá menor, Lá 7, Ré maior, Ré menor, Mi, Sol, Dó maior.
Fá e Si, nem pensar. Exigiam pestana.
Antes que eu crescesse, e não se cresce em alguns meses, pelo menos não muito, e conseguisse realizar as pestanas com alguma desenvoltura, me desinteressei pelo violão e abandonei as aulas da professora Odete, uma senhora muito baixinha, com uns traços de nanismo, que me desagradava por completo.
Bem, isso aconteceu no período jurássico. Agora, morando eternamente numa casa de praia, me pareceu que um violão cairia bem. E com a Internet ofertando todo o tipo de ajuda... por que não? Escolhi um modelo com o braço fino, para afastar de vez o fantasma das pestanas e com um afinador eletrônico acoplado. Perfeito. E vamos à Internet procurar um professor que agrade.
Aí vem a novidade. Cadê o Lá, o Ré e o Mi? Foram substituídos por letras. A partir do Lá começaram a renomear A, B, C... e as músicas com letras cifradas estão todas com essas malfadadas maiúsculas que confundem meu cérebro enferrujado.
Decido tentar esquecer as antigas referências, mas... resistência. Resistência a algo que mudou. Dificuldade mesmo. Vontade de estrangular quem inventou essa porcaria de simbologia. Por quê? Estava tão bom antes? Mudar prá que?
Percebo a inutilidade dessa ranhetice quando um amigo, uns mil anos mais jovem, fala que sempre foi assim. Como assim, cara pálida? Sempre uma pinóia! E adianta reclamar? Nada! Sei bem disso. Mas cada vez que eu vejo aqueles bracinhos de violão com as marcações dos locais onde se devem colocar os dedos apresentando um A7, um B# ou um D, dá uma raiva!! E aumenta minha resistência.
Bem, noutro dia falei do despencamento inevitável da pele. Agora falo do endurecimento inevitável do cérebro. Endurecimento sim. O termo vem de cabeça dura. Creio que com o passar dos anos o corpo amolece e a mente endurece. Que slogan... Mas não tem tudo a ver? Ou muito a ver, já que tudo é um pouco absoluto demais?
Corpo duro, cabeça mole. Corpo mole, cabeça dura.
É elementar, meus caros.
E resistência é uma faca de dois gumes.
Ando resistindo a sair de casa para fazer coisas chatas. Por que jantar com um grupo que só fala coisas que não me interessam ou não me agradam? Há algum tempo saía todas as noites, achava que estar com muitas pessoas me tornava alguém melhor. Agora resisto a isso.
Resisto a ir ao cinema aqui na praia. Como me concentrar no telão se alguém ao lado tirou o chinelo (sim, aqui se vai de chinelo ao cinema - e a praticamente qualquer lugar) e colocou os pés cheios de dedos sobre a poltrona ao me lado? Como me emocionar com uma cena se o vizinho está ao celular explicando para a mãe, que acabou de ligar, que ele está no cinema e não pode falar agora?
Resisto ao sim. O não está muito presente em meu vocabulário. Não, não quero jantar. Não, não quero dividir o dinheiro do presente. Não, não quero fazer essa viagem com um monte de pessoas chatas.
Resisto a pessoas que mentem descaradamente. Cansei. Perdi a vontade de entender porque elas fazem isso. Não que eu não minta. Minto, como todos. Mas escutar mentiras desnecessárias, me poupe. Me deixe só. Prefiro meus cães.
Não tenho pressa e muita coisa me interessa, mas estou selecionando. Não vai dar tempo prá tudo. Assim, só vou parar de resistir a algumas coisas, àquelas que acho que valem a pena.
Vou parar de resistir às maiúsculas das aulas de violão.
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