terça-feira, 31 de agosto de 2010

Shake e Cilício?

Sim, shake (ou xeique, na língua pátria) e cilício. Ambos são usados para mortificar o corpo, para expirar alguma culpa. Ambos são ineficientes. Ineficazes. Bobos.
Mais ou menos como dar uma moedinha para o guri no semáforo. Não vai resolver o problema dele, mas faz o doador sentir-se uma pessoa boníssima.

Aí vai o gorducho trocar uma refeição, de preferência o almoço, por um shake. Horrível. Mas que ele jura que é uma delícia. Por quê? Para ficar em dia com sua consciência, para fingir para si mesmo que está se cuidando. Para não ter que fazer a conta básica de mais e menos que é essencial: comeu mais, tem que gastar mais. Tem que se exercitar, tem que caminhar, tem que fazer alguma atividade física que vai além de levantar o copo de shake. Se não vai gastar, tem que comer menos. Menos açúcar, menos carboidratos, menos cerveja... Não consegue fazer nem uma coisa nem outra? Então aceite o corpinho fora do padrão que alguém inventou. Apenas procure se manter saudável. E coma coisas deliciosas!

Ainda assim não está dando certo? Ok, então tente o cilício. Para quem não leu o livro do Dan Brown, O Código Da Vinci, cilício é uma espécie de cinto feito de um material que machuca a pele, que o sujeito usa como uma forma de sacrificio pessoal. No livro um monge albino, que provocava arrepios, usava o cilício em volta da coxa e de vez em quando dava uma apertada, para sentir uma dorzinha mais forte, garantindo assim punição suficiente para quasiquer faltas que eventualmente tivesse cometido ou viesse a cometer. Deu vontade de comer um bolo enorme de chocolate? Aperte o cinto de cilício! Pensou em morangos com chantily? Cilício no corpitcho! Não pensou em nada, mas sabe que vai dar preguiça de caminhar amanhã de manhã? Tome cilício outra vez. Ao final de um mês e com algumas cicatrizes a mais (por isso recomendo o uso do instrumento de auto-flagelação em um lugar discreto do seu corpo) é muito mais provável que você estabeleça uma relação proveitosa com a balança do que tomando shake. Com a vantagem de que você pode oferecer esse sacrifício a algum santo, em troca de um benfício qualquer, matando assim dois coelhos com uma única cajadada.

Se os argmentos acima não foram suficientes, acrescento outro: reza uma lenda que as pessoas que vendem o tal shake milagroso não tem interesse na autonomia alimentar dos seus clientes. A última coisa que eles querem, é que o fofinho emagreça para sempre e siga sua vida desfrutando dos prazeres da boa mesa e longe da saborosa gororoba (argh!). Por isso é que tratam de criar uma atmosfera mística em torno dos adeptos do produto. E eu garanto: reconhecer que é uma porcaria almoçar uma coisa que não precisa ser mastigada não é um desvio de conduta. E revelo: Ninguém gosta, viu? Só não tem coragem de ser o primero a admitir.

Será de bom tom confessar que nunca tomei shake, tampouco usei cilício?

domingo, 29 de agosto de 2010

A ética do xixi

Terminei meu último post falando em dilemas éticos. Pois bem, para abordar esta questão, temos que antes nivelar um conceito que era polêmico até entre os filósofos gregos, lá no tempo de Platão, Aristóteles, Epicuro...

Acho mais fácil dizer o que não é ética: não é lei e não é moral. É outra coisa, que anda bem pertinho de ambas o que, em alguns casos, pode levar a uma compreensível confusão.

Leis são feitas por homens, com o explícito propósito de organizar a vida em sociedade. Leis significam que escreveu não leu... E elas mudam. Porque a sociedade evolui, porque mudam as necessidades humanas, porque mudam os interesses de quem as faz. Até ontem casamento era para sempre. Hoje é um contrato facílimo de desfazer (estou falando no aspecto legal, claro).

A moral é mais ampla do que a lei. Também é um conjunto de regras de convivência, só que ditadas pelos costumes e que em tese, repito, em tese, não vem de fora. É imposta por um dever de consciência e não pode ser cobrada por ninguém. Estas regras também mudam, porque a sociedade evolui, porque mudam as necessidades humanas, porque mudam os interesses daqueles que detém de alguma forma o poder de inculcar nas mentes dos seus semelhentes, os conceitos de certo e errado a exemplo das igrejas. O sexo por prazer não é proibido por lei mas para alguns indivíduos não é moralmente permitido (pobres deles). Dá para ver que a moral, assim como a lei, é para quem não pensa. Não reflete. Só executa.

A ética está um degrau acima. É para quem pensa. Ser ético ou agir com ética exige reflexão. Também tem a ver com a vida em sociedade. Mas quem não agir de forma ética não vai, necessáriamente preso ou para o inferno. Aliás, viver sem ética pode até ser bem vantajoso.

Não preciso dizer que estes conceitos estão resumidíssimos, mas não vou me estender pois vou acabar falando besteira. Os especialistas de plantão (e sei que há pelo menos um entre meus leitores) que me corrijam se o caso a seguir relatado não é uma fiel demonstração de ética:

Na empresa onde trabalho, há um banheiro mais reservado, lá no cantinho, onde há um único vaso sanitário. Noutro dia estava quase tocando a maçaneta da porta quando ela se abriu. Saiu de lá minha colega, S.. Trocamos amabilidades e entrei. Como todos sabemos, as mulheres, quando vão ao banheiro, seja qual das duas atividades decidam realizar, ao final usam sempre papel higiênico. Fato. Conclui e olhei para o nicho do papel e lá estava um rolo. Novinho. Intacto. Com aquela colinha que demonstra tratar-se de um rolo virgem. Que lindo! A prova de que S. usara o rolo anterior até o final e, ao invés de deixar aquele cilindro de papelão como armadilha para o próximo usuário, repusera o papel. A ética do xixi. Quiçá do cocô. Provavelmente nunca saberemos. Mas ética. Nenhuma lei a obrigava a fazer isso. Tampouco uma moral judaico-cristã a faria temer arder eternamente ao lado do também S.. Aquele foi um comportamento ético.

E a ética pode mudar de um momento para o outro? De um grupo social para outro? Claro que sim! Porque a sociedade muda, porque as necessidades humanas mudam, mas não porque uns políticos escasquetaram de penalizar ou descriminalizar determinado comportamento, nem porque os padres,pastores, bispos e o escambau tem novas necessidades financeiras ou de poder.

Para estar sempre eticamente em dia, acho que a melhor forma é agir com os outros como gostaríamos que os outros agissem conosco. Isso funciona independente do credo, cor, extrato social: Eu gostaria de descobrir, ao fim de tudo, que não tem papel higiênico? Não! Isso nunca!! Então vou colocar um rolo novinho para quem chegar!

E agir sempre de forma ética é bom? Vejamos... bom para quem? Aí já é outra história.
Mas e o dilema ético? Esqueci! Fica para a próxima.

sábado, 21 de agosto de 2010

Verdadeiro, bom e útil

Há muitos anos li, não lembro onde, uma historinha de um Mestre Zen (seja lá o que isso signifique) que falava para seu pupilo guardar o silêncio. Só deveria falar se aquilo que tivesse a dizer passasse antes por três filtros: O da verdade, o da bondade e o da utilidade. Tem certeza de que é verdadeiro? Não? Então não fale, pois espalhará a mentira. Se tem certeza de que é verdade o que vai ser dito, pergunte-se: É algo bom? Se não for bom, mesmo que verdadeiro, não fale. Mas se for verdadeiro e bom, antes de quebrar o silêncio, ainda se pergunte: Será, essa informação, de alguma forma útil?

Pois em função do filme do qual falei no texto anterior, lembrei desses filtros. As pessoas, ainda que falem somente a verdade, não precisam dizer certas coisas. Quer por não serem coisas boas quer por não serem úteis.

Imaginemos que, num passe de mágica, esses filtros fossem instalados em todas as pessoas. Como num programa de computador, automaticamente, tudo o que fôssemos dizer seria verificado e só sairiam as palavras que tivessem recebido sim para os três quesitos. Que silêncio tomaria conta do mundo! Haveria uma pandemia de mudez seletiva.

Pensa só: Oi, tudo bem? Tudo bom. Após a filtragem ia ficar asim: Oi. Oi.

Oi, tudo bem?
Mentira: Você está pouco se lixando para essa sua vizinha mal-humorada, que errou feio no make up. Por que vai perguntar se está tudo bem?

Tudo bom.
Mentira! A verdade é que ela está com uma cólica daquelas, não dormiu a noite toda, está se sentindo horrível porque não conseguiu disfarçar as olheiras profundas nem com dois quilos de maquiagem e tem uma reunião chata daqui a pouco. Não está nada bem.

E quando ela chegasse no trabalho não ia falar para a colega ao lado: Menina, passei uma noite péssima, mal dormi de tantas cólicas. Não ia dizer nada, pois é verdadeiro, mas não é bom. Tampouco útil. Nem a colega ia contar que adotou um gato de rua ontem. É verdadeiro e bom. Mas cadê a utilidade de contar isso? Iam se olhar e sorrir. Silêncio.

Mas isso pode ser bom? Já que não há um microchip com esse programa (pelo menos não que eu saiba) tento, vez por outra, aplicar de forma deliberada estes filtros politicamente corretos ao meu falar. No mais das vezes, depois que já saiu, percebo que infringi uma, duas ou três regras. Complicado pensar antes. Mas, quando consigo, acabo em dúvida: se é verdadeiro e divertido, pode ser considerado bom e útil?

É um dilema ético. Mas dilemas éticos ficam para o próximo texto.

A invenção da mentira

Assisti ontem a um filme com o seguinte título em português: O primeiro mentiroso. O argumento é muito interessante. Em um mundo onde não existe ainda a mentira, onde todos confiam em tudo o que é dito por qualquer um, uma pessoa fala uma coisa (como ele inicialmente define, já que não exise a palavra mentira) que não é.

Mentira é mesmo isso: falar uma coisa que não é.

E é hilária a forma trágica como as pessoas dizem as coisas mais verdadeiramente horríveis umas para as outras, e ninguém se magoa, pois sabe que não é maldade, é apenas verdade.

Na nossa sociedade seria impensável a bonitona que abre a porta para o gordinho, com quem marcou um jantar, dizer: Fiquei muito desapontada com a sua aparência! Ou a colega de trabalho, ao ver a foto do filhinho da outra dizer: Mas como ele é feinho! E essas orelhas de abano! Que triste. A verdade é que provavelmente elas pensariam isso. Mas jamais ousariam cometer tais grosserias. A verdade traz consigo uma dureza que pode machucar.

O filme apresenta situações muito comuns no dia-a-dia e é impossível não se identificar com algumas.

Mas o mais interessante é quando ele aborda o cinema. Não tinha ainda pensado, mas o cinema é mentira por excelência. E a literatura também. De modo geral, todos os romances, livros, filmes, falam de algo que, como diria o protagonista, não é. São histórias inventadas. Ficção. Coisas que não existem. Claro, temos os documentários, que falam de coisas que são. E que normalmente provocam algum tipo de desconforto, justamente por esfregarem de forma desagradável a realidade no nosso nariz.

Tive um colega na faculdade de Direito, o Homero, que se recusava a ir ao cinema porque era levado, dizia ele, a se emocionar com uma coisa que não era real. Sofria ou se alegrava por um motivo inventado. E se recusava a tristeza ou felicidade que não fossem autênticas. Eu achava aquilo o ò. Cara mais esquisito! Justamente o bom do cinema é isso, experimentar emoções alheias.

Na terra do filme em questão, cinema se resumia a contar da melhor forma possível, a história da civilização. O que realmente aconteceu um dia. E nada de algo baseado em fatos reais. Não. Sem mentir, só dá para falar dos realíssimos fatos. Coisa mais sem graça.

Entre outros aspectos, também fala de Deus, das crenças. Como acreditar em uma vida após a morte se não dá para inventar nada? Se ninguém cogita, se ninguém duvida, se ninguém questiona?

Enfim, vale a pena conferir. E depois fazer uma pequena discussão que, na falta de um parceiro cinéfilo, pode ser até mesmo entre o Tico e o Teco: em um mundo sem mentira, seríamos mais felizes?