sexta-feira, 28 de maio de 2010

Resistência

Há cerca de duas semanas comprei um violão. Não sou absolutamente neutro quanto a aspectos musicais. Fiz algumas aulas de violão lá pelos meus oito anos. Até participei de um programa de TV onde a Tia Suzi escolhia três calouros que se apresentavam e eram classificados por alguns jurados infantis. Nas minhas três participações fiquei em terceiro lugar (!) o que talvez tenha desestimulado minha carreira artística.

Mas fugi do ponto. O fato é que nessa época aprendi alguns acordes elementares, aqueles que minhas pequenas mãos conseguiam alcançar no braço do violão: Lá maior, Lá menor, Lá 7, Ré maior, Ré menor, Mi, Sol, Dó maior.
Fá e Si, nem pensar. Exigiam pestana.

Antes que eu crescesse, e não se cresce em alguns meses, pelo menos não muito, e conseguisse realizar as pestanas com alguma desenvoltura, me desinteressei pelo violão e abandonei as aulas da professora Odete, uma senhora muito baixinha, com uns traços de nanismo, que me desagradava por completo.

Bem, isso aconteceu no período jurássico. Agora, morando eternamente numa casa de praia, me pareceu que um violão cairia bem. E com a Internet ofertando todo o tipo de ajuda... por que não? Escolhi um modelo com o braço fino, para afastar de vez o fantasma das pestanas e com um afinador eletrônico acoplado. Perfeito. E vamos à Internet procurar um professor que agrade.

Aí vem a novidade. Cadê o Lá, o Ré e o Mi? Foram substituídos por letras. A partir do Lá começaram a renomear A, B, C... e as músicas com letras cifradas estão todas com essas malfadadas maiúsculas que confundem meu cérebro enferrujado.
Decido tentar esquecer as antigas referências, mas... resistência. Resistência a algo que mudou. Dificuldade mesmo. Vontade de estrangular quem inventou essa porcaria de simbologia. Por quê? Estava tão bom antes? Mudar prá que?

Percebo a inutilidade dessa ranhetice quando um amigo, uns mil anos mais jovem, fala que sempre foi assim. Como assim, cara pálida? Sempre uma pinóia! E adianta reclamar? Nada! Sei bem disso. Mas cada vez que eu vejo aqueles bracinhos de violão com as marcações dos locais onde se devem colocar os dedos apresentando um A7, um B# ou um D, dá uma raiva!! E aumenta minha resistência.

Bem, noutro dia falei do despencamento inevitável da pele. Agora falo do endurecimento inevitável do cérebro. Endurecimento sim. O termo vem de cabeça dura. Creio que com o passar dos anos o corpo amolece e a mente endurece. Que slogan... Mas não tem tudo a ver? Ou muito a ver, já que tudo é um pouco absoluto demais?

Corpo duro, cabeça mole. Corpo mole, cabeça dura.
É elementar, meus caros.

E resistência é uma faca de dois gumes.

Ando resistindo a sair de casa para fazer coisas chatas. Por que jantar com um grupo que só fala coisas que não me interessam ou não me agradam? Há algum tempo saía todas as noites, achava que estar com muitas pessoas me tornava alguém melhor. Agora resisto a isso.

Resisto a ir ao cinema aqui na praia. Como me concentrar no telão se alguém ao lado tirou o chinelo (sim, aqui se vai de chinelo ao cinema - e a praticamente qualquer lugar) e colocou os pés cheios de dedos sobre a poltrona ao me lado? Como me emocionar com uma cena se o vizinho está ao celular explicando para a mãe, que acabou de ligar, que ele está no cinema e não pode falar agora?

Resisto ao sim. O não está muito presente em meu vocabulário. Não, não quero jantar. Não, não quero dividir o dinheiro do presente. Não, não quero fazer essa viagem com um monte de pessoas chatas.

Resisto a pessoas que mentem descaradamente. Cansei. Perdi a vontade de entender porque elas fazem isso. Não que eu não minta. Minto, como todos. Mas escutar mentiras desnecessárias, me poupe. Me deixe só. Prefiro meus cães.

Não tenho pressa e muita coisa me interessa, mas estou selecionando. Não vai dar tempo prá tudo. Assim, só vou parar de resistir a algumas coisas, àquelas que acho que valem a pena.

Vou parar de resistir às maiúsculas das aulas de violão.

sábado, 22 de maio de 2010

Mentiras sinceras me interessam...

Mulher! Nem consegui dormir direito pensando naquilo que você contou! Como é que você sai correndo e deixa o cara lá, sem dizer palavra? Te contá, hein, Claudinha! Ainda mais um aleijado. Deus o livre! Isso não se faz, visse? E logo um desses, todo bonzinho, que você já conhecia tão bem. Pensa que homem dá em árvore, é? Mas se não chamar de aleijado chamo de quê? Olha que você tá ficando mais é besta, visse? Deficiente. Tá bom. Deficiente. Mas me conta o que deu na tua cabeça. Pois eu sei que ele mentiu. Escondeu que era ale... deficiente. Mas vai saber o que ele pensou. Como não podia? E você não mentiu nunquinha prá ele? Mulher!! Eu te conheço, corto um dedinho se você contou tudo prá ele, tintim por tintim. Duvideodó! Ah! Bonito. Você podia ter medo que ele desse o fora se soubesse de tudo, mas ele não podia. Sim, concordo. Se ele mentiu isso, também pode ter mentido sobre o dinheiro, a profissão, o vidão... mas não é fugindo que você vai saber se é ou não é verdade. Tinha que ter dado uma chance pro pobre se explicar. E para com isso. Cara feia prá mim é fome. Só porque sou sua amiga não significa que eu vou achar todas as besteiras que você faz bonitinhas. Cuida! Para de se mexer que vai borrar o esmalte outra vez e eu não vou mais ajeitar! Tá chorando por quê? Ainda bem que arrependimento não mata. É só ir lá na lan house e mandar uma mensagem dizendo que fez bobagem. Pedir perdão. Claro que ele vai aceitar. Homem é tudo mole. E ainda mais ele, que não deve ser muito cheio de mulheres... Chega de lamúria, Claudinha. Queria o quê? Um príncipe encantado montado num cavalo branco? Vai ficar dando uma de orgulhosa e passar o resto da vida enfiada naquela enfermaria, trabalhando que nem burro de carga, prá chegar no final do mês e o dinheiro dar só para pagar as contas? E daí se ele não puder transar! Não é você que vive dizendo que não gosta? Que se não fosse precisar de um extra de vez em quando mandava aquele médico velho pastar e não dava prá mais ninguém? Pense. Vai ser até bom. Não adianta, nada que você me diga vai me fazer mudar de idéia. E se você não estivesse arrependida não estaria aqui jogando conversa fora. Pena de você? Nada! Pena eu tenho é dele! Olha Claudinha, se isso que você está me dizendo é mesmo verdade, que você estava gostando dele, que já pensava até em casar, em ficar com ele prá sempre, então vai à luta, colega. Não é todo dia que aparece uma oportunidade dessas. Claro que não é o que você sonhou! E por acaso já se viu alguém rezando para aparecer um aleijado? Tá, desculpa! Saiu sem querer! Mas e se ele é mesmo tudo o que disse? E se todo o resto for verdade? Ele não vai esperar prá sempre, visse? Agora apóia a cabeça aqui para eu dar jeito nessa sobrancelha.
...
...
Para: Luiz Claudio Cerqueira Albuquerque
Assunto: Desculpa?

Mentiras Sinceras

Pois é, Lopes aconteceu outra vez. Como não devia? Até parece que você não me conhece? Desde o acidente, quantas fugiram logo no primeiro contato? Só tentei mudar o modus operandi. Com a melhor das intenções. Não, não contei quando eu percebi que estava ficando sério, como você me aconselhou. Você até podia estar certo. Mas e se não estivesse? Faz vinte anos, dois meses e seis dias que estou assim. Com você me assistindo. E dá para contar nos dedos, corrijo, dá para contar nos indicadores as mulheres que se interessaram um pouquinho por mim. Sim, não adianta repetir. Não consigo parar de contar os dias desde que... Tá. Já parei. Só quero registrar, ou pontuar, como você gosta de falar, que não é autocomiseração. É apenas constatação. Estou aqui, preso, com uma cara linda e um corpo podre. Um cérebro ágil e um pinto mole. Sim, claro, funciona! Vamos combinar, Lopes! Quando ele quer! Não, já passamos dessa fase de alguém ficar me dizendo que podia ser pior. Cessou! Mais uma palavra e saio desse consultório correndo. Rodando, no caso. Desculpa, meu humor negro não pede permissão para se manifestar. Nem mesmo quando a vítima sou eu. Mas vamos pular essa parte do aleijadinho rico e sortudo. Decidi fazer mais umas sessões só para falar da Cláudia. Porque você é obrigado a me ouvir. Meus amigos não me aturam mais. Não, tudo menos seus conselhos, só quero que você escute. Sim, houve um encontro. Um. Que na verdade nem foi bem um encontro. Ela me olhou. Percebi que os olhos dela brilharam ao me ver. Tenho certeza que ela gostou do que viu. Eu? Bem, pelo que ela falava, era bem mais alta, mais magra, tinha um cabelão liso. Não. Não que fosse feia. Mas achei-a um tanto vulgar. Um decotão escandaloso demais. Cabelo esticado, sei lá, aquilo que todas as mulheres fazem agora. Bonita, mas meio cheinha. Nada que um bom banho de loja não resolvesse. O essencial era que em todo esse tempo em que trocamos e-mails ela me passou uma impressão tão de... de alma gêmea. Sim, soa piegas, mas era como eu me sentia com ela. À vontade. Em casa. Sem frescuras. Pois não te falei? Foram seis meses. Não, detesto MSN e todas as suas abreviaturas. Só e-mail. Muitas vezes dois ou três por dia. Sabia tudo o que acontecia com ela, era como se eu vivesse a sua vida. E, confesso, como se eu pudesse resgatá-la daquela batalha cotidiana. A vida dela não é fácil, sabe? Ela trabalha muito e recebe um salário pífio. Não, nunca me perguntou. Mas acho que pelo que eu contava de mim ela tinha como perceber que eu vivo bem. Sim, continuando com o fatídico dia do encontro, a cara que ela fez, Lopes, quando viu a cadeira... foi de lascar. Não me lembro de me sentir assim nem quando era guri. Lembrou-me a cara de decepção da minha mãe quando encontrou a tampa da bomboniere quebrada debaixo da minha cama. Foi horrível. Quis voltar no tempo e contar logo no primeiro dia em que nos encontramos no chat do curso de inglês. Preparei-me para a bronca, mas... a maluca saiu correndo. Não, não é força de expressão! Ela virou e saiu correndo do restaurante. Senti-me um bosta. E não deveria ter me sentido assim. Ela também mentiu prá mim. E muito. Sei que isso não é confessionário, mas vou falar. No final do primeiro mês usei minha influência – sim, do meu pai também – para investigá-la, descobrir quem era, o que fazia, só não quis fotos ou vídeos para não tirar todo o mistério. Adivinha Lopes. Todas as lembranças de infância com a família, o pai severo, a mãe amorosa... Tudo mentira! Ela nunca soube quem foram seus pais. Viveu até os 16 anos em um orfanato. Nunca foi adotada porque era uma criança gorda. Quando saiu de lá fez o que pode para sobreviver. Considere aí o que achar mais provável. Foi presa aos 18 anos. E aos 19 outra vez. Mora com duas amigas da época do internato, que ela chama de irmãs. Não, não vou contar o motivo das prisões. Importa que agora ela tomou rumo. Parei com as investigações e me concentrei em perceber nela o que era verdadeiro. O que havia além. Acreditei que juntos poderíamos dar certo. Caríssimo Lopes, naquele encontro tínhamos ambos muito a revelar. A diferença entre nós é que meu passado é impossível esconder.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Cláudio e Cláudia

Cláudio saiu mais cedo do trabalho. Tomou um banho demorado, fez a barba com capricho, abriu uma embalagem nova de cuecas que tinha comprado no free shop na volta da última viagem. Calvin Klein. Vestiu e sentiu uma leve ereção. Sorriu e se olhou no espelho. Gostou do que viu. Não fazia feio diante do modelo da embalagem das cuecas. Entre as dezenas de camisas que abarrotavam o closet do seu novo apartamento, escolheu uma azul clara, para realçar a cor dos seus olhos. Desnecessário, pois esse era um dos seus maiores trunfos com as mulheres, mas, pensou ele, melhor garantir. Não era dia para cometer deslizes. Sempre sorridente, e acompanhando o CD do Nando Reis que tocava, continuou a se vestir sem pressa. Havia tempo. Ele sempre fazia tudo de forma meticulosamene planejada.

Cláudia saiu às pressas do salão improvisado na casa da amiga. Tinha feito escova no cabelo originalmente cacheado e escolhido um tom fechado de vermelho para as unhas. Entrou em casa e foi direto para o quarto que dividia com as duas irmãs. Retirou do pequeno armário o vestido recém comprado, com pagamento parcelado em dez vezes, e achou melhor passá-lo a ferro. Queria estar perfeita hoje. Depositou-o com cuidado sobre a cama coberta com uma colcha de chenile, ao lado da calcinha nova. No chão as sandálias prediletas, reservadas apenas para ocasiões especiais. Entrou no chuveiro afastando com cuidado a cortina e fazendo um malabarismo para que a cabeça ficasse do lado de fora, evitando que o vapor desmanchasse a escova. Enrolada na toalha, espiou o relógio da cozinha e viu que estava em cima da hora. Como sempre.

- Seu Cláudio, o rapaz do lava jato tá aqui embaixo entregando a camionete. O senhor quer que guarde ou vai sair ainda hoje?
- Deixa aí na frente, Seu Severino. Já estou descendo. Obrigado.

- Chica! Teu irmão pode me dar uma carona pro centro?
- Bora Claudinha, que ele já tá saindo.

Cláudio conseguiu uma vaga na frente do restaurante. Se encaminhou para a mesa previamente reservada e pediu um cálice de vinho. De onde estava podia ver a porta. Mal podia conter a ansiedade de conhecê-la. Seis meses de trocas de e-mail. Conhecia aquela mulher mais do que qualquer outra na sua vida. Ela era perfeita. Ficavam horas teclando, falando sobre os mais diversos assuntos. Ela tinha o dom de desnudá-lo por inteiro. Com ela não havia limites. Tudo era possível. Seu trabalho na Procuradoria da República, que antes lhe representara o maior desafio já enfrentado, era nada perto do mundo de possibilidades que Cláudia tinha-lhe descortinado. Cláudia. Ambos riram muito com a coincidência de nomes. Ele sorriu e sorveu mais um gole.

Cláudia só calçou as sandálias quando estavam quase chegando ao restaurante que ela conhecia só de nome. Arrumou mais uma vez o decote do vestido que permitia notar seus belos seios. Meu maior patrimônio, pensou. Se bem que com Cláudio (muito engraçado termos o mesmo nome) o que menos importava era a aparência. Ele já sabia mais dela do que qualquer outro jamais soube. E tudo por meio da Internet. Ela, que adorava uma balada, tinha passado meio ano sem sair, apenas conversando diariamente com esse homem de quem tudo sabia. Até os segredos mais íntimos. Desceu do fusca e jogou o cabelo para trás. É aqui. E agora. Entrou.

É ela! Cabelo escuro, liso. Não é tão alta como eu pensava mas... que seios!
É ele! É mesmo lindo! E esses olhos!

- Cláudio? Ela se aproximou da mesa. O sorriso dele a deixou sem fôlego.
- Cláudia? Ele sorriu. E não levantou. Como não levantava há mais de vinte anos.

O sorriso no rosto dela se desvaneceu ao olhar para a cadeira de rodas.
O sorriso no rosto dele se desvaneceu ao perceber a gravidade do olhar dela.

Cláudia se afastou. A princípio lentamente. Depois se precipitou porta afora e correu pela calçada arruinando o salto das sandálias.

Cláudio baixou a cabeça e conteve as lágrimas. Pediu a conta e empurrou a cadeira até a porta do carro. Acomodou-se no banco e puxou-a para dentro de forma automática.

- Como ele foi capaz de mentir para mim desta forma? Eu confiei tanto nele! Por quê? Eu poderia aceitar tudo, até mesmo esse defeito físico, mas não uma mentira! Ele devia ter me contado!

- Como ela pode sair assim, sem me deixar explicar a razão desta omissão? Ela não podia ter feito isso comigo! Eu poderia aceitar tudo, menos incompreensão.

- Viu no que deu, Lurdinha, perdi seis meses com esse mentiroso! Homem é tudo igual.

- Olha, Pedro Henrique, valeu cada segundo. E não me arrependo. Tivesse contado logo, como das outras vezes, não teria vivido os seis meses mais maravilhosos da minha vida.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Abismo de Colágeno

Curioso como a diferença de idade é algo que incomoda mais às mulheres. Um homem de 45, 50 anos é capaz de se relacionar sexualmente com uma gostosona de 18 e não estar nem aí para a própria barrigona caindo prá fora das calças, para os cabelos grisalhos, para os pelos que aumentam a cada dia sobre a superfície do seu corpo, para as falhas nas unhas dos pés, para todas as evidências de que o tempo atuou sobre ele sem dó. Leva a garota prá cama e cráu, nem aí se ela está dando mais atenção para sua conta bancária do que para seu corpo em decrepitude e para seus dentes já não mais tão brancos. Se teve alguma insegurança na hora da conquista - será que ela vai me dar mole? - passada essa fase é só alegria.

Já uma coroa de 45, 50, não fica assim tão segura. Se para uma mulher madura é fácil levar no bico um guri vinte anos mais novo, a coisa muda de figura na hora do vamos ver. Ainda que a grande maioria dos seres do sexo feminino na faixa de 20 a 30 anos esteja hoje acima do peso, com uns corpos meio disformes, elas tem algo que a balzaca master, mesmo magra e interessante, já perdeu há algum tempo: colágeno. É fato. Sem ele a pele despenca. A pele, veja bem. A pele. O maior órgão do corpo humano! A pele desgruda do corpo todo de forma inexorável. E não há musculação ou plástica que dê jeito. Pode até ser que um corpitcho que já enfrentou quatro décadas mas está musculoso e sarado seja mais agradável à visão mas... bota a mão! Tá mole. Moooole. E o que dizer do carinha? Duríssimo. Uma rocha. Bom de se ver e de se tocar. O corpo todo uma delícia. Há, entre ambos, um abismo. De idade? Não, isso é o de menos. O abismo é de colágeno. De profundidade abissal.

É fato que os homens também perdem colágeno. Mas ganham pelos. E pelos firmam a pele. Claro que firmam, tome-se o caso das florestas que não sofreram desmatamento e que são menos afetados pela erosão. É uma lógica que a ecologia confirma. Mas, ainda que não firmassem, pelo menos disfarçam. Mulheres não. Estão sempre depiladíssimas. Lisíssimas. Devastadíssimas pelos efeitos inclementes do tempo. Uma mulher madura sente-se como uma gelatina. Parece durinha e apetitosa ao olhar, mas balança toda ao ser tocada.

Gianecchini e Ashton Kutcher, que são experientes nestes assuntos, garantem que não tem o menor problema com a consistência das suas parceiras, mas será que as parceiras tratam isso assim, de forma tão desencanada?

E aí estão as evidências, para quem quiser ver. Está assim de homens caquéticos transando enlouquecidamente com ninfas jovens e delicadas, totalmente alheios à gritante diferença entre a adesão (e a falta de adesão) de suas peles aos seus próprios corpos. Elas coladíssimas. Enquanto isso, está assim de quarentonas que adorariam desfrutar dessa liberdade que, como diria Lula, nunca antes neste país foi tão grande. Mas... temem balançar - literalmente.

A moral da história? É a falta de colágeno e não a vergonha na cara que impede que o mundo seja inteiramente povoado por Anas Marias Bragas e por Suzanas Vieiras.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Abandono?

Sem sono, com o pensamento saltitando de uma recordação antiga a outra recente, depois a um sonho mal sonhado, como sucede naqueles momentos em que tentamos não pensar em nada, estabeleço uma conexão entre dois relatos que, em tese, não tem qualquer ligação.

Uma amiga, em virtude de uma aula prática do curso de fisioterapia, ficou profundamente consternada com uma visita a uma instituição que trata de pessoas idosas com algum tipo de problema de locomoção. Viu por lá senhoras e vovôs necessitando de cuidados médicos mas, sobretudo, de atenção e carinho. Ficou particularmente emocionada com a declaração da sua paciente naquela tarde, que afirmou que ela (minha amiga) tinha sido a alegria do dia dela. Que sua mãe era uma pessoa abençoada por ter uma filha assim. Que ela (a senhora) tinha sido abandonada pelas filhos que até a casa dela tinham tomado e, heresia, a tinham deixado sem nenhum perfume. É de cortar o coração, não é? Uma vovozinha desprotegida e meiga, toda tortinha, abandonada pelos filhos desnaturados.

Conta-me um amigo, com lágrimas nos olhos que ele tenta disfarçar, das dificuldades que vem enfrentando com sua mãe, que lhe causa transtornos em função da sua dependência da bebida. Ele e os irmãos são constantemente surpreendido com alguma travessura da mãe que desaparece sem dizer onde foi e com quem está, que é encontrada embriagada na sala em meio a uma bagunça generalizada, que se comporta de forma inadequada, estando alcoolizada, nas situações mais diversas. Ele já tentou conversar, já brigou, já demonstrou tristeza extrema, já se mostrou compreensivo. Tudo inútil. Ela reincide no vício e isso já chegou a um ponto em que ele e os irmãos pensam em interná-la.

Não é difícil imaginar onde as duas histórias podem se cruzar. Não estou afirmando que a doce vovozinha que minha amiga tratou fosse uma pinguça inveterada que ninguém mais suportava, ou que ela fosse uma megera que perseguia os netinhos dando bengaladas, ou que... sei lá o que mais. O fato é que para pelo menos uns 85% da população mãe é mãe. E, ainda que não se pretenda passar o resto da vida grudado na barra da sua saia, tampouco se tem a intenção de dar fim a ela ou trancafiá-la em uma instituição do tipo depósito de idosos. Meu amigo começa a imaginar uma alternativa para a situação que está chegando ao limite. Insustentável é uma palavra difícil, mas tem sido a cada dia mais pronunciada por ele.

Por trás de todas as histórias de abandono, de alguém que desistiu de algo ou de alguém, sempre há uma forte razão que justifica esta decisão extrema. Sinto pena da velhinha da instituição, sinto pena do meu amigo e sinto pena da sua mãe. E também lamento pelos filhos da velhinha, sem nem sequer conhecê-los. Serão uns cafajestes que abandonaram a própria mãe sem qualquer remorso ou eles simplesmente chegaram a um momento em que entregaram os pontos e desistiram de tentar?

Assisti a um vídeo de uma escritora nigeriana onde ela fala da importância de sempre escutarmos as duas versões das histórias. Sob pena de ficarmos com a visão toldada e nos tormarmos incapazes de compreender o outro. Acato a sugestão e vou além. Acredito mesmo que para cada história haja mais de duas versões. Muitas vezes bem mais. É claro que não podemos investigar a fundo cada um dos episódios que nos emocionam de alguma forma, seja por amor, raiva, tristeza, indignação. Mas podemos deixar de lado idéias pré-concebidas de certo e errado, de bem e de mal, de inocentes e culpados. Sob pena de nos colocarmos, a nós mesmos, do lado errado da trincheira.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Cadeirante

Olá, cadeirante! Sim, tenho certeza de que todos os que estão lendo este texto já foram, ou ainda são, cadeirantes. Ou você nunca teve o desprazer de passar horas e horas colocando seu derrière em contato imediato de primeiríssimo grau com uma cadeira xexelenta de um consultório médico?

Pois é. Recentemente instalei um braço biônico e tive esta experiência mística de compartilhar um espaço pessimamente decorado com uma dúzia, ou mais, de seres aparentemente adaptados com este despropósito absurdo, que é ficar horas aguardando o supremo, fantástico, iluminado ortopedista. Falo ortopedista mas os médicos de todas as outras especialidades também gozam desta faculdade de fazer os demais simples mortais perderem seu tempo sem valor. Aliás, a palavra gozam está a parecer apropriadíssima para a situação. Só pode ser gozação com os pacientes. E agora entendo a palavra paciente. Vem de paciência. Santíssima paciência.

Prosseguindo: enquanto paciente, pacientíssimo, por sinal, observei os diversos centros de tortura pelos quais passei recentemente, o consultório do ortopedista e o do cardiologista. Colhi e comparei informações com cadeirantes recentes e a conclusão é que a maioria dos consultórios tem cadeiras dispostas como um cinema, ou um teatro, voltadas para um aparelho de TV ligado em algum canal de segunda categoria, com imagens meio desfocadas e volume altíssimo. Um aparador ou mesa com aquelas bombonas de água (que vem sabe-se lá de onde) e uma térmica de café. Copos descartáveis, uma lixeira daquelas que os copos cabem em um buraco grande ou pequeno, conforme água ou cafezinho, e vão ficando empilhados. Uma mesa com revistas de dois anos atrás folhadíssimas, aparentemente vetores dos mais diversos tipos de doenças, micoses, perebas em geral. O jornal do dia, que talvez de manhã tivesse forma e aparência de jornal. Ar condicionado gélido (ou frio de renguear cusco), provavelmente porque pessoas congeladas tendem a não se mover, não falar, e assim não reclamam. Umas secretárias meio pamonhas, que não se importam de trabalhar com aquela ruma de gente criando mofo ali na frente e que vem sem a tecla "penso" (as secretárias) pois são incapazes de organizar minimamente uma agenda. Ora, se o ocupadíssimo, importantíssimo e aguardadíssimo senhor dos ossos chega às 10 horas da manhã, porque é que a anta fala "é ordem de chegada, abrimos às sete"?

Cumé? O otário que não tem mais nada que fazer na vida precisa fincar a b... na cadeira três horas antes da criatura suprema chegar??? O panaca vai às sete para não ficar na fila? É isso? Será que aquele troço chamado agenda não fez parte da vida pregressa do curandeiro? Bem, inteligência rara, se eu consigo atender quatro bocós por hora, e vou trabalhar oito horas, vejamos... quatro vezes oito... trinta e dois pacientes. É um montão de gente. Ôba, então vou deixar todos eles furiosos ao mesmo tempo. Porque eu falaria para cada um vir em um horário diferente? Coisa complicada.

Creio que gastaram todos os seus neurônios na faculdade, estudando anatomia, farmacologia, 'medicologia'... faltou espaço para 'agendologia'. 'Respeitologia'. 'Horariologia'. Não consigo conceber que qualquer pessoa ache o tempo de outra tão desimportante assim. Que despreze o trabalho que ela exerce e que tem que deixar de lado para se dedicar a 'cadeiropatia' involuntária.

Perder tempo no consultório médico não é divertido. É horrível. É um saco. E é, sobretudo, desnecessário. Minha dentista é considerada uma general por ser rigorosíssima com os horários. Atrasou dez minutos? Ela não atende mais. Vai prejudicar o atendimento do paciente do horário seguinte. Certa ela. Por via das dúvidas, chego sempre um pouco mais cedo. Cadeirante voluntária. Aí eu gosto.