domingo, 27 de fevereiro de 2011

Do ninho à toca

Por mais que eu faça, nada muda a disposição destas rolinhas de habitarem meu pátio. Reconheço que se fosse uma dessas mini-pombas, também ficaria tentado a residir em um quintal florido, com diversas varandas e sem gatos (meus cachorros são essenciais na manutenção deste quesito).

No mês passado, durante a poda quinzenal das buganvíleas, tive que dar outra ajuda à natureza. Um casal de rolinhas fez um ninho tão pequeno e instável que eu quase não vi. Por pouco não derrubo aquele amontoado mal feito de palhinhas com dois diminutos ovos dentro. Um vento mais forte e os gêmeos voariam do ninho antes mesmo de sair dos ovos! Quando vi aquela situação precária, fixei o minúsculo ninho com pequenos galhos de buganvílea em forma de forquilha e subi um pouco as laterais com cipós de jibóia. Felizmente estas duas vidinhas foram preservadas e eles alçaram vôo no tempo certo, deixando a mini-casa para trás.

Ninho! Todos um dia tivemos um ninho. Grande ou pequeno, só nosso ou dividido com um ou um montão de gente, mas um ninho. Um lugar para começar. A isso chamamos de ninho. Ninho não é algo definitivo. Um dia será deixado para trás. Como para essas rolinhas. Os pais fazem de tudo por elas. Passam dias chocando os ovos, depois dando calor, afeto e comida. Em seguida dão as primeiras aulas de vôo e de como dormir em um galho, fora do ninho. Esses ensinamentos eu posso assistir de camarote. Imagino que depois eles também ensinem aos pimpolhos como obter comida. E é só. As rolinhas já estão prontas para o mundo! Assim também conosco. Uns mais cedo, outros mais tarde, acabamos todos deixando o ninho, como deve ser. Não é confortável, esse abandono, mas é definitivo.

Mas conosco acontece algo menos selvagem. Nosso desejo de liberdade é bem mais ameno. Saímos da casa dos pais, mas a lembrança do ninho pulsa forte para a maioria de nós. Sentimos falta da segurança e do conforto de um canto só nosso. Todavia voltar ao ninho é radical demais. Assim iniciamos a busca por um lugar com a nossa cara, com o nosso cheiro, com as nossas coisas. Queremos um lugar para voltar. Um lugar que não precisemos abandonar. Uma toca.

Poucas pessoas que eu conheço tem alma nômade e despreendida. Elas andam livres, leves e soltas pelo mundo afora. Habitam aqui e ali como barcos que ancoram em um e outro cais. Invejo-as? Não mais. Gosto de voltar no final do dia para a minha toca e repousar em silêncio e segurança. Minha toca é o lugar onde gosto de estar. Lembram daquela música?

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos, meus livros, e nada mais.

Ele quer uma toca!

Lá na chácara tem um quadro com a seguinte frase bordada em ponto de cruz: Lar é onde o coração está. Meu coração está um pouco no meu ninho e um pouco na minha toca.

Vou mandar bordar em ponto de cruz: Lar é ninho. Lar é toca.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ops! Foi mal!

Quem me conhece sabe bem as bobagens que costumo fazer. Dou mancadas tão grandes quanto inusitadas. Às vezes até eu me surpreendo. Relato aqui duas que aconteceram no período em que eu trabalhava em um banco.

Eu era caixa executivo, atendia bem e tinha uma especial habilidade com idosos. Uma santa paciência, para ser mais exato. E isso fazia com que os colegas mandassem aqueles casos mais... complicados (para ser politicamente correto) para o meu guichê. Ainda não havia código de defesa do consumidor bancário, nem era lei o atendimento preferencial. Só o que existia era sensibilidade e bom senso. E idosos e similares eram usualmente encaminhados para mim.


Bem, lá estava eu, autenticando coisas, quando a gerente ligou para meu setor e falou:

- Nestor, estou encaminhando um senhor aí. Atende ele antes dos demais, tá? Ele está de boina escura. Tens que tirar as digitais dele.

- Claro, chefinha.

Desliguei o telefone e localizei o sujeito de boina no meio dos demais clientes. Ele me olhou e eu, todo sorriso, fui saindo do guichê para atendê-lo em uma mesa, mais confortável. Então falei:

- O senhor pode dar um pulinho até aqui?

Ele retornou o sorriso e veio na minha direção... pulando!! Em uma perna só! A outra... não existia! Tadinho!! Por isso a gerente tinha mandado eu atendê-lo de forma especial. E eu pedi para ele "dar um pulinho"!! Que fora!!

Felizmente ele não percebeu a gafe. Adorou meu atendimento e saiu da agência bem contentinho. Pulando, como não poderia deixar de ser!

Noutra feita, devido ao meu talento para captar recursos, fui convidado para trabalhar por alguns dias em uma central de atendimento ao trabalhador, um tipo especial de agência que só atendia trabalhadores. Lá se efetuavam os saques nas contas de FGTS, muitas vezes bem polpudas. Esse era meu foco. Eu selecionava os maiores valores que seriam pagos naquele dia e os clientes eram enviados para mim.

Pois, entre outros, escolhi um valor bem expressivo, que seria pago a um cara relativamente novo, em função de aposentadoria por invalidez permanente. Lá só fala isso. Invalidez permanente. Não diz o que aconteceu com o sujeito. Eis que aparece o cliente. Sem os dois braços!

Sim, este post está meio bizzarro, concordo, mas é que essas duas mancadas me marcaram profundamente.

Prosseguindo: surge o cara com dois curativos em forma de bola nos ombros. Ele estava com uma calça estilo militar, com bolsos nas laterais e camiseta branca, sem mangas. Entrou. Foi encaminhado para minha mesa. Sorriu.
Eu sorri. Indiquei a cadeira, ele sentou. Fiquei aguardando que entrasse alguém que o estivesse acompanhando. Nada. Sorri. Ele sorriu.

Nos dois segundos que se sucederam. Tracei uma estratégia de atendimento para pessoas sem braços. Precisava agir naturalmente. Não podia pedir que ele assinasse nada. Não podia pedir para ele me entregar documentos. Bem. Era essa a estratégia. Super- executável. Bora lá. Analisei os valores, convenci ele de que era melhor abrir uma poupança, perguntei o que tinha acontecido, tudo muito natural.

Ele contou que trabalhava na companhia de energia elétrica e que tinha ido atender a um chamado de falta de energia em uma determinada quadra. Detectou o problema e soltou uns tais garfos, que ficam nos postes, para interromper o fluxo de energia e efetuar o conserto. Ocorre que enquanto ele estava no outro lado da quadra, com as duas mãos no fio, outra equipe foi acionada por outra pessoa, para a mesma ocorrência. Quando a segunda equipe avistou o poste sem os tais garfos, concluiu que o problema era este. Então, sem ver o caminhão em que meu cliente trabalhava, ligou os garfos novamente, reestabelecendo a corrente de alta tensão. Ele teve os dois braços carbonizados na hora.

Fiz aqueles comentários padrão: que horror, que fatalidade, essas coisas, mas sem exageros, pois o cara não estava ali para ser protagonista de nenhum circo de horrores. E continuei com os trâmites, preenchendo a ficha de abertura de conta na máquina de escrever (sim, máquina de escrever, um equipamento revolucionário que vai imprimindo à medida em que a gente digita).

Na hora dos documentos, perguntei onde estavam, ele falou que estavam no bolso direito da calça. Pedi se podia pegá-los. Claro! Ele se levantou, para facilitar. Na hora da assinatura perguntei se ele desejava que o procurador do INSS assinasse ou se queria que eu deixasse a ficha para regularizar mais tarde. Ele ficou com a segunda opção, pois acreditava que em breve estaria apto a assinar, usando uma prótese. Ok.

Tudo muito bem, atendimento nota dez, cliente captado, ficha preenchida, documentos devolvidos ao bolso lateral. Ambos de pé, para as despedidas, e eu... estico a mão para cumprimentá-lo!!! Como? Estiquei o braço! E, o que é pior, ele inclinou o ombro, como se fosse me dar a mão inexistente. E agora, tia Chica? Braço esticado, girei o polegar para baixo e apertei levemente o pom-pom do braço direito dele, fazendo um leve movimento para cima e para baixo.

Nos olhamos constrangidos e ele quebrou o gelo: Eu também esqueci!

Soltei o pom-pom e ele endireitou os ombros. Agradecemos, um ao outro, quase ao mesmo tempo. Sorrimos e nos despedimos novamente. Desta vez só com um um movimento de cabeça.

Gente, que mancadas! Entenderam agora o que eu quis dizer quando falei grandes e inusitadas???

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Lutador

Mais um filme que concorre ao Oscar. Uma historinha de lutador. Bléééééé. Quem viu um filme de boxe viu todos. O Campeão, Rocky, Menina de Ouro. Nem queria assistir "O Vencedor" mas... vambora, só para constar. Surpresa! Quando vi já estava envolvido, querendo matar o Christian Bale (aliás acho que ele é mais protagonista do que coadjuvante).

À parte os efeitos das drogas, evidente no filme, o que mais angustia é algo que vemos muito por aí. Um comportamento que igualmente pode ser classificado como vício e que também podem destruir vidas. A auto-sabotagem. Pessoas que tem tudo para dar certo mas permitem que alguém acabe com seus sonhos.

Ficam tão presas à aprovação externa que nem sabem mais o que realmente querem. Normalmente há uma figura de referência, a quem não querem magoar. Ou a quem devem imaginárias explicações. Justificativas. Querem tanto atender às expectativas desse ser superior que acabam fazendo tudo errado.

Usando minha psicologia de almanaque, parece que a coisa funciona assim: quero acertar, mas sei que não vou conseguir ser tão bom quanto fulaninho espera, então vou fazer tudo errado mesmo, porque daí eu não me sinto tão mal por não atender aos anseios perfeccionistas dele. Deu para sacar? Melhor errar porque fez de qualquer jeito, do que tentar fazer certo e isso não ser considerado suficiente para agradar o tal ser supremo.

O carinha do filme é capaz de reconhecer que tem uma mãe opressora, que o irmão não contribui em nada para levá-lo adiante, mas não consegue se libertar disso. Fica preso em um círculo vicioso que só vai se desfazer pela entrada de um novo elemento e por um acontecimento fortuito.

Na novela das sete também tem um claro exemplo disso (sim, não vou negar que estou acompanhando a nova versão de Ti-ti-ti). Um cara rico, lindo e bocó. Preso à barra da saia do pai, figura forte que passa o tempo todo mostrando seu poder e sua superioridade ao filho. O pobre menino rico só consegue fugir dessa influência nefasta depois que toma um paratequieto da amada.

Mas e se nada acontecesse? A grande maioria das pessoas presas a relacionamentos opressivos não consegue nunca abandonar essa dependência. E acabam vivendo sempre à margem, à sombra, sempre se considerando incapazes. Achando que não merecem vencer. São, no fundo, lutadores que entram no ringue preparados para perder. E, por óbvio, acabam se acostumando a levar da vida apenas safanões.

Lutar contra grilhões internos é complicado. Mas libertar-se deles é imensamente compensador. Dá para fazer isso sozinho? Tem que dar, meu caro, tem que dar... ou então se conforme em passar a vida toda lutando para ser alguém que você não é!

Para encerrar, lembrei de uma musiquinha de Ben Harper e Vanessa da Mata que tem tudo a ver:

Tudo o que quer me dar
É demais
É pesado
Não há paz

Tudo o que quer de mim
Irreais
Expectativas
Desleais

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O peso da alma

Teve até um filme falando disso. Que a alma pesa vinte e um gramas. Um médico ou cientista (não vem ao caso) fez umas camas-balanças de altíssima precisão onde colocou alguns defuntandos (defuntando é um cara que daqui a pouco vai virar presunto) e ficou de olho. Quando o sujeito passava desta para uma melhor (é o que dizem) a balança acusava uma diminuição do peso. Uns mais, uns menos, mas por volta de vinte e um gramas. E nada havia mudado na situação do ex-vivo. A única alteração era que ele não tinha mais alma. Setenta e dois quilos e vinte e um gramas quando a alma estava lá. Somente setente e dois quilos quando desalmado. Essa história é verídica, podem conferir!

E a consciência? Pesa? Inúmeras vezes ficamos com a consciência pesada. Às vezes até sem motivo. Mas ficamos. Então, será que se estivéssemos nesta super balança e inventássemos uma senhora mentira sobre alguém, algo que pudesse prejudicar seriamente um inocente, a balança acusaria um aumento de peso? E quantos gramas estaria pesando nossa consciência? Imagino que a de alguns políticos chegaria a pesar alguns quilos.

E o que dizer do peso da responsabilidade? Lembrei daquel música dos Titãs, onde Marvin relata sua angústia:

E aos treze anos de idade eu sentia
todo o peso do mundo em minhas costas

Todo o peso do mundo? Uma responsa pesadona! Para um guri, fedendo a coeiro, então?! Ninguém merece! Mas adultos também ficam sobrecarregados. E acho que é um grande alívio tirá-la das costas. Aliás, se responsabilidade não fosse um fardo, não seria carregada nas costas, como uma mala sem alça. É sempre uma coisa desconfortável. Sem falar que entre a consciência, a alma e a responsabilidade, a última pode pesar mais!

E, como diria Seu Creisson, não é apenas issio: a alma está lá, se eu tirar morro. A consciência está lá, se eu tirar fico maluco. Mas a responsabilidade não faz parte de mim. Se eu tirar, fico... feliz!!! Leve!!

Isso não é interessante? Pois vou lançar uma nova dieta:
Irresponsável, magro e feliz!

Sei não, isso está me dando um certo peso na consciência...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

And the Oscar goes to...

Não, não vou falar hoje de nenhum filme. O que não significa o afastamento completo dos dramas e comédias, por inerentes à vida. Falarei de julgamentos. Sim. Daqueles a que eventualmente somos submetidos, queiramos ou não.

Quando alguém está nos julgando sem que saibamos, e isso ocorre com mais frequência do que imaginamos, não há grandes dramas a administrar. Normalmente quem nos julga assim são aquelas pessoas a quem não damos a mínima importância. Então é mais fácil (e inteligente) relevar. Não dar bola. Simples assim. Gostou? Ótimo! Não gostou? Vai te catar!

Entretanto há julgamentos a que nós próprios, de forma espontânea, nos submetemos. E aí o veredicto é importantíssimo. Exemplos: exame vestibular, entrevistas de emprego, apresentação à mãe do fulano com quem estamos saindo... E aí vem a ansiedade de saber: fui aprovado? Demonstrei tudo o que eu sei? Agradei?

Via de regra, e a isso alguns chamam de Lei de Murphy, basta nos colocarmos sob o foco e puf, lá vai besteira. Cai na prova bem aquilo que estudamos e na hora de responder a questão não percebemos que o enunciado falava para assinalar a alternativa "incorreta". E tacamos um baita xis na letra A. Tá certa! Dããã. Mas a C, a D e a E também estavam certas, banana! Ou então à pergunta sobre nosso desempenho no último emprego, omitimos o fato de ter trabalhado por três, no último ano, conseguindo atingir às metas propostas mesmo sem uma estrutura adequada. Panaca! E ainda arrematamos falando que inúmeras ações planejadas não foram implementadas por falta de pessoal. Bocó! Falar do que não fez? De boas intençôes o inferno está cheio, já dizia Satanás. Mas nada pode ser pior do que comentar, no jantar da futura sogra, que acha o fim da picada uma mulher não saber dirigir, e descobrir, no minuto seguinte, que ela nunca quis aprender... Mereço, né?

Julgamentos também implicam comparações. Acertei mais questões do que os outros? Fui mais brilhante do que os demais candidatos à vaga? Causei melhor impressão do que todos os ex juntos? É esperar para ver. E, se ser julgado dá arrepios, o que dizer da espera pelo resultado? Passei? Fui o escolhido? Essa senhora possessiva e intransigente (sogras sempre são assim) está me odiando? Vai me tolerar, algum dia? Será que ela gostava mais do ex dele do que de mim? Como parecem ser longos e angustiantes os momentos que antecedem o resultado de qualquer julgamento, quando estamos aguardando a frase que poderá nos levar às alturas ou ao chão: E o Oscar vai para....

Li há algum tempo um livro chamado "De Bagdá, com amor". Foi escrito por um soldado (talvez ele tenha alguma patente, não lembro) descrevendo a forma como os fuzileiros navais adotaram um filhotinho de cachorro (Lava) durante a guerra do Iraque, do dia-a-dia no acampamento e da forma como conseguiram enviá-lo, em segurança, para os Estados Unidos. Numa certa altura da história, ele relata a angustiante espera de informações sobre a situação de Lava, que era delicada e que envolvia a boa vontade de inúmeras pessoas. Essa espera sem saber se ele estava bem, se ele conseguiria atravessar as fronteiras, era horrível.

Ele fala, de uma maneira envolvente que nunca consegui esquecer, que toda a aflição se resume a uma espera. Que medo não tem nada a ver com a dor, com a condenação eterna ou com a suspensão da existência. O medo é o que fica entre uma situação e outra, entre um momento em que tudo está bem e o momento em que algo que o preocupou a vida inteira pode acontecer. O medo é toda a espera. E fala que talvez seja isso o que move os homens-bomba. Eles simplemente se cansam de esperar por uma morte anunciada, que tarda para chegar. E puxam o gatilho acabando com a expectativa.

Pelo sim, pelo não, enquanto aguardo o resultado de um julgamento qualquer, procuro ficar longe de explosivos!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vai sacudir, vai abalar...

Seguindo na saga "ver todos os filmes do Oscar" hoje foi a vez de "Minhas mães e meu pai" (a rigor o título deveria ser "As crianças estão bem", mas vai entender porque no Brasil os tradutores tomam essas liberdades artísticas com os filmes dos outros...).

Vamos a um resuminho sem contar o final: um casal de lésbicas (Annette Bening e Julianne Moore) engravida por inseminação artificial usando o sêmen do mesmo doador. Desta forma tem dois filhos que são meio-irmãos. Quando a filha mais velha completa 18 anos, ela e o irmão decidem conhecer o pai biológico. Consultado pela clínica, ele não se opõe. O doador é ninguém menos do que Mark Ruffalo que, com aquela cara de cachorro perdido, encanta qualquer um. Sem nem falar. E ele ainda faz um tipo meio alternativo, boa praça (isso é velho!), educado e... disponível.

Se ele fosse um pobretão, se fosse feio, se fosse um chato, possivelmente tudo teria acabado no primeiro encontro. Ele é o oposto. Os filhos e uma das mães sucumbem ao seu charme. O casamento delas entra em crise.

Mas não era uma relação sólida, estável, antiga, baseada em amor e respeito? Não era uma estrutura familiar padrão (se bem que um padrão diferente do normal)? Como pode balançar desta forma?

Pois a palavra de hoje é esta: instabilidade. Adaptando a frase de sei lá quem que diz que de perto ninguém é normal, quando se fala na solidez dos relacionamentos, de perto toda a rocha é uma gelatina.

Não dá para dizer que qualquer coisa seja definitiva na vida. Tudo muda o tempo todo no mundo, já cantava Lulu Santos. As pessoas mudam, a forma como elas vêem o mundo muda, o que elas sentem muda. E se uma pequena conjunção de fatores coloca você frente a frente com Mark Ruffalo em um momento de fragilidade, danou-se! Você esquece que é gay e começa a achar que merece esse presentão!

O filme é levinho e não exige esforço para criar empatia com os personagens. Trata de temas bem atuais e de outros que são eternos em todos os relacionamentos longos. Tem mil aspectos que merecem reflexão.

Tomo um deles e pergunto:

O reconhecimento da instabilidade inerente à vida nos deixa mais atentos aos que nos são caros?

Instabilidade, insegurança, incerteza... Estes temperinhos, bem dosados, podem dar um sabor especial e prolongar a vida a dois. Será?

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Pingos

Sete e meia da manhã. Volto da costumeira corrida diária de nove quilômetros no calçadão à beira mar, intercalada por pausas para flexões e abdominais nos últimos três quilômetros. Entro em casa pingando e vou direto para a geladeira. Preciso me hidratar com urgência. O sol, por estas paragens, já está bem alto a essa hora, diferente do que acontece no sul. Meus setenta e oito quilos, espalhados (e digo, sem falsa modéstia, bem espalhados!) em meus cento e setenta e nove centímetros parecem pesar muito mais do que isso quando, finalmente, paro.

A sensação de bem estar começa imediatamente a me invadir. Sou viciado nesses fluxos de endorfina que se seguem às corridas. Só agora dou atenção aos meus cuscos que, felizes com meu retorno, fazem festa aos meus pés (e eles demonstram a mesma sãtisfação com minha volta da padaria, do trabalho, mesmo que eu tenha ficado apenas dois minutos fora. Cachorro é tuuuudo de bom, já dizia o descomprometido comercial da ração Pedigree).

Tiro os tênis úmidos e deixo lá fora, no gramado, no sol. Entro no chuveiro com as roupas completamente molhadas, para o que eu chamo de pré-lavagem. Não posso colocá-las junto com as outras, na máquina de lavar, com tanto suor. Desligo a tomada do chuveiro pois preciso de água fria. Abro o registro, fecho os olhos e... nada. Espio com o rabo do olho, tentando entender se fiz algo errado. Fecho o registro e torno a abrir. Nem um pingo! Do chuveiro não sai nem um agá. Quem dirá dois agás e um ó. Corro pela casa abrindo todas as torneiras e só na do banheiro do meio sai um fio de água que logo se esvai.

Lembro que ontem foi dia de limpeza e que a faxineira lavou a varanda com mangueira, a garagem, a roupa... eu dei banho nos cachorros! Essa louca não notou que a água estava fraca? Ela não pensa? Porque não me avisou que havia algo estranho? P... Acabou com toda a água da caixa (como é libertador ter alguém a quem culpar!). E agora? Tenho que trabalhar, mas cada pelinho meu (e olha que sou quase um urso) está suado. Chego a pensar que se eu passar shampoo, emulsionar um pouco e me secar com a toalha, vai dar a impressão de que tomei banho. É uma alternativa. Porca. Mas uma opção. Que eu descarto. Melhor pedir à vizinha o chuveiro emprestado. Mas a casa está em reformas, posso escutar o quebra-quebra, e não somos assim tão próximos... Jà estou p... da cara. Minhas endorfinas devem ter se afogado no meu suor que não pára de brotar.

Então me ocorre: água mineral. Não acabara de beber? Ainda havia aquela meia garrafa na geladeira e uma, de um litro, na despensa. Grande idéia, Nestor. Sua genialidade é evidente! Foi assim que tomei banho de canequinho, com um litro e meio de água mineral com gás, schincariol - a melhor. Ainda bem que eu desisti da coca!!

Pode parecer inacreditável, mas aconteceu: sobrou água, mesmo depois de eu desperdiçar um pouco enxaguando duas vezes o cabelo. Limpo e cheiroso tomei aqueles últimos goles como se estivesse no deserto. Que delícia que é beber água!

Quando estava saindo de casa a torneira da cozinha começou a fazer uns ruídos estranhos. Como se houvesse pequenas explosões dentro dos canos. Abri devagar e uma cusparada de ar e água começou a sair. A água estava voltando! Com força total. Agora? Sacanagem!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ganso!

Ontem assisti ao filme Cisne Negro, com Natalie Portman e Vincent Cassel, que conta a história de uma gorota meio travada que se esforça para ser a primeira bailarina de uma companhia e protagonizar o clássico Lago dos Cisnes. Ela está ótima! Acho até que vai levar o Oscar de melhor atriz. E é linda, toda miudinha, traços clássicos, delicada... o que contrasta com ele, o total, o absoluto, o rude Vincent Cassel. Se há alguém capaz de personificar o adjetivo "masculino" é ele. Alto, forte, elegante, feio no exato limite . Simplesmente per-fei-to.

Bem, voltando ao filme, que recomendo muito, tem uma direção competente que faz com que a gente se envolva gradativamente até levar um soco no estômago, no fim.

Mas quero falar hoje sobre um aspecto que permeia a ação o tempo todo: o controle.
Controle dos movimentos, controle das emoções, dos pensamentos e das ações. Nina tenta tanto se manter certinha, boazinha, perfeitinha, que uma parte dela reage a isso através de auto-mutilação.

Tenho um pouco de medo das pessoas que são muito boas, muito controladas, que não brigam, que não se defendem, que apenas abaixam a cabeça e aceitam resignadamente o que vier. Tenho sempre a impressão de que haverá um momento em que, como uma bolha, vão começar a inflar, inflar, inflar, até que... Bum! Ou então detona-se uma série de problemas físicos ou psicológicos que nada mais são do que sintomas do excesso de auto-controle.

Como nesse período pré-oscar eu gosto de ver pelo menos aqueles filmes que concorrem às principais categorias, vi hoje O Discurso do Rei, com Colin Firth (costas perfeitas, esguio, alto, quadris estreitos, ombros largos... se eu fosse mulher, diria que estou ovulando). Bom filme, bom papel, mas acho que tantas indicações não procedem. Entretanto voltemos ao controle. Neste filme ele faz o papel do Duque de York, futuro Rei George VI, da Inglaterra (a história é verídica), que tinha um seríssimo problema de gagueira. Ele foi criado de forma extremamente severa, totalmete tolhido. Cheio de protocolos. Entre outras limitações, não podia escolher seus passatempos favoritos, tampouco usar a mão esquerda, que era sua mão dominante. Imaginem o absurdo. Controle. Excesso de controle. Resultado: gagueira. Incapacidade de se comunicar adequadamente.

O que não significa acreditar que devamos todos sair loqueando por aí (do verbo loquear, recém-inventado), totalmente descontrolados. Mas falar e fazer umas besteiras de vez em quando nos aproxima, se não da normalidade, pelo menos da sanidade!

E o ganso do título?
Ganso, cisne, marreco, não são todos patos?
Parem de me controlar!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Faces

Assiti ao filme "A Rede Social" que conta o surgimento do Facebook. Gostei. Achei bem dirigido. Talvez eu deva esclarecer que na minha concepção uma boa direção significa fazer com que eu permaneça interessado no filme durante toda a sua duração. Talvez essa não seja a mais clássica definição, mas...

E também considero um bom filme aquele que no outro dia ainda está sofrendo algum tipo de processamento, aquele que rende reflexões e questionamentos. Esse rendeu. Hoje fiquei pensando em quantos amigos, assim como eu, fazem parte do Facebook. Assim como eu? Bem, eu apenas estou lá, para, eventualmente, ser encontrado. Mas tenho amigos que realmente se envolvem nisso. Devem passar horas na frente do computador, a julgar pela montoeira de coisas que publicam em seus murais e páginas pessoais.

Há algum tempo eu pensaria que isso é bem coisa de jovens americanos, com dificuladades de relacionamento, que vivem sob uma forte pressão social, que tenta encaixar todo mundo em alguma forma pré-definida. Então eles preferem fazer amigos de forma virtual, evitando as agruras da vida real.

Não mais. Hoje parece que todo mundo ficou desse jeito. Vejo pessoas da idade da pedra (a minha) que também entraram nessa neurose coletiva de ter que mostrar ao mundo cada coisinha que viram, fizeram, ouviram dizer... A gurizada agora se comporta como os japoneses viajantes de outrora (lembram?) que fotografavam tudo o que viam. Click, click, click... Eu, sempre que cruzava com um grupo de japoneses, ficava pensando se eles conseguiam aproveitar a viagem ou se só conheceriam os países que estavam visitando depois, em casa, quando revelassem as fotos.

Agora em qualquer lugar é assim: nas festas, nos restaurantes, nos shows, na rua. Foto, foto, foto, pose, sorriso, biquinho, ombros, foto, foto, foto. E a festa? Está boa? Não sei, ainda! Deixa antes eu botar as fotos no Face.

E quando não é a foto, é a música que escutou, é o vídeo do You Tube, é a frase do fulando que curtiu... Mas, dirão, e não é o que se faz com os amigos? A gente não conversa com eles sobre todas essas coisas? Sim, claro que sim, mas com mil quinhentos e vinte e três amigos?????? E lá vem musiquinha pela frente e, preparem-se, essa é beeeem velha:

Eu quero ter um milhão de amigos
E bem mais forte poder cantar

Erasmo e Roberto agora podem ter! Nem eles imaginavam que um dia um milhão de amigos iriam estar ali, à mão, facinho, facinho!

O que eu questiono é esse desejo incontido de se mostrar ao mundo. Fui para o nordeste, fui para o sul, fui para a Europa, olha a minha foto de biquini em Arroio do Sal (e lá vai a baleia celulitada fazer pose na frente de um muro chapiscado, com uma toalha de banho cheia de fios puxados aparecendo no cantinho...). Péra aí, gente. Pó pará.

Será que vale a pena essa exposição toda? Porque é que essa rede social que o Mark Elliot Zuckerberg criou em 2004 encanta tanta gente? Dar a cara a tapa todo o dia é assim tão necessário? Que mistério é esse que não decifro? Sinto-me diante da esfinge... não, não da esfinge, da pirâmide.

De Maslow.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Quem é esse cara?

Tomei um baita susto hoje de manhã. Mas bah, tchê? Quem é esse senhor aqui no meu banheiro? Sim, já sei que a oposição de plantão, de forma pouquíssimo original, vai dizer que eu devo ter bebido demais e esquecido do cara que trouxe prá casa ontem à noite! Coisa de gayúcho, acrescentarão. Até seria melhor alternativa. Mas não foi isso. Em casa só eu e meus guaipecas. E, lamentavelmente, esse idoso, de barba branca mal feita e cabelos desgrenhados que me olha fundo nos olhos, sou eu mesmo!

É um alento pensar que Nando Reis já teve um encontro assim com seu espelho. Ele não deve ser mais novo que eu, mas é mais famoso.

Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara já não é minha
É que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho

Não sei o que aconteceu de ontem para hoje. Juro que fiquei assim de repente. Surgiram uns pelos estranhamente compridos nas minhas sobrancelhas. Uns pés de galinha se instalaram nos cantos dos olhos. Minha pele ficou toda manchada.

Voltei rapidamente para a cama. Talvez fosse um pesadelo e quando eu acordasse de verdade as coisas tivessem voltado ao normal. Não adiantou. Repeti o procedimento dezenove vezes. Vai que é um pesadelo recorrente? Nada. Foi então que tive a pior ideia que poderia ter me ocorrido. E digo, não faça isso em casa. Não repita o procedimento que a seguir vou descrever, pois poderá causar danos psicológicos irreversíveis.

Convencido de que era o espelho do banheiro que apresentava problemas, parti em busca de um espelho menor, quadradinho, daqueles bem fuleiros, com a moldura alaranjada, que estava guardado no fundo de um armário (nem sei porque comprei isso um dia). Ainda de pijamas, deitei atravessado sobre a cama, de barriga para baixo, com os braços e a cabeça para fora da cama e coloquei o espelhinho no chão. Horror, horror! O velho foi substituído por um shar pei!! Sabe aquele cachorro que é todo rugas? Minhas bochechas multiplicaram-se assombrosamente, impulsionadas pela força da gravidade. Meu roso todo se descolou de mim! Horror, horror! Não faça isso sem o acompanhamento de um profissional capacitdo. Ou, melhor, não faça isso.

Como judeus de luto pensei em cobrir todos os espelhos da casa. Em evitar paredes envidraçadas. Ao invés disso, decidi enfrentá-lo: espelho espelho meu, podes refletir meu verdadeiro eu?

Vitória! Meu sorriso no espelho era o mesmo que eu tinha quando, moleque, vencia uma boa peleia! O espelho da alma não está pendurado na minha casa. Não está nas vidraças nem nas pessoas que gostam ou que não gostam de mim. Ele não está fora.

E, quer saber? Até que esse velhote aí no banheiro é bem interessante!

Agradável surpresa

Não é novidade alguma que sou grande admiradora da Martha Medeiros, ainda que ache que eventulamente ela erre a mão, como no último livro "Fora de Mim". Pois neste domingo, como sói, estava buscando sua coluna na edição virtual do Zero Hora. Não encontrei, então fui para o seu blog e navegando pelas últimas postagens li o comentário ao último filme de Woddy Allen, de quem ela é fã assumidíssima. Até aí nada de novo sob o sol. Nestor que ama Martha, que ama Woddy... mas ela termina o texto dando um link para outro blog. De Tony Belotto. Tony Belotto? O titã? Sim, eu sabia que ele escrevia livros policiais, e me parecia de que ele também tinha uma coluna em alguma revista. Mas nunca havia lido nada dele. Por isso gosto de links: click... e com vocês, tchan, tchan, tchan, tchan... Tony Bellotto!

Adorei! Gostei do jeito como ele escreve, adorei as indicações, amei a forma como ele aborda cada assunto e agora não posso mais viver sem ele! Vou comprar seus livros e invesigar onde mais ele escreve. Sim, exagero pode ser meu nome, às vezes!

Mas o que realmente me fez feliz foi este encontro. A descoberta. Descobrir algo sempre me fascina. No sentido de encontrar pela primeira vez. A novidade, o inusitado, o original, o estranho, o desconhecido. Há uma emoção ímpar neste desvelar. O olhar fica mais aguçado. A atenção redobrada aos detalhes. Todos os sentidos recebendo novos e desconhecidos estímulos. Nada há que se compare à primeira vez. Conhecer, decifrar, revelar os mistérios. E para que isso aconteça é necessário que se descubra algo novo. Tony Belotto é minha mais nova descoberta!

Reconhecer também é uma forma de descobrir. E com os anos tendemos à redescoberta, ao reconhecimeto. Pois que já se viu e viveu muita coisa. Assim descobrimos pessoas interessantes, ou aspectos interessantes nas mesmas pessoas, reconhecemos lugares fascinantes nos caminhos por onde sempre andamos ou identificamos momentos de plenitude no nosso ordinário cotidiano. E na falta de um zero quilômetro, um semi-novo vai suprindo as necessidades.

Mas nada disso por hoje. Nada de meios prazeres. Nada de pratos requentados, ainda que deliciosos. A Saraiva está a um clique daqui e Tony Belotto me espera!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Rasgar o quê?

Por mais inverossímil que possa parecer, eu escrevo cartas. Talvez seja o caso de explicar que carta é uma coisa que surgiu quando a caneta sucedeu ao tacape. Para quem só ouviu falar, assim, de relance, esclareço que é um e-mail que a gente escreve à mão em um papel e manda entregar para o destinatário por meio do correio (sim, correio é a mesma empresa que traz em casa as compras feitas pela Internet).

Quem achou a introdução dispensável talvez consiga compreender (compartilhar seria pedir muito) essa minha predileção. E tenho certeza de que não há alguém que não se emocione ao receber uma carta à moda antiga, escrita à mão, com letra caprichada, de preferência com caneta tinteiro sobre papel de seda... mmmm. Raras vezes recebi uma dessas! Lamentavelmente nasci algumas décadas depois que esse romântico gesto era frequente.

Fico imaginando a emoção de escrever uma carta de amor! Revelar-se por inteiro e depois esperar... ai, a ansiedade da espera, de pensar que ela não vai responder, que mudou de idéia! Será? E a alegria de receber uma carta e recenhecer a letra daquela a quem se ama! Pensando bem, isso nem sempre pode ser bom, como na música:

Lendo o envelope bonito
No seu sobrescrito eu reconheci
A mesma caligrafia
Que me disse um dia
Estou farto de ti

Até terminar romances é mais fácil por carta! Uma carta é algo definitivo, concreto, que inspira certo temor reverencial. Kid Abelha já dizia:

Tantos sonhos morrem
Em poucas palavras
Um bilhete curto
E já não há nada

Alice não me escreva
Aquela carta de amor


E livrar-se da carta facilita esquecer a vil criatura que não mercece mais respirar o mesmo ar que respiramos. Basta rasgar as cartas, ou ainda melhor, queimá-las (o fogo tem um aspecto purificador), para iniciar o "suma para sempre". Quem leva um fora por e-mail faz o quê? Deleta? Plic. Gesto mais bobo, sem emoção, não vai ajudar muito. Já rasgando... olha aí o final daquela música de antes:

E assim pensando rasguei
Tua carta e queimei
Para não sofrer mais

Ou aquela:

Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim será melhor
Meu bem!

Mas não são apenas de amor, as minhas cartas. E confesso que a cada dia são mais raras. Mas sempre escritas com carinho e com a atenção inteiramente voltada a quem haverá de, em alguns dias, receber notícias minhas e, mais do que isso, saber-se lembrado e querido.

Assim eram também os cartões de Natal e Ano Novo. Escreviam-se cartões para cada um dos amigos, com mensagens personalizadas, frases escolhidas com cuidado, até a estampa do selo, se houvesse selos comemorativos no ano! E isso há pouco tempo. Lembro de, já no final de novembro, iniciar a tarefa com zelo para que chegassem a tempo de ficar sob as árvores de Natal... O princípio do fim foi a criação, pelos correios, de uns cartões xexelentos que já vinham previamente selados e que, a critério do comprador, poderiam conter mensagens imensas, sem espaço para qualquer outra anotação, que não a assinatura do remetente. Desobrigavam-se, assim, as pessoas desse fardo anual. Este antigo modo de cultivar amizades entrava em inexorával declínio.

Bem, aparentemente, significativa parcela da humanidade não sofreu com isso. Pelo contrário. Entrou em sintonia com o mundo virtual. Cartões com estrelinhas, fogos, bichos que se movimentam e falam, papais-noéis com a carinha do remetente (esse até eu usei), toda a sorte de mensagens virtuais (com autorias duvidosíssimas) chegam até nós enviadas por nossos 1517 amigos das redes sociais. Delícia!??

Como não pretendo ser considerado um dinossauro idoso e pesadão, assumi a leveza da comunicação eletrônica e também as facilidades associadas a essa tecnologia. Mas aqueles amigos que consigo contar usando apenas os dedos da minha mão continuarão recebendo, vez por outra, longas cartas escritas com caneta tinteiro sobre papel de seda!

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

B, de bola...

Bola de meia, bola de gude, o solitário (ou seria o solidário?) não quer solidão, cada vez que o adulto balança o menino me dá a mão... Pensei em B, de Bola, e veio essa musiquinha instantaneamente. Nem eu sabia que ela estava assim tão presente em meu subconsciente. Freud deve explicar. A letra nem deve ser bem assim, e não sei se é do 14 Bis ou do Milton Nascimento. Poderia verificar facilmente em dois segundos, vocês dirão. Mas não quero. Freud também deve ter uma boa explicação para isso. Mas quem quer explicação?

Assim, também sem explicação, pensei em outras bolas: bola cheia, bola murcha, ora bolas, não dar bola, bolada nas costas, chicle de bola...o mundo é uma bola! Bolas, bolinhas, bolotas. Sem falar nos esportes de bola, por cima da rede, dentro da rede, na caçapa, na cesta, no chão...não sei como nenhum carnavalesco pensou neste tema ainda! Posso ver a avenida repleta de bolas de todas as cores e materiais, bolas de paetês, de plumas, de pelos, bolas de neve!

Fale: bola! E cada um pensará uma coisa diferente. Só com bola de cristal para adivinhar! Aliás, confesso que para mim esta sempre foi a mais fascinante das bolas. Aquela que límpida, transparente e brilhante era capaz de mostrar o futuro e o passado, de desnudar quem se atrevesse a questioná-la sobre o destino. Uma bola de cristal me faria o homem mais poderoso sobre a face da terra! Lamentavalmente o mais próximo que cheguei de uma bola de cristal foi uma pequena coleção de bolinhas de gude (talvez daí a afinidade com a música). E o máximo que minhas mini bolas de cristal informavam é que eu tinha uma péssima mira e que em breve elas todas (as bolitas) me deixariam... A mini previsão se revelou absolutamente verdadeira quando perdi todas as bolihas para meu irmão, que jogava infinitamente melhor que eu.

Pensando bem, através dos tempos, minha relação com alguns tipos de bola sempre foi de alguma forma polêmica. Bolas esportivas sempre me apavoraram. Em especial aquelas pequenas e pesadas do handebol. Pareciam feitas para me atingir. Minhas fugas descontroladas com o propósito de preservar, se não minha vida, meus dentes, nunca foram bem interpretadas pelos meus colegas que disputavam a tapa minha escalação no time contrário.

Mas não sou de dar bola para tudo o que pensam ou falam de mim. Não fico bolado assim tão facilmente. E isso me lembrou um versinho bem bobo, que poderia figurar no livreto da minha amiga, aquela:

"Cabeçorra, cuca, bola,
Muitos nomes ela tem,
Dão tanto nome à cachola,
Mas cabeça, poucos têm!"

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma flor para rimar

E minha amiga Denise relembra um episódio da infância. Conta que lá pela quarta, quinta série, era comum as meninas terem um livrinho que entregavam para os colegas, amigos e professores deixarem mensagens. Cada um tinha direito a uma página inteira para escrever o que lhe aprouvesse: poesias, versinhos, desenhos, enfim, um registro daquele momento para a posteridade. E uma das grandes emoções envolvendo o tal livreto era entregá-lo ao menino por quem se nutria especial afeto. As fêmeas já saem das fraldas se apaixonando por alguém, então todas tinham o tal garoto especial. E imagine a expectativa em torno daquilo que ele iria escrever...

Fernanda temia os riscos, apesar de ser, de longe, a mais bonita da turma. Parecia muito com a outra Fernanda, a Lima. Linda e loura, olhos verdes, era apaixonada pelo colega Giovanni. Mas temia entregar-lhe o caderninho. Já minha amiga, mais desencanada e menos decidida sobre quem era o garoto de quem ela realmente gostava, entregou logo o livrinho para dois: Giancarlo, o gordinho, foi profundo: "Quando este imenso dragão, o tempo, tiver nossos destinos separado, lembra-te que fui teu colega!". Gordo bocó! Betinho, o baixinho, foi mais direto: "Je t'aime em françês, I love you em inglês, mas o melhor é dizer, eu te amo em português!" Uau! Direto ao ponto. Olhando bem, ele nem é assim tão baixo!

Então Fernanda armou-se de coragem e entregou seu livro ao Giovanni que, escreveu em uma página pintada de lápis de cor: "O amor é uma flor roxa, que nasce no coração dos trouxas". Pobre Fer... Não entrou em depressão pois naquela idade ainda nem sabia o que era isso.

As amigas todas foram solidárias e passaram a ignorar o Giovanni, que acabou trocando de escola (não por esse motivo, claro) e nunca mais se soube dele. Betinho colheu os frutos da sua ousadia. Até troca de presentes rolou. Quanto ao Giancarlo, o dragão do tempo foi implacáve: separou seu destino de todos os demais antes que ele completasse 30 anos.

Mas reminiscências à parte, voltemos à tal flor roxa! Será isso então o amor? Ouso concordar. Como uma flor, nasce. Mesmo que não se tenha plantado uma semente sequer. Quando a gente menos espera, lá está ela, imensa! Roxa! Ou profundamente azul, como haverá de ser profundo algum olhar. Escandalosamente vermelha, ardente, viçosa, tal qual lábios desejosos de beijos. Ínfima, desbotada, amarela, delicada e singela... Sempre diferente mas, igualzinha a todas as flores, um dia nasce. Do nada ou de muita coisa. Nasce. E permanece algum tempo ali, para ser colhida ou não, admirada ou ignorada.

Nasce, sem intenção nem culpa, no coração. Não é fruto, o amor, de planejamento, de lógica, de estratégia. Aliás, não é fruto. É flor. Uma flor, procurado uma rima qualquer.