terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sobre listas e baratas

Minha cunhada me deu um par de chinelos listados de azul marinho e branco. Eles são de tecido atoalhado e têm sola flexível. Podem ser lavados na máquina. Mas essa não é uma grande vantagem, pois não vou enfiá-los para lavar junto com lençóis, por exemplo, afinal, são uma coisa mais suja. Piso no chão com eles. Então só lavo em determinadas ocasiões, mais especificamente junto com o tapete fofinho do banheiro das visitas. E lavo esse tapetinho a cada duas ou três semanas. A última lavação da dupla tapete e chinelos listados (na verdade trata-se de um trio) foi na semana passada. O azul está bem marinho e o branco, branquíssimo.

Ontem exagerei um tanto no jantar e no vinho. Acordei no meio da noite morrendo de sede e parti para a cozinha, em busca de um generoso copo de água mineral geladinha. Com gás. Mas isso, o gás, não vem ao caso. Acendi a luz da cozinha e me deparei com uma imeeeensa barata. É notório e incontestável, todos sabemos, que historicamente homens tem horror a baratas. Não podemos concebê-las vivas e perambulando pela casa como fazemos com as também porquésimas formigas. Então a eliminação da intrusa da madrugada era essencial e urgente. Senti meu instinto assassino súbita e totalmente desperto. Então, numa atitude primitiva, olhei para meus pés e me senti impotente: Chinelo listadinho!! Impossível matar uma barata com um chinelo listadinho de azul marinho e branco com sola flexível!

Foi por isso, e só por isso, que saí correndo!!! Não me interpretem mal. Estava em busca da segunda arma mais eficaz que existe contra batatas: Mortein. Alguém dirá que eu deveria ter ido em busca de um chinelo mais adequado, Havaianas, por exemplo. Mas só pensaria em Havaianas quem não conhece o Mortein. Um tubo de inseticida pretão. Com a tampa, que também é o troço de apertar, vermelha. E na frente tem o desenho de um raio caindo em cima de uma barata com as perninhas para o ar e a frase: Mata em seis segundos. Só de olhar para o tubão a gente se sente seguro. Com ele nas mãos o sangue voltou a correr em minhas veias e me senti absolutamente confiante.

Voltei corajosamente para a cozinha empunhando a arma letal. Avistei o indivíduo e fui até ele. Primeiro jato: chhhhhhhhhhhhhhhhh. Errei. A criatura saiu correndo. Nova investida, chhhhhhhhhhhhh, e ela foi para outro canto. E eu atrás, chhhhhhhhhh, chhhhhhhhhhhhh, chhhhhhhhhhh. Obviamente os seis segundos só começam a contar quando a fabulosa arma química atinge o monstro. Chhhhhhhhhh, chhhhhhhhhh, xiiiiiiiiiiiiiiiiiii. A maldita foi para baixo da geladeira. Chhhhhhhhhh, chhhhhhhhh...

Cóf, cóf, cóf. Saí do aposento pressentindo uma grave intoxicação. Mal podendo respirar. Kafka, transformado em uma barata gigante, não ousaria por os pés na minha cozinha. Voltei cambaleante para o quarto. A sede agora era imensa. Bebi uns dois litros de água morna e sem gás, da torneira do meu banheiro, e voltei para a cama. Saco! Já que não tenho uma máscara anti gás lacrimogênio, melhor deixar que minha empregada remova o cadáver amanhã, quando ela afastar a geladeira para limpar embaixo. Até lá o efeito devastador do produto já deve ter passado. E, muito provavelmente, todas as baratas da redondeza estarão mortas.

Pensando melhor, vou rezar para que o unicórnio cor-de-rosa invisível desmaterialize a defunta, pois nem duendes acreditam em pessoas que a cada faxina limpam embaixo da geladeira!!!



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Persistência

Para quem acompanha (ou tenta acompanhar) estas publicações, já ficou claro que a persistência é uma das minhas características mais marcantes. Começo uma coisa e vou até o fim. Não desisto nunca, como qualquer brasileiro. E também jamais caio no lugar comum. Nem ironizo.

Pois hoje, depois de séculos sem ouvir os programas do Luciano Pires, dei uma passadinha no saite do Café Brasil e atravessei a última meia hora refletindo, ao som daquele sotaque paulista de Bauru. Mesmo os programas mais chatos dele acabam gerando algumas nuvenzinhas de pensamento sobre a minha cabeça em um gibi imaginário.

Hoje ele falou sobre a geração T. De testemunha. Que conta para os outros o que viu, o que ficou sabendo, o que alguém disse. Mas que não entende bem, não tem curiosidade, não participa, não faz acontecer. O povo do tuíter, do aipódi... E resumiu falando tratar-se de uma geração de fofoqueiros.

A julgar pelo que eu estou relatando agora, estou completamente inserido neste grupo.

Mas foi esse programa que deu uma acionada no Paulão e no Bola. Numa certa altura ele, Luciano, conta que desenhava e desenhava e desenhava. Que lá pelos vinte anos achava que seu futuro era ser cartunista e então praticava, praticava e praticava, para se aperfeiçoar.

Nestas horas, quando eu ouço alguém falar que persistiu, vem sempre o fundo musical da Paula (nunca escondi de ninguém que amo Kid Abelha, portanto sem críticas!!!):

Eu tenho pressa e tanta coisa me interessa
Mas nada tanto assim...

Que inveja dessas pessoas que sabem o que querem. Ou que pensam que sabem. Ou que acham que pensam que sabem. Devo ter vindo com uma falha. Só essa. Adoro aprender uma coisa nova. Comprei um violão. Toquei umas musiquinhas. Mal. Cansei do violão. Aprendi a jogar xadrez há uns quatro dias. Joguei três vezes com o computador. Na primeira perdi. Nas outras duas empatei. Cansei do xadrez. Ainda bem que não comprei um tabuleiro. Escrevi algumas crônicas e, bem...

Será que é porque eu sei de quase tudo um pouco e quase tudo mal? Por isso minha inaptidão para a persistência? O que será que aqueles seres superiores, que estudam e estudam e estudam até passar, que treinam e treinam e treinam até vencer, que ensaiam e ensaiam e ensaiam até brilhar têm que eu não tenho? Além do acento diferencial que eu já nem sei mais se existe????

Talvez eles sejam bons em alguma coisa. Muito bons em poucas coisas. Ou ótimos em uma só coisa... E aí essa otimitude (sim, inventei) os mova. Talvez eu nunca tenha atingido a excelência em piculinas (não inventei, quer dizer nada, nadinha, neca de pitibiriba) e por isso seja incapaz de persistir.

Quem sabe lá se o meu íntimo (meu eu interior, enquanto pessoa, assim, a nível de ser humano, entende, no cotidiano diário do meu dia-a-dia) intuindo que, mesmo praticando muitíssimo, serei incapaz de um progresso razoável em qualquer coisa, me impede de ir adiante, para evitar meu sofrimento e, quiçá, uma depressão sem volta. Um coma existencial. Então minha incapacidade de persistir não é um defeito, mas um equipamento de segurança opcional. Tenho um érbégui emocional.

Fim de reflexão. Voltando ao Luciano Pires, acho que amanhã mesmo vou começar a tuitar. Não passo de um jurássico membro da geração T.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Desconstruindo Jotaê

Sabe aquela pessoa que pega uma pontinha do fio do novelo e vai puxando, puxando e puxando até que daqui a pouco o novelo não é mais? Jotaê tem essa capacidade. Tá todo mundo falando de uma coisa e ele se atém a um detalhezinho minúsculo e até então insignificante e vai fazendo ele crescer e crescer e crescer até que vira o assunto principal e ninguém mais lembra como foi que começou.

Pois algumas pessoas tem esse poder. De descontextualizar. De desmanchar a cena original, tomar e analisar um pedacinho só. Sem pensar no seu passado. Nem em como ele chegou ali. E analisar qualquer coisa fora do contexto original é desafiador. E normalmente surpreendente. E leva a questionamentos... Se eu fosse atribuir um verbo a Jotaê seria desconstruir.

Mas não é a visão sistêmica a mais desejada no mundo de hoje? Ou, ainda mais, a percepção holística do que nos cerca? Não é considerado um grave pecado observar, tratar, futricar na parte sem ligar para a consequência disso para o todo? Óficorsi que iés. Mas nada impede a admiração pelo detalhe. A experimentação hipotética focada no micro-cosmo.

Tenho uma prima que fotografa esplendidamente detalhes. Essas coisinhas que nos passam despercebidas e que vistas assim, isoladamente, são tão lindas que emocionam. Tirados do contexto protagonizam. Ela enxerga as pequenas coisas mais ou menos como um olheiro percebe a topimódel potencial em uma guria desengonçada qualquer.

Uma vez li um livro, O Perfume, de Patrick Süskind. Isso foi lá no período jurássico, eu estava ainda na faculdade, acho. Lembro que foi um sucesso, na época. E realmente é um livro muito interessante, apesar de meio nojentão. Conta a história de um cara com uma capacidade olfativa muitíssimo acima do normal, enquanto ele próprio não tinha cheiro algum. O incrível é que li tanto sobre cheiros, perfumes e fedores que naquele período fiquei mais suscetível a eles. Meu olfato ficou mais apurado enquanto eu lia o livro.

Da mesma forma, as fotos da minha prima abriram para mim um incrível mundo de coisinhas maravilhosas que eu nunca tinha reparado. Metade das fotos da minha última viagem são de pormenores que até ontem me eram invisíveis.

Pois essas desconstruções contínuas, que Jotaê consegue fazer nos mais improváveis momentos, estão deixando minha dupla de neurônios (o Paulão e o Bola, lembram?) mais antenada para os diversos textos de um determinado contexto. E isso não significa que de agora em diante vou usar a parcialidade ou a visão segmentada como regra de vida. Ou então acreditar eterna e piamente na teoria da conspiração. Nada disso. Pretendo continuar a ser esse ser magnânimo, com uma capacidade de compreensão do mundo e da vida elevadíssima. Claro. Só que agora acho que, mais do que navegar, desconstruir é preciso.





quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Sra. H. e o verbo comparar

E estando de volta ao trabalho, impossível não me sensibilizar com os dramas que permeiam o ambiente.

Sra. H. iniciou uma série de atividades físicas com o propósito de eliminar algumas gorduras localizadas que, por volta dos trinta anos de idade, assombram qualquer mulher. Ela está profundamente determinada a retomar a forma física como fez a perfeitíssima Sra. Adriane Galisteu, que exibe na Playboy uma barriga saradíssima, bronzeadíssima e, provavelmente, fotoshopadíssima, pouco tempo após deixar de estar gravidíssima.

Na academia a professora, que é considerada pela ala masculina "uma máquina", fez a avaliação da Sra. H. com a finalidade de definir o treinamento mais adequado para atingir este nobre objetivo comum a 9 entre 10 mulheres que não acreditam em sumiço de colágeno, em fuga desenfreada de radicais livres e na força da gravidade. Mas abandonando os moinhos que giram para trás, sigamos à questão gramático-filosofal que se apresenta:

Pois essa "máquina" (devo lembrar que o trabalho dela consiste em ficar oito ou mais horas malhando) falou que a Sra. H. está sequinha. Sra. H. enfureceu. Não estaria se submetendo a estas torturas se estivesse sequinha.

E aí vem o verbo. Sequinha comparada com o quê? Com a maioria das alunas que frequentam a academia? Comparada com a própria professora? Com a Wilza Carla (que Deus a tenha)?

Comparar vem do latim comparare, com, junto, mais parare, fazer par. Comparar então significa colocar ao lado, fazer par, juntar dois iguais, dois parelhos, para observar, examinar simultaneamente, a fim de conhecer as semelhanças, as diferenças ou as relações. O ato de comparar implica, então, em primeiro lugar, a reunião de elementos suscetíveis de comparação.

Minha colega, a Sra. H., sem querer puxar a sardinha para o braseiro dela, parece estar, em um primeiro momento, corretíssima no seu entendimento. Está comparando seu corpicho atual com aquele que tinha há alguns anos. E essa é, aparentemente, a única comparação possível. E não só fisicamente. Não posso dizer que fulano é melhor que beltrano. Eles são diferentes. E isso, por si só, já impede a comparação. Se não é possível fazer par, não dá para comparar. E se Wilza e Sra. H. são diferentes, não há como comparar.

Pensando bem, não sou mais quem eu era há dez anos. Nem quem eu era no mês passado. Mudei. Nem comigo mesmo conseguiria me comparar. Ah! Mas minha barriga aos dezoito era saradona. E agora é safadona (essa foi medíocre!!). Mas minha capacidade de discernimento, meu grau de tolerância, minha ansiedade... pois é, tudo isso também mudou. Metade de mim dispara acelerada morro abaixo e metade evolui inexoravelmente. Dá para comparar eu de ontem com eu de hoje? Há iguais para emparelhar? Há não.

Lamento, Sra. H. mas é gramatical e filosoficamente impossível comparar quem a senhora foi ontem com quem a senhora transformou-se.

E antes que venha afirmar que é só o pneuzinho que é objeto de comparação, vou lembrando que a vida só existe no período A.J. (antes de Jack). A senhora (e todos ) só existe inteira. Na hora em que Jack disser: Vamos por partes! danou-se!!



quarta-feira, 8 de junho de 2011

Dor nos quartos

Dor nos quartos, nas ancas, nas nádegas, enfim... na região lombar. Coisa de "véia"! Sim, e daí? Quem passou incólume pela dores da segunda idade? Nem vem, você sabe do que estou falando.

Eis que no final de semana estava removendo a tinta antiga da janela do banheiro que estou reformando (0 banheiro das visitas) e percebi uma leve dorzinha na região lombar. A dor persistiu até a noite e, na manhã de segunda-feira, estava mais intensa. Então me abaixei rapidamente, para apanhar um objeto sob a cama, e senti um fisgada. A dor aumentou, mas decidi trabalhar normalmente. Quando saí do carro, senti imensa dificuldade para ficar totalmente ereto. Com algum esforço endireitei o tronco e prossegui.

Olhei meu reflexo nas vitrinas da rua, parecendo um fantoche mal manipulado, daqueles que são movimentados com pauzinhos, sabe como é? Mas já estava bem retão quando entrei no escritório, apesar da dor estar aumentando pouco a pouco. Tive uma breve reunião com o pessoal de um sindicato e, quando acabou, eu não consegui levantar totalmente. Fiquei em posição de galo ciscando, dá para entender? A bunda saiu da cadeira mas o tronco não se endireitou. De modo que eu fiquei com a testa quase tocando a mesa e o bundão lá em cima. Com um sorrisinho constrangido expliquei ao grupo que estava dor nas costas, coisa e tal, mas o povo, gente simples, não conseguiu conter a risada. Minha posição estava realmente hilária!


Decidi voltar imediatamente para casa, para esticar o esqueleto. No caminho do estacionamento, conferi meu reflexo outra vez. Eu parecia muito aquela velhinha da Praça da Alegria, meio corcunda, com as pernas arqueadas. Uma maravilha! Entrei no carro com um gemido que lembrava um orgasmo de filme pornô de quinta categoria. Não consegui contê-lo.

Ainda bem que não havia ninguém por perto. Acho. Em casa deitei e as pernas insistiam em ficar para cima, como aqueles bebês, que ficam chupando o dedão do pé. Por óbvio não chupei meu dedão. Que idéia! Só usei essa figura para que os leitores entendam o que aconteceu com minhas pernas. O que fiz então? Auto-medicação: Tandrilax, 3 comprimidos entre as quatro da tarde e as 11 da noite. Aí tomei mais um Miosan, passei Cataflan gel e fiz compressas quentes.

Errei em algum ponto, pois acordei na terça-feira como uma aranha morta, com as pernas encolhidas sobre o corpo, sem conseguir me esticar. Quem dirá sair da cama. Bem, algo grave deveria estar acontecendo. Antes de ficar paraplégico conjecturei que talvez fosse de bom tom consultar um especialista. Tive sorte. Na Ortoclínica ou Ortotrauma havia um tal de Dr. Remo que estava disponível.

Lá vai a aranha semi-morta entrar no carro. Bunda dentro, perna direita fora. Pega a perna e puxa para dentro. Estaciona. Bota a perna para fora e... quem diz que a bunda sai? Seguro com as duas mãos na porta do carro e saio em posição de semi-agachamento. Meu reflexo no vidro da clínica (estou ficando obcecado por reflexos) não foi condescendente. Mostrou o próprio Gollum!! Só que com mais cabelo. Entrei na clínica como uma lagartixa, me esgueirando pelas paredes. O médico nem saiu de trás da escrivaninha. Não o culpo, também não facilitaria com o Gollum... Perguntou o que eu estava usando. Provavelmente não apenas eu pratico o esporte da automedicação. Confessei logo: Tandrilax, Miosan, Cataflan. Ele falou que or remédios eram aqueles mesmos, só que ia dar doses mais elevadas. E que eu devia fazer compressas geladas. Geladas? Foi aí que eu me lasquei. Taquei compressas quentes, aconselhado pela minha mãe. Eu devia ter desconfiado. Freud bem disse que as mães são sempre as culpadas, na ausência de mordomos, claro! Receita e atestado redigidos, Gollum ruma para o carro. Na sala de espera, um senhorzinho muito branco,  careca, gordo e feioso ficou rindo da minha cara. Não sei se pela posição do corpo ou pelo necessidade de ficar me segurando nas paredes. Deu vontade de falar a célebre frase: Rindo de quê? Eu vou melhorar, mas você...

Não disse isso, mas não devia ter nem pensado. Já estamos na quarta-feira e eu ainda não melhorei. Putz! Será que alguém lá em cima está me punindo? Bem, vou lá pegar minha compressa gelada... Fui!

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Zama

Mataram o Zama. Visse não? Foram as primeiras palavras que escutei quando entrei no escritório hoje. Foi, é? E quem falou que era mesmo ele? O governo americano. Fizeram até teste de DNA. E quem fez o teste? O governo americano. Hmmm. Acredita não? Bem, talvez vendo o corpo... uma coisa meio Che Guevara, arrumadinho e tudo, sem sangue, para não assustar muito, acredito.

À noitinha, a moça do noticioso informou que tinham, sim, dado um banho tcheco no cadáver. E que tinham até enfiado o cara num saquinho branco, como manda a religião dele. E aí tacaram o corpicho terrorista no fundo do mar. Um terror, com o perdão do trocadilho. O Bama mata o Zama e dá fim na única prova... sei não...

Em uma viagem ao México, enquanto percorríamos um trajeto árido, sem graça, até as pirâmides maias, o guia ia distraindo o grupo com histórias divertidas sobre seus antepassados. Numa certa altura perguntou o que sempre fora essencial para garantir o domínio das minorias. O que necessariamente um grande governante precisa? Qual é o instrumento indispensável para estar sempre no topo? Dinheiro? Poder? Contatos? Carisma? O grupo listou inúmeras opções.

Informação. Quem tem a informação tem tudo. Quem controla a informação, controla tudo.

E prosseguiu contando como os espanhóis tiraram proveito da informação de que os índios teriam confundido Hernán Cortez com o deus Quetzacoatl, a Serpente Emplumada, e assim conseguiram uma ajuda extra na seu propósito de dominação.

Só para comparar, em outra ocasião, indo de Porto Seguro para Arraial da Ajuda, na Bahia, nosso guia foi nos distraindo com uma garrafa cheia dágua, com um furinho que permitia um pequeno vazamento, molhando desconfortavelmente quem momentaneamente a segurasse, e que era jogada de um para o outro enquanto todos falávamos em uníssono, sem parar: Ba-ta-ta-quen-te-ba-ta-ta-quen-te-ba-ta-ta-quen-te...

Voltando à informação. E adoro uma teoria da conspiração: O Bama está com a popularidade baixa. Mata o Zama. Os abobadinhos o idolatram. O Bama, não o Zama. Todos os jornais do mundo mostram os pulinhos histéricos dos fazedores de justiça da bolota azul. É o cara! Mega, super, ultra! Hip, hip, hurra! Que ninguém mais diga que ele não cumpriu promessas de campanha. Tá fazendo jus ao salário. Mas ainda acho que tem caroço nesse angu. Sei não. Aí tem!!!

Andei vendo o filme Jogo de Poder, com o Sean Penn e a Naomi Watts, no qual uma agente da CIA quase se lascou porque seu marido desmentiu publicamente o governo Bush que afirmava, mesmo sabendo que isso era falso, que o Iraque possuía armas de destruição em massa. A história é real e no final do filme a gente fica se achando uma banana pacovan por ser vaquinha de manobra. Vaquinha? Não. Massinha.

Bem, vão-se os Zamas, ficam os Bamas. E só o futuro nos dirá se procede a informação que temos de que a humanidade tem jeito ou se, como o Zama, só matando!

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Yupiiiiii!!!

Acabo de ler um texto do Luciano Pires, sobre a inércia, que me estimulou a voltar a escrever. Concordo plenamente com ele quando afirma que a maior parte dos nossos dias é ocupada com repetições intermináveis dos dias anteriores. Acordamos do mesmo jeito, tomamos café com os mesmos ingredientes, vamos ao trabalho pelo mesmo caminho.... enfim, como na música Cotidiano, do Chico, " todo dia ela faz tudo sempre igual"...

A menos que alguma força externa nos tire desse rumo, dessa sucessão de repetições, como uma promoção, uma demissão, uma desilusão amorosa, continua Luciano, ficaremos eternamente repetindo, repetindo, repetindo... A menos que consigamos produzir nossa própria motivação, abraçando uma causa, focando um objetivo, mudando deliberadamente nossa forma de estar no mundo.



Bem, já que a ideia é fazer coisas diferentes para obter resultados diferentes (sim, isso não é nada original) decidi mudar meu jeito de trabalhar. Como? Trabalhar menos? Mais? Não. Mudar o jeito, mesmo. Já falei em outras ocasiões que falo pelos cotovelos. Falo sobre o que eu estou fazendo, sobre o que eu estou pensando quando estou fazendo alguma coisa. Falo, falo, falo... sim, estou ciente de que muitas vezes meus colegas querem me defenestrar. Por isso resolvi, deliberadamente, de agora em diante, trabalhar calado. Só para ver no que dá. No estilo: uma ação isolada, aqui, gera um efeito surpreendente, acolá.




Dia 1: Entrei. Cumprimentei os presentes. Sentei. E, um a um, todos vieram falar comigo. Banalidades, coisas do trabalho, pedir ajuda com alguma planilha, fazer uma fofoquinha, sugerir uma pauta de reivindicações, solicitar a minha presença em uma reunião, mostrar um sapato novo, contar uma história engraçada, pedir que eu revisasse um texto... notei que não só eu falo prá caramba. Todos falam muito comigo também. E com alguém puxando conversa... a vaquinha amarela foi para o brejo!



Dia 2: Entrei. Não dei oi para ninguém. Me esgueirei até a minha mesa. Quando ia abrindo o micro para bater o ponto, um pequeno bando de colegas me cercou para aproveitar e usar a rede interna para fazer o mesmo. Se instaurou uma micro-média reunião informal em torno da minha mesa e alguém apareceu com um bolo de rolo (um bolo típico de Pernambuco) e lá se foi a determinação de ficar de bico fechado, goela abaixo, junto com o petisco e um café recém saído da copa.



Noite do segundo dia: Costumo dar uma repassada involuntária nos sucessos e insucessos que se sucederam sucessivamente durante o dia e avaliei que precisava ocupar a boca de outra forma. Muito bem. Em boca fechada não entra (e não sai) mosca. Facinho.



Dia 3: Levei um pote de sementes e frutas secas. Passas, damascos, amêndoas, castanhas de caju e do pará, pistache, essas coisitas. Frustração dupla. As pessoas foram atraídas pelas delícias e eu acabei falando, e o que é pior, de boca cheia.



Noite do terceiro dia: Lembrei de Paulo Freire e da práxis. Fazer, avaliar, corrigir, fazer, avaliar, corrigir. Se isso não é dele, é de alguém. Mas a ideia é boa. E lembrei de outra ideia genial, que eu não sei de quem é, mas que meu terapeuta falava sempre. Modelar. Ver o que dá certo com outra pessoa, o que funciona, e aplicar. Copiar, imitar. Usar a expertise, o know-how. E a imagem se materializou. A colega que usa fones de ouvido quando quer se desconectar!(Ou tirar férias da minha linda voz, pois senta na mesa em frente a minha). É isso. Preciso fones de ouvido. Mas fones de ouvido tem que estar conectados a alguma coisa que toque música. Devo esclarecer que meu aparelho de MP3 é tão xexelento que eu tenho vergonha dele. É verde-água. E tem cavalinhos multicores no display. Como alguém pode ser levado a sério com um MP3 verde-água com cavalinhos??? Bora comprar uma coisa mais decente.



Dia 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11: Passei papagaiando no trabalho, como sempre, e aguardando o entregador da Saraiva.com com ansiedade moderada. Meu MP4 estava a caminho.



Dia 12: Chegou meu brinquedo! Yupiiiiii!! Agora sim. Prevejo minha tão esperada mudança na forma de estar no mundo. Seriedade total no trabalho. Vou me desconectar com elegância. Mudo. Sério. Compenetrado. Abro a embalagem e já vou percebendo que não deveria ter economizado. Devia ter investido em alguma coisa da Apple. Mas esse também era bonitinho. E custou quatro vezes menos... ? Que teclas duras. E que menu mais sem lógica. E só está gravando a metade de cada CD, depois tranca e eu tenho que desligar o micro?? Não! Assim não pode. Assim não dá!



E essa borboleta pink no display? Quequeéisso???? Vou desconsiderar esse detalhe no meu novo equipamento de trabalho. Afinal, não será um inseto purpurinado que me fará desistir da minha tentativa de mudar. Aguarde, mundo do silêncio, aqui vamos nós. Sandrinha e eu! (Como quem é ela? A borboletinha!!! Mas é cada pergunta, vou te contar!!).

sábado, 9 de abril de 2011

O X da questão

Eis que empaquei na letra xis. Muitos textos se insinuaram. Entretanto foram todos abortados. E, há pouco, me dei conta de que o xis é essencialmente uma encruzilhada. Um caminho cortado. No tarô se diria, do segundo tracinho: "Este o atravessa...". Pois é este caminho, que se impôs agora, que tomo sem culpa. Abandono aquele que me levaria ao cumprimento do meu propósito inicial. Salto do trem três estações antes do destino final. Adeus xis, ípsilon e zê. Sigo, rebelde, rumo ao... comunismo???



Pois sim. Ontem à noite despertei com um baita susto. Um trovão caiu no meu pátio! Talvez não tão perto, mas, a julgar pelo estrondo, imaginei que sim. Seguiram-se muitos outros, em uma tempestade que durou horas. Choveu ruidosamente e meu sono ficou comprometido. Como de hábito, costumo aproveitar estes momentos para ler. Assim a insônia é recebida com uma certa alegria. Como se eu fosse presenteado com algumas horas além das vinte e quatro regulamentares.



E foi assim que cheguei à página cento e vinte do livro "A Brincadeira", de Milan Kundera. Entre críticas ao totalitarismo do regime comunista (que conheceu de dentro, pois foi membro do partido) neste romance ele analisa, terrivelmente bem, alguns aspectos essenciais da alma e da natureza humanas. Especificamente nesta passagem que eu cito, ele fala da juventude. Compara os jovens a atores que representam papéis. Diz que a vida exige dos jovens comportamentos e posturas que eles, seres inacabados, são ainda incapazes de ter. Assim, se apropriam de formas e modelos que consideram adequados e interpretam personagens. Agarrando-se freneticamente a fórmulas e idéias decoradas, que compreenderam apenas pela metade, saem pela vida, como atores em um palco qualquer.



Não duvido que, no auge do comunismo, na Tcheco-Eslováquia, representar os papéis certos fosse extremamente importante para os jovens. Necessário, até. Disso dependia o destino de cada um dentro do partido. Ou fora dele. Mas... e o que dizer dos jovens capitalistas? Não representam igualmente? Ainda que diferentes papéis, são, a cada dia mais cedo, instados a agir como adultos. São atores mirins que escolhem os personagens que vão representar sem outro critério que não a imitação. Pequenos macaquinhos que se agitam diante da possibilidade de chamar a atenção para si. Se no comunismo a necessidade de demonstrar devoção e obediência cega ao partido era vista com naturalidade, o que dizer da forma mansa e pacífica com que os jovens hoje aceitam as noções de vencedor e perdedor impostas pelo nosso sistema? Tanto quanto no comunismo, eles se esforçam para serem iguais. Para serem parte do bando.



Mas no fundo, convenhamos, isso não sucede apenas com os jovens. Tomar emprestadas idéias alheias e mal compreendidas não é privilégio de quem viveu pouco tempo. Assumir posturas e comportamentos imitados é comum também a quem viveu pouco. Ainda que por muito tempo. Sem muito amar, sofrer, sorrir, se dar, se perder e se achar, perder, ganhar e tudo aquilo que é viver, não passamos de miquinhos. Amestrados para seguir sempre no caminho reto. No caminho certo. E sem coragem para descobrir as incógnitas que nos reservam todos os outros caminhos possíveis.



E voltamos à encruzilhada. Que é o xis da questão. Eu, sem querer, e com certa surpresa, percebo que desci na estação que tinha pensado saltar. Prova de que o destino, esse imenso dragão que nos espreita, existe, sim. E nos aguarda incansável, seja qual o for o caminho que optemos trilhar.

terça-feira, 22 de março de 2011

Três perninhas

Vê, dobrevê, xis, ípsilon, zê. Era assim que eu terminava de "declamar" o alfabeto, quando fui alfabetizado. Mas meus pais já iam falando que o vê com três perninhas só era usado em casos muito especiais, como também acontecia com o ká e com o ípsilon. E quando se usa o vê com duas perninhas, mãe? Para escrever o nome do teu tio-avô, por exemplo: Tio Westernay. E ela pronunciava assim: Ves-ter-nai. Ah! Então tá.

O ká não me fascinava tanto, tinha uma coleguinha que se chamava Katya. E graças a ela o ípsilon também não era nenhuma grande coisa. Mas o dáblio... sempre me fascinou. Ainda mais quando eu descobri, devia ter uns seis ou sete anos, que ele tinha som de u. Chegou na minha sala de aula um garoto novo, Wesley. E falou que seu nome era Uéslei. Porque não Véslei? Como vocês são burros! Neste colégio de freiras não ensinam inglês? Oh! Fiquei me sentindo o supra sumo da ignorância. Depois, quando uma prima namorou um Washington, eu fui logo acertando na pronúncia: Uóchinton. Agora sim! Mas... e a Walquíria? Cotinuava sendo Valquíria! Gurizinho besta. Vou chamá-la de Ualquíria, por acaso? Não dei mais cabimento e esqueci por um tempo essa questão ortográfica.

Recentemente tive que soletrar o e-mail (ou, mais correto dizer, endereço eletrônico) de um conhecido - cujo nome começa com w - para o colega da mesa ao lado. Percebi, então, que enfiaram o w (e mais o k e o y, sei) no alfabeto da língua portuguesa, mas que não há palavras da língua portuguesa que iniciem com essa letra. As que existem são apropriadas de outras línguas!

Só o que é genuinamente brasileiro, e escrito com dáblio, é esse amontoado de nomes, de gostos e pretensões duvidosas. Wellyngton, Wallace, William (que são da turma do u), Walter, Wagner, Waldemar, Wando (que são da turma do vê) entre muitos outros.

No fundo, no fundo, esse vê de três perninhas só serve prá quem quer se fresquear. De duas perninhas está prá lá de bom para qualquer vivente.
Aceita um uísque? Ou você só bebe wisky?

quarta-feira, 16 de março de 2011

Aperte-me!

Quá, quá, quá, quá!

O Paulão e o Bola (meus dois neurônios) estavam aqui cogitando sobre o assunto a abordar hoje e surgiu, assim, do nada, uma campanha publicitária do tempo do epa. Desodorante "Van Ess"! O tubinho de desodorante falava: - Aperte-me! Muito hilário. Mas a questão não é pacífica. Há quem diga que o desodorante que falava era o "Avanço". Não concordo, acho que esse slogan era dito por uma cara bonitão: - Com Avanço, as mulheres avançam!

Quanta bobagem se produziu naquela época. E o que dizer do comercial do cara que ficava sentando e levantando com uma voz em off: "Senta, levanta, senta, levanta, senta, levanta. Tergal não amassa!" Um gênio da criatividade.

Aliás, adoro as placas inventadas pelo povo, na beira das estradas. Tem uma, por onde eu sempre passo, indo para as praias do sul, que tem o desenho de um frango assado, de costas, aberto, sem cabeça, com letras irregulares logo acima: "Venha, estou assadinho". Que tristeza, um frango decapitado se oferecendo para ser comido! Tadinho!

Outra jóia da comunicação visual foi uma placa assim, perto de um redutor de velocidade:
Vendo cac
horro pudo
Só entendi no dia seguinte, quando passei outra vez lá e, sob a placa, estava uma menina com uma caixa cheia de poodles branquinhos!

Aliás, uma peculiaridade aqui da praia é a preferência por poodle. E poodle branco. Esta é, de longe, a raça predileta. Que quase todo mundo chama, carinhosamente, de "pudo". Encontrei com uma senhora toda bem vestida, noutro dia, na sala de espera do veterinário. Bem entendido que ela e eu estávamos acompanhados de nossos filhos de pelo. Ela me contou que agora tem só esse "pudo", mas que adora cachorros e que, inclusive, já criou um "box" e um "pitimbu" mas que não quer mais nenhum bicho muito grande ou peludo, então está pensando em comprar um "pinchi", igual aos meus. Gente, eu tenho dois cachorros da raça tekel, ou daschund, ou linguicinha, ou salsicha!!!!! As orelhas dos meus são enormes, dobradas e eles são compriiiidos, baixiiiinhos. Que pinscher? Véia louca! Ôxe! Pois um dos meus cães é igualzito aquele do comercial da Cofap, lembram?

E voltamos à publicidade sem esclarcer de quem era a fala de voz fininha: - Aperte-me!

Continuo apostando que o desodorante oferecido era o Van Ess!

Uniformes

Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem

Sua cartilha tem o "a" de que cor?
O que esta acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou

A primeira é uma estrofe de "Uniformes", do Leoni e do Léo Jaime. Uma das muitas músicas do Kid Abelha que eu simplesmente a-do-ro.


A outra é um pedacinho de "Relicário", do ma-ra-vi-lho-so Nando Reis.

Os dois recortes ilustram muito bem a vida e as relacões que estabelecemos. Cada um nasceu em um canto diferente. Com referências próprias, com valores particulares, com singulares formas de ver e compreender o mundo.


De modo geral, fomos todos instruídos a conviver harmoniosamente com as pessoas todas, por mais esquisitas que elas pudessem parecer a nossos limitados olhos. E assim fazemos. Porque é politicamente correto, porque é cristão (?), porque somos obrigados por lei a não discriminar. Ok.

Mas conseguir conviver socialmente não implica na mágica de compreender determinado gosto, de aceitar uma estética muito peculiar, de compartilhar sonhos e anseios. Assim, sei que meu cabelo espanta muita gente. E eu me espanto com os heróis das blusas que elas vestem. Nós não nos entendemos bem. Aprendemos a vida por cartilhas diferentes. Estudamos em escolas que usavam uniformes diferentes. E agora é natural que nossas máscaras sociais também não se assemelhem.

O que nos falta, mais do que qualquer outra coisa, é disposição para abandonar essas referências antigas, que agora não nos servem mais. Mas isso é muito difícil. Andamos pelo mundo em busca dos nossos iguais. Ficar para sempre de uniforme é uma fórmula fácil para sermos reconhecidos por nossos pares. Mas...que falta de criatividade! E que tentação grande de
achar estranhos aqueles que se recusam a viver uniformizados...

Mais fácil do que aceitar que nossa visão de mundo não é a única, é acreditar que é a melhor. E vivermos felizes, limitados pelas eternas fronteiras do pátio da escola.

Apesar de já ter abusado da trilha sonora, ouso finalizar com uma música que a Marisa Monte canta, que me parece que a letra e de dois titãs, tudo a ver com o texto acima:

Eu não sou da sua rua,
Não sou o seu vizinho.
Eu moro muito longe, sozinho.
Estou aqui de passagem.

Eu não sou da sua rua,
Eu não falo a sua língua,
Minha vida é diferente da sua.
Estou aqui de passagem.
Esse mundo não é
Meu, esse mundo não é seu

segunda-feira, 14 de março de 2011

Você me dá...

Isso me dá,
Tique, tique, nervoso
Tique, tique, nervoso,
Tique, tique, nervoso...

Não me perguntem de que canto obscuro da minha mente decrépita saiu a lembrança dessa música! Não sei quem é o autor nem tampouco quem cantava essa maravilha. A culpa é da tempestade de idéias que eu fiz comigo mesmo em busca de uma inspiração para a letra T.

Tique. Tem três definições no dicionário. A primeira é hábito ridículo, cacoete, trejeito. A segunda é aquele vezinho que colocamos ao lado de uma lista. De ticar. A terceira eu nunca ouvi: Nem tique nem taque, que significa dizer: nem uma palavra. Nunca tinha escutado essa expressão. Mas simpatizei com ela. Passa a fazer parte do vocabulário nestoriano.

Nem tique nem taque me lembrou de uma ex-colega de escola e também de faculdade. A Sandra. Ela, quando estava falando qualquer coisa, usava um recurso inusitado. Queria dizer blá, blá, blá. Estão me entendendo? Assim como: ele me disse que estava cansado, e blá, blá, blá. Capicci? Não sei se é uma figura ou um vício de linguagem, mas a gente usa, muitas vezes, uma determinada palavra, diversas vezes em uma conversa, quando quer dizer que há muito mais coisas a relatar, mas que vamos direto ao que é mais importante. Pois Sandra falava, lá pelas tantas, não sei o que, não sei o cá. Suas frases ficavam mais ou menos assim: e fomos para a universidade, não sei o que, não sei o cá, e encontramos as gurias, não sei o que, não sei o cá... Muito a cara dela, isso. Talvez a forma correta de grafar fosse: não se o "q", não sei o "k".

A Hêlo, minha super, hiper, encaixa no meio das frases a palavra coisarada. Sim, um neologismo só dela. E eu fui ao supermercado, e coisarada, e comprei vinho, e massas, e coisarada. Assim. As coisas que não merecem ser listadas, viram coisarada na língua da Hêlo.

E não tem quem fale a todo o momento um né? Sai, né, e então, né, fui pegar o carro, né? Ééééé.

E o que isso tem a ver com tique? Nada. Vamos a eles. A pergunta que não quer calar é: devemos ou não avisar ao portador do tique que ele tem um tique? Será que o ticoso sabe que tem um tique?

Tinha um cara, esposo de uma colega, muito divertido, que adorava contar piadas. Quando ele contava algo realmente engraçado, abaixava a cabeça, como se fosse enterrá-la no pescoço, levantava os ombros, colocava rapidamente a língua para fora e arregalava os olhos. Isso durava um segundo, talvez menos, mas fazia qualquer coisa que ele estivesse falando parecer muito mais engraçada. Quanto mais as pessoas riam, mais ele repetia involuntariamente a sequência: cabeça, ombros, língua, olhos. Imagino que ele nunca tenha ficado sabendo desse tique. A reação das pessoas só reforçava a idéia de que ele era um comediante nato.

Outra amiga, quando escutava uma história realmente quente, que exigisse atenção, franzia a testa, unindo as duas sobrancelhas repetidas vezes, como se estivesse ficando braba e desficando, ficando e desficando, dá para imaginar? Até pensei, um dia, que deveria falar isso a ela, mas o hábito estranho não se manifestava sempre. Só na presença de um babado de peso. Entretanto nunca surgiu ocasião propícia. Não a vejo há algum tempo, mas ela mesma me relatou que tem uma ruga de expressão entre as sobrancelhas, que não entende de onde saiu. Acho que ela anda fofocando horrores!

E meu vizinho? Tem um cacoete muito estranho. Não tenho intimidade para falar sobre isso. Percebo que o tique só dá quando ele resolve falar mais. Ele coça a barriga, depois coça o coteovelo e o entebraço, depois coça o lado do rosto. Volta a coçar a barriga, o cotovelo e o antebraço e o rosto, e vai de novo... quanto mais ele se entusiasma na conversa, mais a frequência da coçação aumenta. Ôxe!

Até um dos meus dogs tem um tique. Basta eu dar um pouco mais de atenção ao outro e ele começa a caçar bichos voadores imaginários. Captura uma coisa que só ele vê e finge que está mastigando. Pode? Nesse caso acho que não adianta falar com ele que isso é uma ação involuntária, que aparece periodicamente, sendo dependente de fatores psíquicos, né? (Putz, falei né!)

Tenho um tique. Não tinha percebido. Acabo de receber um feed back. Saco!

E daí? Grande coisa! Aposto que você também tem um!

quinta-feira, 10 de março de 2011

Pssssssiu!

Às vezes no silêncio da noite
Eu fico imaginando nós dois
E fico ali sonhando acordado
Juntando o antes, o agora e o depois...

Música do Peninha, cantada pelo Caetano. Linda, linda. Para falar de uma das coisas que eu mais gosto: silêncio. Pode parecer uma contradição, pois falo pelos cotovelos. Mas quando estou na minha toca, sozinho, fico em silêncio.

A maior parte das pessoas que eu conheço são avessas a ele. Entram no carro e, antes mesmo de dar partida, ligam o rádio ou colocam alguma música. Chegam em casa e ligam o televisor ou o aparelho de som. Às vezes ambos. Noutros casos diversos aparelhos de TV, um na cozinha, outro na sala, outro no quarto. Necessitam barulho, ruído, movimento. Mesmo que seja para sintonizar em um programa que não gostam. Tudo menos o silêncio.

Comigo acontece o inverso. Sempre detestei barulho. Cheguei até a pensar que eu tinha uma má-formação nos ouvidos, pois aparentemente sempre escutei melhor do que os seres humanos normais. Desde criança sempre achei que o volume da TV estava alto demais. E sempre fui tachado de chatonildo. Se me sentia como um extra-terrestre por mil outros motivos, esse era apenas mais um a me fazer sentir excluído do mundo real.

Felizmente encontrei, dia desses, na Saraiva, o livro de um autor argentino (não me recordo o nome dele, agora) cujo título é "O Silencieiro". O protagonista pensa e sofre com ruídos exatamente como eu. Ufa! Sou minimamente normal. Pelo menos tanto quanto pode ser o personagem criado por um argentino. Não sei se isso deveria me servir de consolo...

Por estranho que possa parecer, se eu ficar em casa alguns dias sozinho, pode ter certeza de que vou me desconectar do mundo. O silêncio faz com que eu até respire melhor. Permite que eu estabeleça conexão comigo mesmo. E à noite, quando o silêncio é maior, meus pensamentos voam soltos. Como na música, eu fico imaginando coisas, sonhando acordado, relembrando ou inventando o que eu gostaria de lembrar.

Sento no meio-fio
dos meus pensamentos
na beira do que eu invento
E aproveito
O lado bom
Da solidão

Esta é da Zélia Duncan. Amo. E aproveito para emendar que silêncio e solidão combinam muito bem. Para completar, uma taça de vinho. Perfeito.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Coração compassado

Meu coração bate ao ritmo dos tambores. Apenas isso há em mim que segue algum ritmo. Então começo com a música da Elba, que acabo de lembrar:

Tum, tum, bate coração,
Oi, tum, coração pode bater,
Oi, tum, tum, bate coração,
Que eu morro de amor com muito prazer!

Se me aproximo de uma batucada qualquer, meu coração entra logo em sintonia. Se o batuque acelera, aumentam meus batimentos na mesma proporção. Em uma ocasião havia uma roda de umbanda, na beira do mar, durante os festejos para Iemanjá. Fui me aproximando aos poucos e entrei em tal transe que pensei que fosse baixar um santo ali mesmo. Saí disparado de perto. E se acontece, como faço para o santo sair?

Já o resto de mim é incapaz de seguir qualquer ritmo. Já não sigo os da natureza. Se a preservação da espécie depender de mim, não passaremos desta geração! Mas a verdade é que a minha incapacidade de dançar conforme a música ultrapassa questõs biológicas e sociais.

Vejo essas criancinhas, ainda mais agora, em época de carnaval, saracoteando na avenida. Mal caminham e já sabem sambar. É só escutar qualquer música e saem dando pulinhos, rebolando, dançando. Não lembro de nunca ter me animado com música. Sempre fui uma criança ativa, jogava futebol até que razoavelmente bem, andava de bicicleta, patins, subia em árvores, enfim, tudo o que competia a um garoto na minha época. Mas dançar, nunca dancei.

Daí que meus primeiros programas noturnos envolvendo dança, ainda mais com o sexo oposto, sempre me provocavam certa angústia. Não conseguia relaxar. Tinha a impressão de que todo o mundo iria me observar e perceber que eu não sabia dançar. Meus amigos e amigas entravam na boate (sim, sou dessa época) e já começavam a se balançar ao ritmo da música que estava tocando. E eu lá. Feito um poste. Duro. Ereto. Nem sorrir eu conseguia muito bem. Felizmente eu estava enganado. O mundo não prestou atenção à minha adolescência sem molejo. Sobrevivi incólume a essa fase.

Mas intimamente desejava adquirir a habilidade de dançar ou, pelo menos, relaxar um pouco e me deixar levar por um ritmo qualquer. Nesta época estava na moda a ginástica aeróbica. Mistura de ginástica e música. Parecia perfeito. Era o que eu precisava para começar. Depois o céu seria o limite. Fiz minha matrícula no Stica Vida sem nem fazer a aula experimental. Já sabia que esse era o meu esporte.

Primeira aula. As garotas eram maioria no grupo. Só eu e mais três guris, em uma turma de uns quinze. A roupa delas era hilária. Vestiam maiô sobre calças legging. Usavam polainas e faixas na cabeça, para arrematar o visual. Tudo muito colorido. Hoje isso me parece meio surreal. O traje masculino era composto de camisetas "de física" e calções de futebol. Que absurdo! E vamos nós. Eu lá atrás na última fila. As quatro paredes da academia cobertas de espelho. Lá do fundão eu mal conseguia me enxergar. O que era ótimo. A professora liga o toca-fitas (sem comentários!!). Talking Heads bem alto e ela começa a se mover para cá e para lá. Sem falar nada, só demonstrando o que devíamos fazer.

Três passos para a direita, cruzando as pernas por trás, e clap, bate palmas, gira e vai para a esquerda e clap, clap, palmas duas vezes, agora passos para trás, um pulinho, vai para a frente fazendo braços de remador, e volta e clap. Todos acompanhavam facilmente a coreografia. Quero dizer... nem todos. Em alguns minutos eu estranhamente tinha me tornado o primeiro da fila. Algo estava muito errado. Olhei os demais pelo espelho. Estavam lá atrás, muito à direita. A "profe" veio em minha direção e, sempre sem falar, fazia movimentos para que eu acompanhasse. E indicava para o espelho, para que eu observasse... o que, criatura? O que é mesmo que eu tenho que fazer? Que mico!!! A tortura durou quarenta minutos. Durante a aula toda, se havia dois braços para cima e vinte e oito para baixo, adivinha de quem eram os bracinhos rebeldes? E decifre quem era o paspalhão que se chocava com o espelho da direita quando o grupo todo tinha rebolado coesamente para a esquerda??? Prêmio para o acertador!!

Não preciso dizer que excluí definitivamente a aeróbica da minha lista de atividades para esta e para as próximas trinta e duas encarnações. Aliás, eliminei a dança como forma de expressão. A menos que incluam, no rol de danças de salão, marchar ao som de uma banda marcial qualquer, assumo que sou incapaz de dançar!

Ritmo, definitivamente, não é o meu forte. E sei bem por que. Ritmo sempre está associado a uma certa regularidade, a repetição de um determinado padrão. Não consigo me repetir. E sem repetição, não há ritmo. Só é constante em mim aquilo que é involuntário. Meu coração bate sem que eu possa interferir.






terça-feira, 8 de março de 2011

Quase

Nem sei porque existe essa palavra. Se é quase, não é.

O sujeito se esforçou, estudou o ano todo, frequentou cursinho, deixou de sair nos finais de semana, o namorado se cansou de esperar que ele aparecesse (e o trocou por alguém mais disponível), fez dezenas de provas simuladas e foi confiante para o concurso. Quase passou! Ficou ali, ali, com o último classificado. Passou? Não. Não adianta quase ter chegado lá. Não passou, não passou. Ponto final.

Quase quebrou o recorde! Não quebrou. O bolo está quase pronto! Não está, não abra a porta do forno porque vai murchar! Ficou quase perfeito! Ficou perfeito não! Tem que caprichar mais, para chegar lá!

Quase morreu! Essa é ótima. Não morreu. Só isso. Está todo quebrado, caiu um braço, perfurou o pulmão. Mas não morreu. Tá aí. Todo capenga, mas vivo. E por acaso já se ouviu dizer que alguém quase sobreviveu? Não!! Se o cara morreu, morreu, fim.

Também usa-se muito o quase bom. Adoeci, minha filha, mas já estou quase bom. Quase como, cara pálida? Já dá para levantar da cama e ir pro trabalho? Dá não? Então não está bom.

Quase significa sempre um pouco menos, aproximadamente alguma coisa, mas não tanto quanto. Menos. Sempre menos.

Toda essa falação para lembrar de uma conversa com uma amiga que quase esqueceu o canalha com quem viveu por cinco ou seis anos.

O cara, durante este tempo todo, estava quase separado da mulher. Ele quase saiu definifitivamente de casa umas dez vezes, consideradas apenas aquelas que eu contei. E minha amiga bocó quase foi feliz com ele. Eles tinham quase um casamento. Havia uma quase rotina. Ele passava na casa dela quase todas as noites. Faziam sexo quase sempre satisfatório. Ele contava o quanto era infeliz no casamento e ela acreditava. Sempre. Até que em uma tarde chuvosa de domingo minha amiga encontrou acidentalmente com ele e sua esposa em um shopping center. Os dois estavam abraçados e aos beijos na saída do cinema. No maior clima de romance. Ela quase teve uma parada respiratória, mas tomou coragem (e ar ) para segui-los até o estacionamento. Lá presenciou, surpresa, seu quase marido abrir delicadamente a porta do carro para sua esposa como nunca havia feito para ela. Nunca. No dia seguinte, como espantosamente havia sobrevivido, decidiu acabar tudo.

Ela quase conseguiu. Ele inventou uma história sem pé nem cabeça e ela quase acreditou. Expulsou-o da sua casa e da sua vida para sempre. Ele chorou copiosamente, quase como se realmente a amasse. E jurou que desta vez deixaria a esposa para sempre. Bastou para que ela o aceitasse de volta. O divórcio não aconteceu imediatamente. Nem meses depois. Nem nos dois anos seguintes. Foi o quanto demorou para que ela percebesse que jamais haveria separação.

Bem, eles não se vêem já há algum tempo e ela me fala que quase conseguiu esquecê-lo. Quase? Não esqueceu. Dorme e acorda com o infame no pensamento! Mas dói demais reconhecer isso.

Então o quase é um sedativo para a dor. Filtra a rudeza da realidade. Torna o fracasso mais aceitável. É uma forma branda de lidar com o que não deu certo.


É melhor a incompletude de um quase do que a totalidade de... uma verdade?

segunda-feira, 7 de março de 2011

O teste do amor

Homo e heterossexuais, brancos, negros, inter-raciais, novos e velhos, modernos e tradicionais, enfim todos. Todos os casais mais ou menos duradouros passarão um dia pelo teste. Podem negar, negar e negar. Mas é fato. Haverá o dia em que, sem esperar, assim, do nada, acontecerá. Bastará o relacionamento estar minimamente estável, existir aquela sensação de segurança, de estar realmente à vontade ao lado de alguém e acontecerá. Poderá ser no sofá, durante uma sessão caseira de cinema, talvez descuidadadamente, um lavando e o outro secando a louça de um jantarzinho romântico, ou na cama quando, relaxados após uma noite magnífica de sexo selvagem, aguardam o sono chegar. Não importa quando nem onde. O fato é que ele virá. O primeiro pum!

Que horror! Que grosseria! Que desagradável falar sobre isso! Ok. Concordo. Mas é inevitável que isso aconteça. Podemos não falar sobre a morte. Mas morreremos. É fato. Podemos não falar sobre puns, mas... pois é. Vou me furtar de conjugar o verbo. Também tenho meus limites. Mas, acontecerá . E aí o príncipe vira um ogro? A princesinha delicada e fina se transforma em uma sapa (esposa do sapo, que seja esclarecido)? Nada disso. Neste momento ocorre a mágica do amor. Como o amor é lindo! Surpreso com o ruído (ou com o aroma) o jovem apaixonado olha para sua recém descoberta porquinha e fala: O que foi isso, amor? E ela: Foi um ratinho! E riem juntos, achando a maior graça naquele acidente orgânico eventual. Um ratinho! Que fofo! Um ratinho escapou!

Ora, ora, o que se passou foi a fuga de uma fétida ratazana do banhado, metamorfoseada em um mimoso roedor sob o filtro do amor. Achou o pum do outro engraçado? É amor. Se não for amor o que sentimos, soltar pum é falta de respeito. E nunca mais vamos querer sair com aquele porcalhão. Há amor? A gente ri quando ele pergunta, com ar maroto: O que foi isso, um urso? Quá, quá, quá!!! Ele soltou um estrondo daqueles e ainda faz uma cara de assustado e pergunta onde está o urso? Que lindo! Acreditem, leitores, isso é o mais puro e piegas sentimento que chamamos de amor...

Por isso considero o pum um certeiro teste. Serve para aferir a quantidade de amor no início, no meio e no final da relação. E não venha me dizer, qualquer um que tenha tido uma história com alguém, durante um certo período, que isso nunca aconteceu. Sim, estou invadindo uma esfera privadíssima. Isso é desconfortável, mas é real. Ou vai dizer que depois de dois anos morando com o cara vocês continuam correndo para um lugar reservado cada vez que um ventinho se insinua? Nem vocês nem os membros da famíia real britânica! Uma hora ou outra um pum escapa.

Isso pode acabar com o clima de romance. Claro! Então ninguém fica se soltando a torto e a direito. Mas quando acontece, se isso não é motivo para acabar com um casamento de 17 anos, então ainda existe amor.

Saliento aqui que este texto não pretende ser uma apologia do pum. Muito pelo contrário. Sou, aliás, avesso a essa prátca. Até porque o gás metano é um dos responsáveis pelo efeito estufa e não pretendo aumentar minha cota de responsabilidade pela degradação ambiental. De qualquer forma, o pum é uma realidade e serve para testar até onde determinada pessoa é importante para nós.

Pum sem amor é porquice! Com amor, é ursinho!

sábado, 5 de março de 2011

O ó do borogodó!

Fiz uma pequena pesquisa na Internet, só para me certificar de que meu entendimento estava certo. É mais um menos assim: borogodó é uma gíria bem velhinha, mais do que eu, que foi criada lá pelos anos 50 por um baian0 muito achado (e tem baiano que não é achado?). Ele era muito feio e atarracado, mas tinha a fama de pegar as vedetes mais bonitas. A explicação? Ele tinha borogodó. E borogodó está no dicionário com essa definição: atrativo físico muito peculiar, especialíssimo. Borogodó não é beleza. É algo mais. É um brilho, é um jeito, é uma coisa que torna a pessoa encantadora. Feinha ou feiona, se a pessoa é interessante para alguém, tem borogodó.

O fato é que temos que nos curvar a alguns borogodós alheios. E reconhecer que existem, mesmo que não saibamos qual é. Na esfera política nacional, temos dois bons exemplos. O prefeito aqui da praia, por exemplo, é borogodozudo que só. Olho, olho e não consigo ver nele o que aquela mulher lindíssima viu. Quem sabe de quem estou falando, há de concordar. E nosso vice-presidente também deve ter borogodó. Não percebo, mas deve ter.
Sargentelli (lembram daquele babão?) dizia que suas mulatas tinham borogodó. Mas aí todo mundo reconhecia. Mas borogodó não é algo unânime. Eu, por exemplo, acho que Marília Gabriela tem. Suzana Vieira, acho que tem de sobra. Chico Buarque tem. Lobão também tem. Concordam?
Mas, é o que dizer do ó? O ó do borogodó deveria ser o exato diferencial, não é? O crème de la crème do borogodó. Certo? Errado. Erradíssimo! Quando alguém fala que achou determinada coisa o ó do borogodó quer dizer que achou a tal coisa horrível, péssima, pavorosa.


Cumé? Também não compreendi. Mas é fato: o ó do borogodó é detestável. É o lado negro do borogodó. E ele pode ser chamado assim, simplesmente: o ó (com letra minúscula, para enfatizar a sua insignificância).

E eu diria mais. O ó do borogodó não é apenas a falta de algum tipo de atrativo. O ó é mais a falta de bom senso. É a falta de educação. É a grosseria. Aquelas pessoas que resolvem atender a uma chamada do celular durante uma reunião de trabalho são o ó. Aquelas que atendem na mesa do restaurante, ao lado da sua, e falam alto, para todo mundo escutar, são o óóóó. Aquelas que ouvem música alta na beira da praia, o óóóóóóó. Aquelas que furam a fila da padaria, óóóóóóóóóó.

Concluí, neste minuto: Quem é o ó não tem nenhum borogodó.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Do ninho à toca

Por mais que eu faça, nada muda a disposição destas rolinhas de habitarem meu pátio. Reconheço que se fosse uma dessas mini-pombas, também ficaria tentado a residir em um quintal florido, com diversas varandas e sem gatos (meus cachorros são essenciais na manutenção deste quesito).

No mês passado, durante a poda quinzenal das buganvíleas, tive que dar outra ajuda à natureza. Um casal de rolinhas fez um ninho tão pequeno e instável que eu quase não vi. Por pouco não derrubo aquele amontoado mal feito de palhinhas com dois diminutos ovos dentro. Um vento mais forte e os gêmeos voariam do ninho antes mesmo de sair dos ovos! Quando vi aquela situação precária, fixei o minúsculo ninho com pequenos galhos de buganvílea em forma de forquilha e subi um pouco as laterais com cipós de jibóia. Felizmente estas duas vidinhas foram preservadas e eles alçaram vôo no tempo certo, deixando a mini-casa para trás.

Ninho! Todos um dia tivemos um ninho. Grande ou pequeno, só nosso ou dividido com um ou um montão de gente, mas um ninho. Um lugar para começar. A isso chamamos de ninho. Ninho não é algo definitivo. Um dia será deixado para trás. Como para essas rolinhas. Os pais fazem de tudo por elas. Passam dias chocando os ovos, depois dando calor, afeto e comida. Em seguida dão as primeiras aulas de vôo e de como dormir em um galho, fora do ninho. Esses ensinamentos eu posso assistir de camarote. Imagino que depois eles também ensinem aos pimpolhos como obter comida. E é só. As rolinhas já estão prontas para o mundo! Assim também conosco. Uns mais cedo, outros mais tarde, acabamos todos deixando o ninho, como deve ser. Não é confortável, esse abandono, mas é definitivo.

Mas conosco acontece algo menos selvagem. Nosso desejo de liberdade é bem mais ameno. Saímos da casa dos pais, mas a lembrança do ninho pulsa forte para a maioria de nós. Sentimos falta da segurança e do conforto de um canto só nosso. Todavia voltar ao ninho é radical demais. Assim iniciamos a busca por um lugar com a nossa cara, com o nosso cheiro, com as nossas coisas. Queremos um lugar para voltar. Um lugar que não precisemos abandonar. Uma toca.

Poucas pessoas que eu conheço tem alma nômade e despreendida. Elas andam livres, leves e soltas pelo mundo afora. Habitam aqui e ali como barcos que ancoram em um e outro cais. Invejo-as? Não mais. Gosto de voltar no final do dia para a minha toca e repousar em silêncio e segurança. Minha toca é o lugar onde gosto de estar. Lembram daquela música?

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos, meus livros, e nada mais.

Ele quer uma toca!

Lá na chácara tem um quadro com a seguinte frase bordada em ponto de cruz: Lar é onde o coração está. Meu coração está um pouco no meu ninho e um pouco na minha toca.

Vou mandar bordar em ponto de cruz: Lar é ninho. Lar é toca.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Ops! Foi mal!

Quem me conhece sabe bem as bobagens que costumo fazer. Dou mancadas tão grandes quanto inusitadas. Às vezes até eu me surpreendo. Relato aqui duas que aconteceram no período em que eu trabalhava em um banco.

Eu era caixa executivo, atendia bem e tinha uma especial habilidade com idosos. Uma santa paciência, para ser mais exato. E isso fazia com que os colegas mandassem aqueles casos mais... complicados (para ser politicamente correto) para o meu guichê. Ainda não havia código de defesa do consumidor bancário, nem era lei o atendimento preferencial. Só o que existia era sensibilidade e bom senso. E idosos e similares eram usualmente encaminhados para mim.


Bem, lá estava eu, autenticando coisas, quando a gerente ligou para meu setor e falou:

- Nestor, estou encaminhando um senhor aí. Atende ele antes dos demais, tá? Ele está de boina escura. Tens que tirar as digitais dele.

- Claro, chefinha.

Desliguei o telefone e localizei o sujeito de boina no meio dos demais clientes. Ele me olhou e eu, todo sorriso, fui saindo do guichê para atendê-lo em uma mesa, mais confortável. Então falei:

- O senhor pode dar um pulinho até aqui?

Ele retornou o sorriso e veio na minha direção... pulando!! Em uma perna só! A outra... não existia! Tadinho!! Por isso a gerente tinha mandado eu atendê-lo de forma especial. E eu pedi para ele "dar um pulinho"!! Que fora!!

Felizmente ele não percebeu a gafe. Adorou meu atendimento e saiu da agência bem contentinho. Pulando, como não poderia deixar de ser!

Noutra feita, devido ao meu talento para captar recursos, fui convidado para trabalhar por alguns dias em uma central de atendimento ao trabalhador, um tipo especial de agência que só atendia trabalhadores. Lá se efetuavam os saques nas contas de FGTS, muitas vezes bem polpudas. Esse era meu foco. Eu selecionava os maiores valores que seriam pagos naquele dia e os clientes eram enviados para mim.

Pois, entre outros, escolhi um valor bem expressivo, que seria pago a um cara relativamente novo, em função de aposentadoria por invalidez permanente. Lá só fala isso. Invalidez permanente. Não diz o que aconteceu com o sujeito. Eis que aparece o cliente. Sem os dois braços!

Sim, este post está meio bizzarro, concordo, mas é que essas duas mancadas me marcaram profundamente.

Prosseguindo: surge o cara com dois curativos em forma de bola nos ombros. Ele estava com uma calça estilo militar, com bolsos nas laterais e camiseta branca, sem mangas. Entrou. Foi encaminhado para minha mesa. Sorriu.
Eu sorri. Indiquei a cadeira, ele sentou. Fiquei aguardando que entrasse alguém que o estivesse acompanhando. Nada. Sorri. Ele sorriu.

Nos dois segundos que se sucederam. Tracei uma estratégia de atendimento para pessoas sem braços. Precisava agir naturalmente. Não podia pedir que ele assinasse nada. Não podia pedir para ele me entregar documentos. Bem. Era essa a estratégia. Super- executável. Bora lá. Analisei os valores, convenci ele de que era melhor abrir uma poupança, perguntei o que tinha acontecido, tudo muito natural.

Ele contou que trabalhava na companhia de energia elétrica e que tinha ido atender a um chamado de falta de energia em uma determinada quadra. Detectou o problema e soltou uns tais garfos, que ficam nos postes, para interromper o fluxo de energia e efetuar o conserto. Ocorre que enquanto ele estava no outro lado da quadra, com as duas mãos no fio, outra equipe foi acionada por outra pessoa, para a mesma ocorrência. Quando a segunda equipe avistou o poste sem os tais garfos, concluiu que o problema era este. Então, sem ver o caminhão em que meu cliente trabalhava, ligou os garfos novamente, reestabelecendo a corrente de alta tensão. Ele teve os dois braços carbonizados na hora.

Fiz aqueles comentários padrão: que horror, que fatalidade, essas coisas, mas sem exageros, pois o cara não estava ali para ser protagonista de nenhum circo de horrores. E continuei com os trâmites, preenchendo a ficha de abertura de conta na máquina de escrever (sim, máquina de escrever, um equipamento revolucionário que vai imprimindo à medida em que a gente digita).

Na hora dos documentos, perguntei onde estavam, ele falou que estavam no bolso direito da calça. Pedi se podia pegá-los. Claro! Ele se levantou, para facilitar. Na hora da assinatura perguntei se ele desejava que o procurador do INSS assinasse ou se queria que eu deixasse a ficha para regularizar mais tarde. Ele ficou com a segunda opção, pois acreditava que em breve estaria apto a assinar, usando uma prótese. Ok.

Tudo muito bem, atendimento nota dez, cliente captado, ficha preenchida, documentos devolvidos ao bolso lateral. Ambos de pé, para as despedidas, e eu... estico a mão para cumprimentá-lo!!! Como? Estiquei o braço! E, o que é pior, ele inclinou o ombro, como se fosse me dar a mão inexistente. E agora, tia Chica? Braço esticado, girei o polegar para baixo e apertei levemente o pom-pom do braço direito dele, fazendo um leve movimento para cima e para baixo.

Nos olhamos constrangidos e ele quebrou o gelo: Eu também esqueci!

Soltei o pom-pom e ele endireitou os ombros. Agradecemos, um ao outro, quase ao mesmo tempo. Sorrimos e nos despedimos novamente. Desta vez só com um um movimento de cabeça.

Gente, que mancadas! Entenderam agora o que eu quis dizer quando falei grandes e inusitadas???

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Lutador

Mais um filme que concorre ao Oscar. Uma historinha de lutador. Bléééééé. Quem viu um filme de boxe viu todos. O Campeão, Rocky, Menina de Ouro. Nem queria assistir "O Vencedor" mas... vambora, só para constar. Surpresa! Quando vi já estava envolvido, querendo matar o Christian Bale (aliás acho que ele é mais protagonista do que coadjuvante).

À parte os efeitos das drogas, evidente no filme, o que mais angustia é algo que vemos muito por aí. Um comportamento que igualmente pode ser classificado como vício e que também podem destruir vidas. A auto-sabotagem. Pessoas que tem tudo para dar certo mas permitem que alguém acabe com seus sonhos.

Ficam tão presas à aprovação externa que nem sabem mais o que realmente querem. Normalmente há uma figura de referência, a quem não querem magoar. Ou a quem devem imaginárias explicações. Justificativas. Querem tanto atender às expectativas desse ser superior que acabam fazendo tudo errado.

Usando minha psicologia de almanaque, parece que a coisa funciona assim: quero acertar, mas sei que não vou conseguir ser tão bom quanto fulaninho espera, então vou fazer tudo errado mesmo, porque daí eu não me sinto tão mal por não atender aos anseios perfeccionistas dele. Deu para sacar? Melhor errar porque fez de qualquer jeito, do que tentar fazer certo e isso não ser considerado suficiente para agradar o tal ser supremo.

O carinha do filme é capaz de reconhecer que tem uma mãe opressora, que o irmão não contribui em nada para levá-lo adiante, mas não consegue se libertar disso. Fica preso em um círculo vicioso que só vai se desfazer pela entrada de um novo elemento e por um acontecimento fortuito.

Na novela das sete também tem um claro exemplo disso (sim, não vou negar que estou acompanhando a nova versão de Ti-ti-ti). Um cara rico, lindo e bocó. Preso à barra da saia do pai, figura forte que passa o tempo todo mostrando seu poder e sua superioridade ao filho. O pobre menino rico só consegue fugir dessa influência nefasta depois que toma um paratequieto da amada.

Mas e se nada acontecesse? A grande maioria das pessoas presas a relacionamentos opressivos não consegue nunca abandonar essa dependência. E acabam vivendo sempre à margem, à sombra, sempre se considerando incapazes. Achando que não merecem vencer. São, no fundo, lutadores que entram no ringue preparados para perder. E, por óbvio, acabam se acostumando a levar da vida apenas safanões.

Lutar contra grilhões internos é complicado. Mas libertar-se deles é imensamente compensador. Dá para fazer isso sozinho? Tem que dar, meu caro, tem que dar... ou então se conforme em passar a vida toda lutando para ser alguém que você não é!

Para encerrar, lembrei de uma musiquinha de Ben Harper e Vanessa da Mata que tem tudo a ver:

Tudo o que quer me dar
É demais
É pesado
Não há paz

Tudo o que quer de mim
Irreais
Expectativas
Desleais

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O peso da alma

Teve até um filme falando disso. Que a alma pesa vinte e um gramas. Um médico ou cientista (não vem ao caso) fez umas camas-balanças de altíssima precisão onde colocou alguns defuntandos (defuntando é um cara que daqui a pouco vai virar presunto) e ficou de olho. Quando o sujeito passava desta para uma melhor (é o que dizem) a balança acusava uma diminuição do peso. Uns mais, uns menos, mas por volta de vinte e um gramas. E nada havia mudado na situação do ex-vivo. A única alteração era que ele não tinha mais alma. Setenta e dois quilos e vinte e um gramas quando a alma estava lá. Somente setente e dois quilos quando desalmado. Essa história é verídica, podem conferir!

E a consciência? Pesa? Inúmeras vezes ficamos com a consciência pesada. Às vezes até sem motivo. Mas ficamos. Então, será que se estivéssemos nesta super balança e inventássemos uma senhora mentira sobre alguém, algo que pudesse prejudicar seriamente um inocente, a balança acusaria um aumento de peso? E quantos gramas estaria pesando nossa consciência? Imagino que a de alguns políticos chegaria a pesar alguns quilos.

E o que dizer do peso da responsabilidade? Lembrei daquel música dos Titãs, onde Marvin relata sua angústia:

E aos treze anos de idade eu sentia
todo o peso do mundo em minhas costas

Todo o peso do mundo? Uma responsa pesadona! Para um guri, fedendo a coeiro, então?! Ninguém merece! Mas adultos também ficam sobrecarregados. E acho que é um grande alívio tirá-la das costas. Aliás, se responsabilidade não fosse um fardo, não seria carregada nas costas, como uma mala sem alça. É sempre uma coisa desconfortável. Sem falar que entre a consciência, a alma e a responsabilidade, a última pode pesar mais!

E, como diria Seu Creisson, não é apenas issio: a alma está lá, se eu tirar morro. A consciência está lá, se eu tirar fico maluco. Mas a responsabilidade não faz parte de mim. Se eu tirar, fico... feliz!!! Leve!!

Isso não é interessante? Pois vou lançar uma nova dieta:
Irresponsável, magro e feliz!

Sei não, isso está me dando um certo peso na consciência...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

And the Oscar goes to...

Não, não vou falar hoje de nenhum filme. O que não significa o afastamento completo dos dramas e comédias, por inerentes à vida. Falarei de julgamentos. Sim. Daqueles a que eventualmente somos submetidos, queiramos ou não.

Quando alguém está nos julgando sem que saibamos, e isso ocorre com mais frequência do que imaginamos, não há grandes dramas a administrar. Normalmente quem nos julga assim são aquelas pessoas a quem não damos a mínima importância. Então é mais fácil (e inteligente) relevar. Não dar bola. Simples assim. Gostou? Ótimo! Não gostou? Vai te catar!

Entretanto há julgamentos a que nós próprios, de forma espontânea, nos submetemos. E aí o veredicto é importantíssimo. Exemplos: exame vestibular, entrevistas de emprego, apresentação à mãe do fulano com quem estamos saindo... E aí vem a ansiedade de saber: fui aprovado? Demonstrei tudo o que eu sei? Agradei?

Via de regra, e a isso alguns chamam de Lei de Murphy, basta nos colocarmos sob o foco e puf, lá vai besteira. Cai na prova bem aquilo que estudamos e na hora de responder a questão não percebemos que o enunciado falava para assinalar a alternativa "incorreta". E tacamos um baita xis na letra A. Tá certa! Dããã. Mas a C, a D e a E também estavam certas, banana! Ou então à pergunta sobre nosso desempenho no último emprego, omitimos o fato de ter trabalhado por três, no último ano, conseguindo atingir às metas propostas mesmo sem uma estrutura adequada. Panaca! E ainda arrematamos falando que inúmeras ações planejadas não foram implementadas por falta de pessoal. Bocó! Falar do que não fez? De boas intençôes o inferno está cheio, já dizia Satanás. Mas nada pode ser pior do que comentar, no jantar da futura sogra, que acha o fim da picada uma mulher não saber dirigir, e descobrir, no minuto seguinte, que ela nunca quis aprender... Mereço, né?

Julgamentos também implicam comparações. Acertei mais questões do que os outros? Fui mais brilhante do que os demais candidatos à vaga? Causei melhor impressão do que todos os ex juntos? É esperar para ver. E, se ser julgado dá arrepios, o que dizer da espera pelo resultado? Passei? Fui o escolhido? Essa senhora possessiva e intransigente (sogras sempre são assim) está me odiando? Vai me tolerar, algum dia? Será que ela gostava mais do ex dele do que de mim? Como parecem ser longos e angustiantes os momentos que antecedem o resultado de qualquer julgamento, quando estamos aguardando a frase que poderá nos levar às alturas ou ao chão: E o Oscar vai para....

Li há algum tempo um livro chamado "De Bagdá, com amor". Foi escrito por um soldado (talvez ele tenha alguma patente, não lembro) descrevendo a forma como os fuzileiros navais adotaram um filhotinho de cachorro (Lava) durante a guerra do Iraque, do dia-a-dia no acampamento e da forma como conseguiram enviá-lo, em segurança, para os Estados Unidos. Numa certa altura da história, ele relata a angustiante espera de informações sobre a situação de Lava, que era delicada e que envolvia a boa vontade de inúmeras pessoas. Essa espera sem saber se ele estava bem, se ele conseguiria atravessar as fronteiras, era horrível.

Ele fala, de uma maneira envolvente que nunca consegui esquecer, que toda a aflição se resume a uma espera. Que medo não tem nada a ver com a dor, com a condenação eterna ou com a suspensão da existência. O medo é o que fica entre uma situação e outra, entre um momento em que tudo está bem e o momento em que algo que o preocupou a vida inteira pode acontecer. O medo é toda a espera. E fala que talvez seja isso o que move os homens-bomba. Eles simplemente se cansam de esperar por uma morte anunciada, que tarda para chegar. E puxam o gatilho acabando com a expectativa.

Pelo sim, pelo não, enquanto aguardo o resultado de um julgamento qualquer, procuro ficar longe de explosivos!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vai sacudir, vai abalar...

Seguindo na saga "ver todos os filmes do Oscar" hoje foi a vez de "Minhas mães e meu pai" (a rigor o título deveria ser "As crianças estão bem", mas vai entender porque no Brasil os tradutores tomam essas liberdades artísticas com os filmes dos outros...).

Vamos a um resuminho sem contar o final: um casal de lésbicas (Annette Bening e Julianne Moore) engravida por inseminação artificial usando o sêmen do mesmo doador. Desta forma tem dois filhos que são meio-irmãos. Quando a filha mais velha completa 18 anos, ela e o irmão decidem conhecer o pai biológico. Consultado pela clínica, ele não se opõe. O doador é ninguém menos do que Mark Ruffalo que, com aquela cara de cachorro perdido, encanta qualquer um. Sem nem falar. E ele ainda faz um tipo meio alternativo, boa praça (isso é velho!), educado e... disponível.

Se ele fosse um pobretão, se fosse feio, se fosse um chato, possivelmente tudo teria acabado no primeiro encontro. Ele é o oposto. Os filhos e uma das mães sucumbem ao seu charme. O casamento delas entra em crise.

Mas não era uma relação sólida, estável, antiga, baseada em amor e respeito? Não era uma estrutura familiar padrão (se bem que um padrão diferente do normal)? Como pode balançar desta forma?

Pois a palavra de hoje é esta: instabilidade. Adaptando a frase de sei lá quem que diz que de perto ninguém é normal, quando se fala na solidez dos relacionamentos, de perto toda a rocha é uma gelatina.

Não dá para dizer que qualquer coisa seja definitiva na vida. Tudo muda o tempo todo no mundo, já cantava Lulu Santos. As pessoas mudam, a forma como elas vêem o mundo muda, o que elas sentem muda. E se uma pequena conjunção de fatores coloca você frente a frente com Mark Ruffalo em um momento de fragilidade, danou-se! Você esquece que é gay e começa a achar que merece esse presentão!

O filme é levinho e não exige esforço para criar empatia com os personagens. Trata de temas bem atuais e de outros que são eternos em todos os relacionamentos longos. Tem mil aspectos que merecem reflexão.

Tomo um deles e pergunto:

O reconhecimento da instabilidade inerente à vida nos deixa mais atentos aos que nos são caros?

Instabilidade, insegurança, incerteza... Estes temperinhos, bem dosados, podem dar um sabor especial e prolongar a vida a dois. Será?