Nem sei porque existe essa palavra. Se é quase, não é.
O sujeito se esforçou, estudou o ano todo, frequentou cursinho, deixou de sair nos finais de semana, o namorado se cansou de esperar que ele aparecesse (e o trocou por alguém mais disponível), fez dezenas de provas simuladas e foi confiante para o concurso. Quase passou! Ficou ali, ali, com o último classificado. Passou? Não. Não adianta quase ter chegado lá. Não passou, não passou. Ponto final.
Quase quebrou o recorde! Não quebrou. O bolo está quase pronto! Não está, não abra a porta do forno porque vai murchar! Ficou quase perfeito! Ficou perfeito não! Tem que caprichar mais, para chegar lá!
Quase morreu! Essa é ótima. Não morreu. Só isso. Está todo quebrado, caiu um braço, perfurou o pulmão. Mas não morreu. Tá aí. Todo capenga, mas vivo. E por acaso já se ouviu dizer que alguém quase sobreviveu? Não!! Se o cara morreu, morreu, fim.
Também usa-se muito o quase bom. Adoeci, minha filha, mas já estou quase bom. Quase como, cara pálida? Já dá para levantar da cama e ir pro trabalho? Dá não? Então não está bom.
Quase significa sempre um pouco menos, aproximadamente alguma coisa, mas não tanto quanto. Menos. Sempre menos.
Toda essa falação para lembrar de uma conversa com uma amiga que quase esqueceu o canalha com quem viveu por cinco ou seis anos.
O cara, durante este tempo todo, estava quase separado da mulher. Ele quase saiu definifitivamente de casa umas dez vezes, consideradas apenas aquelas que eu contei. E minha amiga bocó quase foi feliz com ele. Eles tinham quase um casamento. Havia uma quase rotina. Ele passava na casa dela quase todas as noites. Faziam sexo quase sempre satisfatório. Ele contava o quanto era infeliz no casamento e ela acreditava. Sempre. Até que em uma tarde chuvosa de domingo minha amiga encontrou acidentalmente com ele e sua esposa em um shopping center. Os dois estavam abraçados e aos beijos na saída do cinema. No maior clima de romance. Ela quase teve uma parada respiratória, mas tomou coragem (e ar ) para segui-los até o estacionamento. Lá presenciou, surpresa, seu quase marido abrir delicadamente a porta do carro para sua esposa como nunca havia feito para ela. Nunca. No dia seguinte, como espantosamente havia sobrevivido, decidiu acabar tudo.
Ela quase conseguiu. Ele inventou uma história sem pé nem cabeça e ela quase acreditou. Expulsou-o da sua casa e da sua vida para sempre. Ele chorou copiosamente, quase como se realmente a amasse. E jurou que desta vez deixaria a esposa para sempre. Bastou para que ela o aceitasse de volta. O divórcio não aconteceu imediatamente. Nem meses depois. Nem nos dois anos seguintes. Foi o quanto demorou para que ela percebesse que jamais haveria separação.
Bem, eles não se vêem já há algum tempo e ela me fala que quase conseguiu esquecê-lo. Quase? Não esqueceu. Dorme e acorda com o infame no pensamento! Mas dói demais reconhecer isso.
Então o quase é um sedativo para a dor. Filtra a rudeza da realidade. Torna o fracasso mais aceitável. É uma forma branda de lidar com o que não deu certo.
É melhor a incompletude de um quase do que a totalidade de... uma verdade?
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