quarta-feira, 9 de março de 2011

Coração compassado

Meu coração bate ao ritmo dos tambores. Apenas isso há em mim que segue algum ritmo. Então começo com a música da Elba, que acabo de lembrar:

Tum, tum, bate coração,
Oi, tum, coração pode bater,
Oi, tum, tum, bate coração,
Que eu morro de amor com muito prazer!

Se me aproximo de uma batucada qualquer, meu coração entra logo em sintonia. Se o batuque acelera, aumentam meus batimentos na mesma proporção. Em uma ocasião havia uma roda de umbanda, na beira do mar, durante os festejos para Iemanjá. Fui me aproximando aos poucos e entrei em tal transe que pensei que fosse baixar um santo ali mesmo. Saí disparado de perto. E se acontece, como faço para o santo sair?

Já o resto de mim é incapaz de seguir qualquer ritmo. Já não sigo os da natureza. Se a preservação da espécie depender de mim, não passaremos desta geração! Mas a verdade é que a minha incapacidade de dançar conforme a música ultrapassa questõs biológicas e sociais.

Vejo essas criancinhas, ainda mais agora, em época de carnaval, saracoteando na avenida. Mal caminham e já sabem sambar. É só escutar qualquer música e saem dando pulinhos, rebolando, dançando. Não lembro de nunca ter me animado com música. Sempre fui uma criança ativa, jogava futebol até que razoavelmente bem, andava de bicicleta, patins, subia em árvores, enfim, tudo o que competia a um garoto na minha época. Mas dançar, nunca dancei.

Daí que meus primeiros programas noturnos envolvendo dança, ainda mais com o sexo oposto, sempre me provocavam certa angústia. Não conseguia relaxar. Tinha a impressão de que todo o mundo iria me observar e perceber que eu não sabia dançar. Meus amigos e amigas entravam na boate (sim, sou dessa época) e já começavam a se balançar ao ritmo da música que estava tocando. E eu lá. Feito um poste. Duro. Ereto. Nem sorrir eu conseguia muito bem. Felizmente eu estava enganado. O mundo não prestou atenção à minha adolescência sem molejo. Sobrevivi incólume a essa fase.

Mas intimamente desejava adquirir a habilidade de dançar ou, pelo menos, relaxar um pouco e me deixar levar por um ritmo qualquer. Nesta época estava na moda a ginástica aeróbica. Mistura de ginástica e música. Parecia perfeito. Era o que eu precisava para começar. Depois o céu seria o limite. Fiz minha matrícula no Stica Vida sem nem fazer a aula experimental. Já sabia que esse era o meu esporte.

Primeira aula. As garotas eram maioria no grupo. Só eu e mais três guris, em uma turma de uns quinze. A roupa delas era hilária. Vestiam maiô sobre calças legging. Usavam polainas e faixas na cabeça, para arrematar o visual. Tudo muito colorido. Hoje isso me parece meio surreal. O traje masculino era composto de camisetas "de física" e calções de futebol. Que absurdo! E vamos nós. Eu lá atrás na última fila. As quatro paredes da academia cobertas de espelho. Lá do fundão eu mal conseguia me enxergar. O que era ótimo. A professora liga o toca-fitas (sem comentários!!). Talking Heads bem alto e ela começa a se mover para cá e para lá. Sem falar nada, só demonstrando o que devíamos fazer.

Três passos para a direita, cruzando as pernas por trás, e clap, bate palmas, gira e vai para a esquerda e clap, clap, palmas duas vezes, agora passos para trás, um pulinho, vai para a frente fazendo braços de remador, e volta e clap. Todos acompanhavam facilmente a coreografia. Quero dizer... nem todos. Em alguns minutos eu estranhamente tinha me tornado o primeiro da fila. Algo estava muito errado. Olhei os demais pelo espelho. Estavam lá atrás, muito à direita. A "profe" veio em minha direção e, sempre sem falar, fazia movimentos para que eu acompanhasse. E indicava para o espelho, para que eu observasse... o que, criatura? O que é mesmo que eu tenho que fazer? Que mico!!! A tortura durou quarenta minutos. Durante a aula toda, se havia dois braços para cima e vinte e oito para baixo, adivinha de quem eram os bracinhos rebeldes? E decifre quem era o paspalhão que se chocava com o espelho da direita quando o grupo todo tinha rebolado coesamente para a esquerda??? Prêmio para o acertador!!

Não preciso dizer que excluí definitivamente a aeróbica da minha lista de atividades para esta e para as próximas trinta e duas encarnações. Aliás, eliminei a dança como forma de expressão. A menos que incluam, no rol de danças de salão, marchar ao som de uma banda marcial qualquer, assumo que sou incapaz de dançar!

Ritmo, definitivamente, não é o meu forte. E sei bem por que. Ritmo sempre está associado a uma certa regularidade, a repetição de um determinado padrão. Não consigo me repetir. E sem repetição, não há ritmo. Só é constante em mim aquilo que é involuntário. Meu coração bate sem que eu possa interferir.






2 comentários:

Anônimo disse...

Ameiii, e to quase morrendo de rir...kkkk... Posso afirmar que mais pessoas da familia já FORAM assim, estou conseguindo fazer a pessoa entrar no "meu" ritmo...hahaha... Beijãooo

Nestor K. disse...

Li bem um verbo no passado? Foram??? Talvez eu deva retomar as esperanças perdidas...