terça-feira, 15 de novembro de 2011

Sobre listas e baratas

Minha cunhada me deu um par de chinelos listados de azul marinho e branco. Eles são de tecido atoalhado e têm sola flexível. Podem ser lavados na máquina. Mas essa não é uma grande vantagem, pois não vou enfiá-los para lavar junto com lençóis, por exemplo, afinal, são uma coisa mais suja. Piso no chão com eles. Então só lavo em determinadas ocasiões, mais especificamente junto com o tapete fofinho do banheiro das visitas. E lavo esse tapetinho a cada duas ou três semanas. A última lavação da dupla tapete e chinelos listados (na verdade trata-se de um trio) foi na semana passada. O azul está bem marinho e o branco, branquíssimo.

Ontem exagerei um tanto no jantar e no vinho. Acordei no meio da noite morrendo de sede e parti para a cozinha, em busca de um generoso copo de água mineral geladinha. Com gás. Mas isso, o gás, não vem ao caso. Acendi a luz da cozinha e me deparei com uma imeeeensa barata. É notório e incontestável, todos sabemos, que historicamente homens tem horror a baratas. Não podemos concebê-las vivas e perambulando pela casa como fazemos com as também porquésimas formigas. Então a eliminação da intrusa da madrugada era essencial e urgente. Senti meu instinto assassino súbita e totalmente desperto. Então, numa atitude primitiva, olhei para meus pés e me senti impotente: Chinelo listadinho!! Impossível matar uma barata com um chinelo listadinho de azul marinho e branco com sola flexível!

Foi por isso, e só por isso, que saí correndo!!! Não me interpretem mal. Estava em busca da segunda arma mais eficaz que existe contra batatas: Mortein. Alguém dirá que eu deveria ter ido em busca de um chinelo mais adequado, Havaianas, por exemplo. Mas só pensaria em Havaianas quem não conhece o Mortein. Um tubo de inseticida pretão. Com a tampa, que também é o troço de apertar, vermelha. E na frente tem o desenho de um raio caindo em cima de uma barata com as perninhas para o ar e a frase: Mata em seis segundos. Só de olhar para o tubão a gente se sente seguro. Com ele nas mãos o sangue voltou a correr em minhas veias e me senti absolutamente confiante.

Voltei corajosamente para a cozinha empunhando a arma letal. Avistei o indivíduo e fui até ele. Primeiro jato: chhhhhhhhhhhhhhhhh. Errei. A criatura saiu correndo. Nova investida, chhhhhhhhhhhhh, e ela foi para outro canto. E eu atrás, chhhhhhhhhh, chhhhhhhhhhhhh, chhhhhhhhhhh. Obviamente os seis segundos só começam a contar quando a fabulosa arma química atinge o monstro. Chhhhhhhhhh, chhhhhhhhhh, xiiiiiiiiiiiiiiiiiii. A maldita foi para baixo da geladeira. Chhhhhhhhhh, chhhhhhhhh...

Cóf, cóf, cóf. Saí do aposento pressentindo uma grave intoxicação. Mal podendo respirar. Kafka, transformado em uma barata gigante, não ousaria por os pés na minha cozinha. Voltei cambaleante para o quarto. A sede agora era imensa. Bebi uns dois litros de água morna e sem gás, da torneira do meu banheiro, e voltei para a cama. Saco! Já que não tenho uma máscara anti gás lacrimogênio, melhor deixar que minha empregada remova o cadáver amanhã, quando ela afastar a geladeira para limpar embaixo. Até lá o efeito devastador do produto já deve ter passado. E, muito provavelmente, todas as baratas da redondeza estarão mortas.

Pensando melhor, vou rezar para que o unicórnio cor-de-rosa invisível desmaterialize a defunta, pois nem duendes acreditam em pessoas que a cada faxina limpam embaixo da geladeira!!!



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Persistência

Para quem acompanha (ou tenta acompanhar) estas publicações, já ficou claro que a persistência é uma das minhas características mais marcantes. Começo uma coisa e vou até o fim. Não desisto nunca, como qualquer brasileiro. E também jamais caio no lugar comum. Nem ironizo.

Pois hoje, depois de séculos sem ouvir os programas do Luciano Pires, dei uma passadinha no saite do Café Brasil e atravessei a última meia hora refletindo, ao som daquele sotaque paulista de Bauru. Mesmo os programas mais chatos dele acabam gerando algumas nuvenzinhas de pensamento sobre a minha cabeça em um gibi imaginário.

Hoje ele falou sobre a geração T. De testemunha. Que conta para os outros o que viu, o que ficou sabendo, o que alguém disse. Mas que não entende bem, não tem curiosidade, não participa, não faz acontecer. O povo do tuíter, do aipódi... E resumiu falando tratar-se de uma geração de fofoqueiros.

A julgar pelo que eu estou relatando agora, estou completamente inserido neste grupo.

Mas foi esse programa que deu uma acionada no Paulão e no Bola. Numa certa altura ele, Luciano, conta que desenhava e desenhava e desenhava. Que lá pelos vinte anos achava que seu futuro era ser cartunista e então praticava, praticava e praticava, para se aperfeiçoar.

Nestas horas, quando eu ouço alguém falar que persistiu, vem sempre o fundo musical da Paula (nunca escondi de ninguém que amo Kid Abelha, portanto sem críticas!!!):

Eu tenho pressa e tanta coisa me interessa
Mas nada tanto assim...

Que inveja dessas pessoas que sabem o que querem. Ou que pensam que sabem. Ou que acham que pensam que sabem. Devo ter vindo com uma falha. Só essa. Adoro aprender uma coisa nova. Comprei um violão. Toquei umas musiquinhas. Mal. Cansei do violão. Aprendi a jogar xadrez há uns quatro dias. Joguei três vezes com o computador. Na primeira perdi. Nas outras duas empatei. Cansei do xadrez. Ainda bem que não comprei um tabuleiro. Escrevi algumas crônicas e, bem...

Será que é porque eu sei de quase tudo um pouco e quase tudo mal? Por isso minha inaptidão para a persistência? O que será que aqueles seres superiores, que estudam e estudam e estudam até passar, que treinam e treinam e treinam até vencer, que ensaiam e ensaiam e ensaiam até brilhar têm que eu não tenho? Além do acento diferencial que eu já nem sei mais se existe????

Talvez eles sejam bons em alguma coisa. Muito bons em poucas coisas. Ou ótimos em uma só coisa... E aí essa otimitude (sim, inventei) os mova. Talvez eu nunca tenha atingido a excelência em piculinas (não inventei, quer dizer nada, nadinha, neca de pitibiriba) e por isso seja incapaz de persistir.

Quem sabe lá se o meu íntimo (meu eu interior, enquanto pessoa, assim, a nível de ser humano, entende, no cotidiano diário do meu dia-a-dia) intuindo que, mesmo praticando muitíssimo, serei incapaz de um progresso razoável em qualquer coisa, me impede de ir adiante, para evitar meu sofrimento e, quiçá, uma depressão sem volta. Um coma existencial. Então minha incapacidade de persistir não é um defeito, mas um equipamento de segurança opcional. Tenho um érbégui emocional.

Fim de reflexão. Voltando ao Luciano Pires, acho que amanhã mesmo vou começar a tuitar. Não passo de um jurássico membro da geração T.