Por mais inverossímil que possa parecer, eu escrevo cartas. Talvez seja o caso de explicar que carta é uma coisa que surgiu quando a caneta sucedeu ao tacape. Para quem só ouviu falar, assim, de relance, esclareço que é um e-mail que a gente escreve à mão em um papel e manda entregar para o destinatário por meio do correio (sim, correio é a mesma empresa que traz em casa as compras feitas pela Internet).
Quem achou a introdução dispensável talvez consiga compreender (compartilhar seria pedir muito) essa minha predileção. E tenho certeza de que não há alguém que não se emocione ao receber uma carta à moda antiga, escrita à mão, com letra caprichada, de preferência com caneta tinteiro sobre papel de seda... mmmm. Raras vezes recebi uma dessas! Lamentavelmente nasci algumas décadas depois que esse romântico gesto era frequente.
Fico imaginando a emoção de escrever uma carta de amor! Revelar-se por inteiro e depois esperar... ai, a ansiedade da espera, de pensar que ela não vai responder, que mudou de idéia! Será? E a alegria de receber uma carta e recenhecer a letra daquela a quem se ama! Pensando bem, isso nem sempre pode ser bom, como na música:
Lendo o envelope bonito
No seu sobrescrito eu reconheci
A mesma caligrafia
Que me disse um dia
Estou farto de ti
Até terminar romances é mais fácil por carta! Uma carta é algo definitivo, concreto, que inspira certo temor reverencial. Kid Abelha já dizia:
Tantos sonhos morrem
Em poucas palavras
Um bilhete curto
E já não há nada
Alice não me escreva
Aquela carta de amor
E livrar-se da carta facilita esquecer a vil criatura que não mercece mais respirar o mesmo ar que respiramos. Basta rasgar as cartas, ou ainda melhor, queimá-las (o fogo tem um aspecto purificador), para iniciar o "suma para sempre". Quem leva um fora por e-mail faz o quê? Deleta? Plic. Gesto mais bobo, sem emoção, não vai ajudar muito. Já rasgando... olha aí o final daquela música de antes:
E assim pensando rasguei
Tua carta e queimei
Para não sofrer mais
Ou aquela:
Rasgue as minhas cartas
E não me procure mais
Assim será melhor
Meu bem!
Mas não são apenas de amor, as minhas cartas. E confesso que a cada dia são mais raras. Mas sempre escritas com carinho e com a atenção inteiramente voltada a quem haverá de, em alguns dias, receber notícias minhas e, mais do que isso, saber-se lembrado e querido.
Assim eram também os cartões de Natal e Ano Novo. Escreviam-se cartões para cada um dos amigos, com mensagens personalizadas, frases escolhidas com cuidado, até a estampa do selo, se houvesse selos comemorativos no ano! E isso há pouco tempo. Lembro de, já no final de novembro, iniciar a tarefa com zelo para que chegassem a tempo de ficar sob as árvores de Natal... O princípio do fim foi a criação, pelos correios, de uns cartões xexelentos que já vinham previamente selados e que, a critério do comprador, poderiam conter mensagens imensas, sem espaço para qualquer outra anotação, que não a assinatura do remetente. Desobrigavam-se, assim, as pessoas desse fardo anual. Este antigo modo de cultivar amizades entrava em inexorával declínio.
Bem, aparentemente, significativa parcela da humanidade não sofreu com isso. Pelo contrário. Entrou em sintonia com o mundo virtual. Cartões com estrelinhas, fogos, bichos que se movimentam e falam, papais-noéis com a carinha do remetente (esse até eu usei), toda a sorte de mensagens virtuais (com autorias duvidosíssimas) chegam até nós enviadas por nossos 1517 amigos das redes sociais. Delícia!??
Como não pretendo ser considerado um dinossauro idoso e pesadão, assumi a leveza da comunicação eletrônica e também as facilidades associadas a essa tecnologia. Mas aqueles amigos que consigo contar usando apenas os dedos da minha mão continuarão recebendo, vez por outra, longas cartas escritas com caneta tinteiro sobre papel de seda!
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