quinta-feira, 13 de maio de 2010

Cláudio e Cláudia

Cláudio saiu mais cedo do trabalho. Tomou um banho demorado, fez a barba com capricho, abriu uma embalagem nova de cuecas que tinha comprado no free shop na volta da última viagem. Calvin Klein. Vestiu e sentiu uma leve ereção. Sorriu e se olhou no espelho. Gostou do que viu. Não fazia feio diante do modelo da embalagem das cuecas. Entre as dezenas de camisas que abarrotavam o closet do seu novo apartamento, escolheu uma azul clara, para realçar a cor dos seus olhos. Desnecessário, pois esse era um dos seus maiores trunfos com as mulheres, mas, pensou ele, melhor garantir. Não era dia para cometer deslizes. Sempre sorridente, e acompanhando o CD do Nando Reis que tocava, continuou a se vestir sem pressa. Havia tempo. Ele sempre fazia tudo de forma meticulosamene planejada.

Cláudia saiu às pressas do salão improvisado na casa da amiga. Tinha feito escova no cabelo originalmente cacheado e escolhido um tom fechado de vermelho para as unhas. Entrou em casa e foi direto para o quarto que dividia com as duas irmãs. Retirou do pequeno armário o vestido recém comprado, com pagamento parcelado em dez vezes, e achou melhor passá-lo a ferro. Queria estar perfeita hoje. Depositou-o com cuidado sobre a cama coberta com uma colcha de chenile, ao lado da calcinha nova. No chão as sandálias prediletas, reservadas apenas para ocasiões especiais. Entrou no chuveiro afastando com cuidado a cortina e fazendo um malabarismo para que a cabeça ficasse do lado de fora, evitando que o vapor desmanchasse a escova. Enrolada na toalha, espiou o relógio da cozinha e viu que estava em cima da hora. Como sempre.

- Seu Cláudio, o rapaz do lava jato tá aqui embaixo entregando a camionete. O senhor quer que guarde ou vai sair ainda hoje?
- Deixa aí na frente, Seu Severino. Já estou descendo. Obrigado.

- Chica! Teu irmão pode me dar uma carona pro centro?
- Bora Claudinha, que ele já tá saindo.

Cláudio conseguiu uma vaga na frente do restaurante. Se encaminhou para a mesa previamente reservada e pediu um cálice de vinho. De onde estava podia ver a porta. Mal podia conter a ansiedade de conhecê-la. Seis meses de trocas de e-mail. Conhecia aquela mulher mais do que qualquer outra na sua vida. Ela era perfeita. Ficavam horas teclando, falando sobre os mais diversos assuntos. Ela tinha o dom de desnudá-lo por inteiro. Com ela não havia limites. Tudo era possível. Seu trabalho na Procuradoria da República, que antes lhe representara o maior desafio já enfrentado, era nada perto do mundo de possibilidades que Cláudia tinha-lhe descortinado. Cláudia. Ambos riram muito com a coincidência de nomes. Ele sorriu e sorveu mais um gole.

Cláudia só calçou as sandálias quando estavam quase chegando ao restaurante que ela conhecia só de nome. Arrumou mais uma vez o decote do vestido que permitia notar seus belos seios. Meu maior patrimônio, pensou. Se bem que com Cláudio (muito engraçado termos o mesmo nome) o que menos importava era a aparência. Ele já sabia mais dela do que qualquer outro jamais soube. E tudo por meio da Internet. Ela, que adorava uma balada, tinha passado meio ano sem sair, apenas conversando diariamente com esse homem de quem tudo sabia. Até os segredos mais íntimos. Desceu do fusca e jogou o cabelo para trás. É aqui. E agora. Entrou.

É ela! Cabelo escuro, liso. Não é tão alta como eu pensava mas... que seios!
É ele! É mesmo lindo! E esses olhos!

- Cláudio? Ela se aproximou da mesa. O sorriso dele a deixou sem fôlego.
- Cláudia? Ele sorriu. E não levantou. Como não levantava há mais de vinte anos.

O sorriso no rosto dela se desvaneceu ao olhar para a cadeira de rodas.
O sorriso no rosto dele se desvaneceu ao perceber a gravidade do olhar dela.

Cláudia se afastou. A princípio lentamente. Depois se precipitou porta afora e correu pela calçada arruinando o salto das sandálias.

Cláudio baixou a cabeça e conteve as lágrimas. Pediu a conta e empurrou a cadeira até a porta do carro. Acomodou-se no banco e puxou-a para dentro de forma automática.

- Como ele foi capaz de mentir para mim desta forma? Eu confiei tanto nele! Por quê? Eu poderia aceitar tudo, até mesmo esse defeito físico, mas não uma mentira! Ele devia ter me contado!

- Como ela pode sair assim, sem me deixar explicar a razão desta omissão? Ela não podia ter feito isso comigo! Eu poderia aceitar tudo, menos incompreensão.

- Viu no que deu, Lurdinha, perdi seis meses com esse mentiroso! Homem é tudo igual.

- Olha, Pedro Henrique, valeu cada segundo. E não me arrependo. Tivesse contado logo, como das outras vezes, não teria vivido os seis meses mais maravilhosos da minha vida.

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