Meu vizinho tem um excelente equipamento de som.
Meu vizinho vai ser uma pessoa muito, muito solitária.
Passa da uma hora da manhã de domingo. Após enfrentar um sábado chuvoso e sem graça, decido ir para cama cedo, desfrutar da companhia do José - o Saramago - outro que também morreu e haverá o leitor de pensar que tenho alguma predileção por cadáveres, mas não, havia efetuado a compra deste livro antigo pela internet, antes que a morte, com suas intermitências, o resolvesse visitar - e eis que inicia uma sessão musical na casa de trás.
Por alguma confluência de engenharia, que traz o som dele diretamente para cá, ou porque o sujeito realmente ouve música muito alto, tudo o que ele toca lá escuta-se nitidamente no meu quarto. Sem distorção alguma, o que me leva a crer que ele fez um alto investimento em amplificadores, alto-falantes, caixas acústicas e coisa e tal.
Normalmente ele escuta sempre as mesmas músicas, alguns temas batidíssimos de filmes antigos, New York, New York, algumas coisas óbvias de Michael Jackson... e, por alguma razão que a própria razão deconhece, finaliza sua seleção escutando "eu sou Elimar, de todos os santos"... Bem, eu nunca disse que ele tinha bom gosto, mas nada que agredisse tanto. E quando estava começando a atingir aquele ponto de querer rogar alguma praga, vinha a musiquinha do Elimar, alertando para a inutilidade dessa tentativa e - viva! - para o final do momento musical.
Pois nunca antes eu quis tanto escutar Elimar Santos!
Obviamente esse senhor teve filhos e é a festinha de aniversário de um deles que está acontecendo. Eles escutaram todos os CDs do Aviões do Forró! Desde os mais idiotas até os mais ridículos. Dos repugnantes aos escrotos. E eu e o Zé aqui, praticando a serenidade. Pensando que, afinal, são jovens descerebrados de uma região onde o forró impera. E que, afinal, não há nestes tempos oferta de música de qualidade como havia nos anos 80... Mas, convenhamos, sempre tem alguma coisa. Particularmente não gosto de Pato Fu, mas estaria nas nuvens se fosse a Fernanda Takai assoprando nos meus ouvidos até agora. Mas Aviões do Forró, argh! E como eu sei que era Aviões do Forró? Porque os cantores gritam a cada cinco minutos o nome da banda!! Ainda mais isso!
Aí deu uma pausa, cantaram parabéns (provavelmente com as palmas das mãos desencontradas) e retomaram com uma música cuja letra magnífica é o título desta postagem: quem planta sacanagem colhe solidão. Não resisti, abandonei o Saramago e fui buscar o micro. Pesquisei e descobri que é do Latino. Latino!! Então escutaram muita coisa linda dele! Letras profundas e tocantes como "selinho na boca". O volume, nem preciso dizer.
Agora estão escutando alguma espécie de sei lá o quê, alguma música feita por presidiários. Só o que se consegue compreender é quando o cara fala "sai do chão, sai do chão", o que eu espero que não aconteça! Já pensou essa gurizada debilóide voando por aí! Elimar de Todos os Santos que não permita que isso aconteça!
Por aqui é comum que os filhos de famílias abastadas façam cursos de inglês fora do país, preferencialmente em lugares onde existem guetos de brasileiros, para facilitar as coisas. Rezo para que o filho do meu vizinho decida fazer o prezinho na Austrália. E leve consigo seus irmãos todos, para que festas embaladas por essas surpreendentes melodias sejam apenas uma lembrança distante, como aqueles sonhos ruins.
E a solidão do meu vizinho? Como diria um filósofo latino, plantou sacanagem...
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