terça-feira, 12 de outubro de 2010

Dois e noventa e nove...

Estava hoje passando no caixa do supermercado aqui perto de casa quando a operadora perguntou com cara de poucos amigos se eu ainda não tinha adquirido uma sacola de náilon.

Uma sacola de náilon? Perguntei eu. E minha voz interior: Cumé? Ao que ela respondeu: Uma dessas, de dois e noventa e nove, para não precisar mais usar tantas sacolinhas plásticas, que acabam com o meio ambiente. E deu uma ênfase no taaaantas, olhando para as compras que eu me preparava para embalar.

A sensação que tive foi de que todas as ecatombes ambientais estivessem acontecendoo por minha única, completa e máxima culpa. Pensei nas tartarugas marinhas morrendo sufocadas com o plástico, nas bocas de lobo entupidas, nas enchentes, nos lixões com material que ficará anos e anos sem uma decomposição adequada, nas baleias (baleias?). Olhei ao redor conjecturando se os outros clientes estavam de alguma forma revoltados com meu comportamento, mas percebi que todos embalavam suas compras com as terríveis sacolinhas. Ufa!

Reconfortado pela responsabilidade compartilhada respondi à moça que se o estabelecimento me desse a opção de embalar minhas compras com uma sacola de papel eu não faria qualquer oposição. Pelo contrário. Afinal não era assim há algum tempo? Pelo olhar que ela me deu, obviamente não no tempo dela. Esqueci que só nós, homens das cavernas, sabemos o que é saco do supermercado! Esclareci que se tratava de um saco, sem alças, não uma sacola, de papel pardo, no mais das vezes duplo, que se enchia com os produtos adquiridos e que era transportado no braço - e fiz assim, com o braço redondo.

Se eu tivesse feito um gesto de bater as asas a moça teria reagido mais naturalmente! Arregalou os olhos com uma sem cerimônia que me constrangeu. Mímica nunca foi minha especialidade e, fora descascar uma banana imaginária, poucas outras vezes a compreensão foi imediata, reconheço, mas o formato de "segurando um saco de supermercado com o braço" pareceu-me fácil de entender. Não foi. Soltei a carteira e fiz o gesto com os dois braços. Acho que piorou, pois ela baixou os olhos e falou que a sacola de náilon era muito resistente e custava só dois e noventa e nove.

Não me dei por vencido. O argumento pré-histórico de voltar aos sacos de papel não colou? Pois há outro motivo para que eu não compre a sacola de náilon resistente de dois e noventa e nove com motivos de maracujá, de melão, de arroz ou de alcachofra: Se não levar estas sacolinhas, onde vou colocar o lixo? Vou ter que comprar sacos plásticos! E aí incido novamente no crime ambiental. E ainda com a pecha de consumista! Esta desculpa ela pareceu aceitar com uma certa circunspecção. Pois é. E o lixo?

Enteguei a ela o cartão e enquanto a máquina processava o pagamento enchi até quase estourar cada uma das sacolinhas que ela delicadamente já tinha deixado abertas (durante toda a nossa conversa eu estava tentanto, sem sucesso, descolar os lados de uma única sacola). Sobraram quatro, que eu empurrei na sua direção com um certo orgulho por estar fazendo a minha parte pela preservação do planeta. Ela nem ligou. Tudo bem.

Em casa, ao retirar as compras do porta malas do carro, uma das sacolinhas que não era de náilon super resistente, e que custa a módica quantia de dois e noventa e nove, não suportou o excesso de peso e explodiu. A garrafa da água sanítária quicou no chão, se partiu, enxarcou a rúcula e manchou a barra da minha calça jeans predileta. A caixa de massa ficou desfigurada, mas sobreviveu. Os mamões que não viraram papa sofreram sérios esmagamentos. Os fósforos morreram por afogamento. Os pepinos foram lançados contra a parede quando o vidro se espatifou. A lata de leite condensado amassou no canto, coisa pouca. Só a esponja saiu ilesa.

Sim, eu sei! Isso tudo não deveria estar em uma só sacola! Siiiiiiiiiim. Não quero ouvir mais nem um pio!

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