Acabo de conversar com um grande amigo que, assim como eu, tem um certo pendor para o politicamente incorreto. Não falo de atitudes. Falo de pensamentos.
Atire a primeira pedra quem nunca pensou em bater naquela criança mal educada que fica gritando e correndo pelo restaurante, se pendurando em todas as cadeiras? Ou que teve vontade de trucidar aquela velhinha que entra na casa lotérica e passa na frente de toda a imensa fila com um ar de superioridade? Quem nunca teve vontade de rir quando viu alguém cair aquele tombo? Ou ficou escandalizado com o modelito brega da colega de trabalho?
Você pode ter sorrido amarelo para a praga do restaurante e para a senhora idosa, pode até mesmo ter ajudado com todo o seu empenho o transeunte que se espatifou na sua frente. Assim também deve ter guardado para si a crítica de moda. Jamais pensaria outra coisa de você, meu adorável leitor. Provavelmente, como a grande maioria dos mortais que eu conheço, você, eu e meu amigo agiríamos da mesma forma. E as semelhanças não param por aí. A verdade é que você e todos nós outros, já quisemos estrangular alguém, já achamos uma pessoa muito ridícula, já consideramos alguém muito burro, já pensamos muitas coisas horríveis! Ok, agora acho que acabaram-se as semelhanças.
Poucos - e faço parte deste grupo - são os que admitem pensar assim. Meu amigo alega ter dentro de si Dr. Jekyll e Mr. Hyde. Ele não precisa tomar poção alguma para que Mr. Hyde se manifeste. Ele está sempre lá. Falando baixinho no seu ouvido. Ninguém ouve, mas lá está a criatura malévola, sempre pronta para tascar um palpite horroroso sobre qualquer acontecimento, pessoa, coisa. Sempre. Mas Mr. Hyde só expressa suas deliciosas opiniões a um seleto público capaz de compreendê-lo.
A mim sucedem as aparições de Frau Herta, uma alemã inflexível que lamentavelmente nem sempre se comporta tão bem como o Mr. Hyde. Frau Herta com certa frequência expressa suas opiniões de forma taxativa, no lugar errado e na hora errada. A seu favor o fato de ser apenas grosseira, não sendo nunca maldosa. Ela jamais pretende magoar alguém. Se isso ocorre, e via de regra ocorre, é efeito colateral indesejável.
Mas voltemos ao pensar e ao agir.
Quando eu era criança (era?) minha mãe falava que todos tínhamos um anjinho e um diabinho que nos acompanhavam sempre. O coisinha ruim, por óbvio, nos dava ideias interessantes mas que, lamentavelmente, se colocadas em prática, trariam resultados desastrosos. Coisas como estragar o brinquedo do irmão mais novo só para que o nosso fosse o mais bonito, mentir para uma colega que não tinha trazido a caneta hidrocor só para não emprestar, estragar o tênis ainda bom para ganhar um novo. Todas ideias ótimas. Mas aí vinha a pergunta: Você gostaria que seu irmão quebrasse seu brinquedo? E que a sua colega mentisse? Você acha certo estragar seu tenis?
E lá estava o anjinho, sempre ele, para ajudar com essas respostas... Um chato, esse anjo. Um estraga prazeres. Ele me impediu - e impede até hoje - de agir de forma incorreta. E por isso não sou um tremendo risco para a humanidade, pois o tal do demoninho está ali, no outro ombro, com um amplo cardápio de opções tentadoras a minha espera.
Acho que é porque eu tiro de mim a responsabilidade por meus pensamentos nada corretos que fica mais fácil admitir o que penso. Mas para a maioria das pessoas, reconhecer publicamente que é capaz de pensar e sentir coisas que ferem a moral instituída é muito penoso. É preferível fingir que se é bonzinho o tempo todo do que admitir sentimentos e pensamentos absolutamente humanos e irracionais.
Ao meu ver são mais virtuosos aqueles que, expostos à tentação, resistem bravamente do que os que preferem não correr quaisquer riscos. Mais interessantes aqueles que sentem e pensam tudo (bom e mau, bem e mal) e selecionam deliberadamente aquilo que vai fazer parte do seu agir no mundo.
Aos bonzinhos de nascença, ou que simulam bondade inata, meu argh!!
2 comentários:
Cuuuu!!! Adorei, principalmente a parte do politicamente incorreto, teu irmão deveria ler issooo... kkkk.... Na minha familia Rodrigo é conhecido como politicamente correto... Beijooossss
Menino, e não é que Frau Herta veio à tona com força total! Eu como um dos primeiros observadores do fenômeno fico bastante satisfeito que os instintos primitivos de "Frau" estejam tendo vazão nesse espaço ao mesmo tempo público e seguro, onde podem causar menos dano (será?). Seja bem vinda ao mundo maravilhoso dos blogs terapêuticos, amiga querida.
beijos,
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