Quem me conhece sabe bem as bobagens que costumo fazer. Dou mancadas tão grandes quanto inusitadas. Às vezes até eu me surpreendo. Relato aqui duas que aconteceram no período em que eu trabalhava em um banco.
Eu era caixa executivo, atendia bem e tinha uma especial habilidade com idosos. Uma santa paciência, para ser mais exato. E isso fazia com que os colegas mandassem aqueles casos mais... complicados (para ser politicamente correto) para o meu guichê. Ainda não havia código de defesa do consumidor bancário, nem era lei o atendimento preferencial. Só o que existia era sensibilidade e bom senso. E idosos e similares eram usualmente encaminhados para mim.
Bem, lá estava eu, autenticando coisas, quando a gerente ligou para meu setor e falou:
- Nestor, estou encaminhando um senhor aí. Atende ele antes dos demais, tá? Ele está de boina escura. Tens que tirar as digitais dele.
- Claro, chefinha.
Desliguei o telefone e localizei o sujeito de boina no meio dos demais clientes. Ele me olhou e eu, todo sorriso, fui saindo do guichê para atendê-lo em uma mesa, mais confortável. Então falei:
- O senhor pode dar um pulinho até aqui?
Ele retornou o sorriso e veio na minha direção... pulando!! Em uma perna só! A outra... não existia! Tadinho!! Por isso a gerente tinha mandado eu atendê-lo de forma especial. E eu pedi para ele "dar um pulinho"!! Que fora!!
Felizmente ele não percebeu a gafe. Adorou meu atendimento e saiu da agência bem contentinho. Pulando, como não poderia deixar de ser!
Noutra feita, devido ao meu talento para captar recursos, fui convidado para trabalhar por alguns dias em uma central de atendimento ao trabalhador, um tipo especial de agência que só atendia trabalhadores. Lá se efetuavam os saques nas contas de FGTS, muitas vezes bem polpudas. Esse era meu foco. Eu selecionava os maiores valores que seriam pagos naquele dia e os clientes eram enviados para mim.
Pois, entre outros, escolhi um valor bem expressivo, que seria pago a um cara relativamente novo, em função de aposentadoria por invalidez permanente. Lá só fala isso. Invalidez permanente. Não diz o que aconteceu com o sujeito. Eis que aparece o cliente. Sem os dois braços!
Sim, este post está meio bizzarro, concordo, mas é que essas duas mancadas me marcaram profundamente.
Prosseguindo: surge o cara com dois curativos em forma de bola nos ombros. Ele estava com uma calça estilo militar, com bolsos nas laterais e camiseta branca, sem mangas. Entrou. Foi encaminhado para minha mesa. Sorriu.
Eu sorri. Indiquei a cadeira, ele sentou. Fiquei aguardando que entrasse alguém que o estivesse acompanhando. Nada. Sorri. Ele sorriu.
Nos dois segundos que se sucederam. Tracei uma estratégia de atendimento para pessoas sem braços. Precisava agir naturalmente. Não podia pedir que ele assinasse nada. Não podia pedir para ele me entregar documentos. Bem. Era essa a estratégia. Super- executável. Bora lá. Analisei os valores, convenci ele de que era melhor abrir uma poupança, perguntei o que tinha acontecido, tudo muito natural.
Ele contou que trabalhava na companhia de energia elétrica e que tinha ido atender a um chamado de falta de energia em uma determinada quadra. Detectou o problema e soltou uns tais garfos, que ficam nos postes, para interromper o fluxo de energia e efetuar o conserto. Ocorre que enquanto ele estava no outro lado da quadra, com as duas mãos no fio, outra equipe foi acionada por outra pessoa, para a mesma ocorrência. Quando a segunda equipe avistou o poste sem os tais garfos, concluiu que o problema era este. Então, sem ver o caminhão em que meu cliente trabalhava, ligou os garfos novamente, reestabelecendo a corrente de alta tensão. Ele teve os dois braços carbonizados na hora.
Fiz aqueles comentários padrão: que horror, que fatalidade, essas coisas, mas sem exageros, pois o cara não estava ali para ser protagonista de nenhum circo de horrores. E continuei com os trâmites, preenchendo a ficha de abertura de conta na máquina de escrever (sim, máquina de escrever, um equipamento revolucionário que vai imprimindo à medida em que a gente digita).
Na hora dos documentos, perguntei onde estavam, ele falou que estavam no bolso direito da calça. Pedi se podia pegá-los. Claro! Ele se levantou, para facilitar. Na hora da assinatura perguntei se ele desejava que o procurador do INSS assinasse ou se queria que eu deixasse a ficha para regularizar mais tarde. Ele ficou com a segunda opção, pois acreditava que em breve estaria apto a assinar, usando uma prótese. Ok.
Tudo muito bem, atendimento nota dez, cliente captado, ficha preenchida, documentos devolvidos ao bolso lateral. Ambos de pé, para as despedidas, e eu... estico a mão para cumprimentá-lo!!! Como? Estiquei o braço! E, o que é pior, ele inclinou o ombro, como se fosse me dar a mão inexistente. E agora, tia Chica? Braço esticado, girei o polegar para baixo e apertei levemente o pom-pom do braço direito dele, fazendo um leve movimento para cima e para baixo.
Nos olhamos constrangidos e ele quebrou o gelo: Eu também esqueci!
Soltei o pom-pom e ele endireitou os ombros. Agradecemos, um ao outro, quase ao mesmo tempo. Sorrimos e nos despedimos novamente. Desta vez só com um um movimento de cabeça.
Gente, que mancadas! Entenderam agora o que eu quis dizer quando falei grandes e inusitadas???
2 comentários:
Voce me surpreende sempre.
Quando penso que tudo vai ter um final "normal", surpresa... algo acontece.
Saber sobre suas experiências é muito bom e divertido.
bjs
bel
Estou me acabando de tanto rir.
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