terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Uma flor para rimar

E minha amiga Denise relembra um episódio da infância. Conta que lá pela quarta, quinta série, era comum as meninas terem um livrinho que entregavam para os colegas, amigos e professores deixarem mensagens. Cada um tinha direito a uma página inteira para escrever o que lhe aprouvesse: poesias, versinhos, desenhos, enfim, um registro daquele momento para a posteridade. E uma das grandes emoções envolvendo o tal livreto era entregá-lo ao menino por quem se nutria especial afeto. As fêmeas já saem das fraldas se apaixonando por alguém, então todas tinham o tal garoto especial. E imagine a expectativa em torno daquilo que ele iria escrever...

Fernanda temia os riscos, apesar de ser, de longe, a mais bonita da turma. Parecia muito com a outra Fernanda, a Lima. Linda e loura, olhos verdes, era apaixonada pelo colega Giovanni. Mas temia entregar-lhe o caderninho. Já minha amiga, mais desencanada e menos decidida sobre quem era o garoto de quem ela realmente gostava, entregou logo o livrinho para dois: Giancarlo, o gordinho, foi profundo: "Quando este imenso dragão, o tempo, tiver nossos destinos separado, lembra-te que fui teu colega!". Gordo bocó! Betinho, o baixinho, foi mais direto: "Je t'aime em françês, I love you em inglês, mas o melhor é dizer, eu te amo em português!" Uau! Direto ao ponto. Olhando bem, ele nem é assim tão baixo!

Então Fernanda armou-se de coragem e entregou seu livro ao Giovanni que, escreveu em uma página pintada de lápis de cor: "O amor é uma flor roxa, que nasce no coração dos trouxas". Pobre Fer... Não entrou em depressão pois naquela idade ainda nem sabia o que era isso.

As amigas todas foram solidárias e passaram a ignorar o Giovanni, que acabou trocando de escola (não por esse motivo, claro) e nunca mais se soube dele. Betinho colheu os frutos da sua ousadia. Até troca de presentes rolou. Quanto ao Giancarlo, o dragão do tempo foi implacáve: separou seu destino de todos os demais antes que ele completasse 30 anos.

Mas reminiscências à parte, voltemos à tal flor roxa! Será isso então o amor? Ouso concordar. Como uma flor, nasce. Mesmo que não se tenha plantado uma semente sequer. Quando a gente menos espera, lá está ela, imensa! Roxa! Ou profundamente azul, como haverá de ser profundo algum olhar. Escandalosamente vermelha, ardente, viçosa, tal qual lábios desejosos de beijos. Ínfima, desbotada, amarela, delicada e singela... Sempre diferente mas, igualzinha a todas as flores, um dia nasce. Do nada ou de muita coisa. Nasce. E permanece algum tempo ali, para ser colhida ou não, admirada ou ignorada.

Nasce, sem intenção nem culpa, no coração. Não é fruto, o amor, de planejamento, de lógica, de estratégia. Aliás, não é fruto. É flor. Uma flor, procurado uma rima qualquer.

2 comentários:

Jenifer... disse...

Adorei..me fez lembrar o meu tempo de colégio...no meu tempo(não faz tanto tempo assim), entregávamos camisetas para os colegas assinarem...pouco tempo atrás me deparei com uma pequena camiseta assinada pelos coleguinhas da 3 série...que saudade...aliás tinha a assinatura da minha namoradinha (mesmo ela não sabendo disso)...abraços aqui do sul....

Anônimo disse...

Neste post aqui, demonstraste grande talento, Nestor. Acho que te prefiro na versão prozac.
JRios.